07/07/2008

Suado milagre

Carso algarvio © Pedro Cuiça (2008)

Espeleo-materialismo ou espeleo-religiosidade? - eis a questão. Numa época em que grassa um certo ateísmo, será conveniente ter alguma crença? Claro que sim. Mesmo que o assunto não se preste a crendices ou nem se trate de um assunto de fé! Há grutas, e pronto. Para ser mais explicito, mais preciso, há mais grutas do que as que se conhecem (ponto).
Que mais não seja, e ponhamos as coisas nestes termos, será de todo conveniente estar motivado, ter alguma motivação… acreditar em algo. É certo que hoje em dia há certas pessoas que fazem gala em arvorar o seu materialismo, talvez as mesmas que buscam conforto em literaturas de cordel baseadas em consensos caninos ou obvias charlatanices, num pseudo-posicionamento pós-moderno eivado de preconceitos e atitudes pavlovianas. Enfim… isto para chegar à questão das campanhas de prospecção, descoberta de novas grutas e provas do género “a minha é maior que a tua”.
As grutas estão lá, basta só dar com elas! Tão simples como isso, não fosse o facto disso dar trabalho, ter custos e nem sempre ser fácil. Depois, será necessário acrescentar que, nesse pressuposto, não basta apenas ter uma atitude de meia bola e força. E muito menos de estática ou inerte passividade. Isto porque uma abordagem do tipo pega de caras pode dar azo a uma estonteante marrada em pedra dura. E arranques em força explosiva são fífias de ínfima duração. Por outro lado, esperar que as grutas nos caiam do céu, sem nada fazer, é crença demasiado desajustada para merecer comentários. Apesar de tudo já ser possível (será?), dificilmente se descobrirá uma gruta enquanto se faz zapping frente ao televisor.
É necessário apostar numa espeleo pró-activa… A prospecção é fundamental e não esqueçamos que ainda existem áreas bastante promissoras e pouco, ou nada, prospectadas. Pelo menos, como deve ser... Com olhos de ver. Por outro lado, o investimento nas desobstruções é inevitável, quer na descoberta de novas grutas, quer no eventual prolongamento das já conhecidas. Mas não é por andar meses a cavar no mesmo sítio que, por milagre, aparece um algar promissor onde não o há. O óbvio já é conhecido, restando agora o mais difícil, o oculto, aquilo que se encontra escondido. Portanto, moral da história: o futuro, se se quer e pretende auspicioso e inovador, só terá um caminho a seguir: “partir pedra” com método, disciplina e rigor. Trabalhar, trabalhar, trabalhar e, já agora, acreditar. Mesmo para aqueles que não tenham fé. Mas, mesmo esses, que tenham, numa atitude mística, alguma fezada. Antes isto do que nada! Para os outros, aqueles que ainda têm a capacidade de acreditar ficam as palavras animadoras que São Mateus tão bem soube verter no Novo Testamento: “Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei e abrir-se-vos-á. Pois quem pede recebe; e quem procura encontra; e ao que bate abrir-se-á.” Mais: “(…) nada há de encoberto que não venha a descobrir-se, nem oculto que não venha a ser conhecido.” Deus é grande e misericordioso para com os pobres, os fracos e os oprimidos - há quem diga.
"La tentation panthéiste est trop forte, le monde souterrain trop formidable pour que je me sente ailleurs qu’au cœur même de la divinité. J’aime à dire qu’Il est un vieux spéléologue et que nous nous connaissons depuis longtemps pour qu’il y ait quelque chose de caché entre nous. Cependant, lorsque la peur et la responsabilité pèsent trop lourd, on redevient un enfant capable de prier. Capable de louer Notre Père qui est aussi sous terre…" (Queffélec, 1994).
Por último, será bom lembrar que a inveja é um dos pecados mortais. Benza-nos Deus!

6 comentários:

Anónimo disse...

Olá Pedro
Infelizmente a espeleo Portuguesa têm partido muita pedra, mas outro tipo de pedra e andamos há 20 a partir pedra, e depois aparecem uns bifes ou frogs e fazem milagres, com certeza que também partem pedra mas não é a mesma dos portugas.
Acho que está na hora de as coisas mudarem, vamos fazer por isso.
Abraço
PR

Pedro Cuiça disse...

Como diz o povo: “a galinha da vizinha é sempre melhor do que a nossa” (creio que é assim que se diz ou algo do género). Ao que acrescentaria: e se for estrangeira, então, não tem comparação, é mesmo muito melhor. Esse posicionamento é típico do português que face aos seus pares (leia-se portugas) costuma ter uma atitude que oscila entre a desconfiança e a inveja. Já face ao estrangeiro a postura costuma ser recorrentemente de subserviência e, em geral, tudo ou todo aquele que vem de fora é bom ou “muita bom”. Nesse contexto, qualquer francês (pelo simples facto de o ser) é, desde logo, um bom ou “muita bom” espeleólogo (seja lá isso o que for!). Razão pela qual poderíamos ficar descansados quando chegam a Portugal e descobrem o buraco mais profundo deste país à beira-mar plantado. O facto estaria justificado só por si. Como disseste no Espeleo.pt “santos da casa não fazem milagres”. Já os de fora upa, upa… Os factos falam por si: o algar mais profundo de Portugal. Ena pá, -220 metros depois de 2000!
Acontece que neste torrão do sul da Europa nunca estamos satisfeitos e um gajo é criticado por ter cão e por não ter, ou seja, por descobrir grutas ou por não as descobrir. Portanto, apesar das atenuantes e nítidas vantagens de se ser estrangeiro, nem sendo espeleólogo francês se escapa às criticas. Mas que estes fiquem descansados porque não se trata de xenofobia, racismo ou qualquer outra forma de descriminação, é apenas uma forma de estar que “nos está na massa do sangue”. Sejamos claros: estes porque são franceses foram questionados ao de leve, mas se fossem portugueses seriam brindados com comentários igualmente “abonatórios”, mas certamente mais pesados. Ou, pior ainda, por um confrangedor silêncio, uma gélida indiferença ou uma estranha amnésia face aos acontecimentos! Como também tiveste oportunidade de lembrar no Forum.pt, já os romanos demonstravam o seu espanto face às peculiaridades lusas: “que povo estranho este, não governa nem se deixa governar”.
Bien, na verdade temos é um problema de atitude, de mentalidades. Talvez um pessimismo congénito ou uma profunda insatisfação do tipo “só estou bem onde não estou, só quero ir onde não vou”. Algo de indefinido, ou difícil de definir, mas tão concreto quanto pernicioso. É isso, pelo menos em parte, que faz com que nos esqueçamos do trabalho e das descobertas tão ou mais importantes efectuadas por espeleólogos portugueses e que, pelas razões acima explicitadas (entre outras) faz com que não sejam devidamente lembradas e enaltecidas. Basta recordar as descobertas lideradas pelo João Neves no Almonda ou pelo Francisco Rasteiro na Arrábida, entre vários outros exemplos. É isso, pelo menos em parte, que faz com que não sejam dados francos parabéns a quem, estrangeiro ou nacional, da entidade A ou B (ou sem entidade, pasme-se!), faça uma descoberta meritória. Trata-se de simples boa educação e civilidade, não é? Pelo contrário, parece que a malta prefere apostar mais em conversas de café, de preferência regadas a imperial e “tramoço”, em torno de assuntos tão importantes como as guerras abertas ou encapotadas entre as entidades A e B, entre tais fulanos que são uns monstros (os outros) e outros que são uns anjos (nós), etc., etc., etc.. Talvez se gastem mais energias a defender “quintinhas” e em mexeriquices ao nível das piores telenovelas mexicanas do que em verdadeiro trabalho em prol da espeleologia nacional. Depois a malta não se deve admirar, tem o que merece. É isso que já devia ter mudado há muito tempo, é isso que deve mudar. Aliás, pode demorar, mas o tempo não volta para trás. O mundo é composto de mudança e esta é inevitável. Por muita areia que deitem na engrenagem ou para os olhos de quem estiver a jeito ou disposto a levar com ela, essas atitudes não têm futuro histórico. A espeleologia portuguesa precisa de massa critica e não se deixar embalar por show-offs e manobras de diversão. Quem não acreditar que isso seja possível, e for crente, sempre poderá pôr uma velinha ao padroeiro da espeleologia ou, em segunda instância, ao dos mineiros. Talvez dessa forma se apresse a tão necessária mudança de atitudes, de mentalidades. Mas mesmo sem isso, a coisa vai lá. Portanto, saravá, corações ao alto.

NALGA disse...

Olá Pedro
Com certeza que as descobertas Portuguesas não estão esquecidas, e houve muitas, principalmente na Arrábida e Sicó, também houve no maciço calcário estremenho, mas algumas delas não foram feitas por não existir partilha de informação, e outras ouve que estão enfiadas nas gavetas de alguma associação. Estes colegas europeus nem sabiam que tinham feito esta descoberta, e utilizando as suas próprias palavras: "Nous sommes heureux d'apprendre que cet algar devient le plus plus profond du Portugal (on se doutait que ça faisait partie des plus profondes cavités du pays). Mais cette découverte n'est qu'une étape dans la connaissance de ce massif et la découverte majeure sera de découvrir un accès à l'actif qui draine ce plateau. Cet algar permet d'avoir une "coupe" géologique des calcaires sur 220m et peut faire le bonheur de tout géologue." (Rémy Soulier).Isto evidencia a falta de informação e de publicações sobre trabalho espeleológico feito em Portugal, o que leva a repetição de trabalhos com os respectivos impactos para as grutas. Muitos dos teus sermões aos peixes continuam actuais, eu procuro divulgar os nossos humildes trabalhos e não concordo com jogos de esconde esconde e a minha gruta e maior que a tua...
Somos todos colegas e não acho que os estrangeiros sejam melhores, apenas tem outra mentalidade que tem custado a chegar a este cantinho.
Ainda andamos a sofrer com fantasmas dos anos 80, que em nada ajudam a espeleo Portuguesa, e continuar-mos fechados em pequenos feudos não nos leva longe. Já fui muito criticado por dar a minha opinião publicamente, principalmente quando essa opinião ia contra os interesses ou opiniões de alguns barões da espeleo. Acho que existe neste momento massa critica suficiente na FPE para começar uma nova era na espeleo, a criação da Comissão cientifica foi o primeiro passo.
Um abraço

Pedro Cuiça disse...

Caro Pedro Robalo
Quando me referia a esquecimentos não estava de modo algum a pensar na tua pessoa, mas sim a generalizar… Aliás, estas minhas “sérias brincadeiras” não visam atacar ninguém em concreto, longe disso, mas simplesmente expressar o que penso e, se possível, “despertar” consciências sem pretensões de qualquer espécie. Sabes que ao longo da minha actividade jornalística no que concerne à espeleo fartei-me de ouvir histórias, umas cómicas, outras bizarras e outras ainda pouco dignificantes: informações secretas, dados sonegados, mentiras mais ou menos descaradas, alusões a pretensos inimigos, etc. No entanto, nunca segui por esses caminhos e a demonstrá-lo temos os textos que escrevi até hoje sobre a matéria e que serão na integra, sem cortes nem artifícios, publicados aqui no Spelaion.
Esse texto de Rémy Soulier que dás a conhecer mostra afinal que esses franceses são uns tipos porreiros e com uma boa perspectiva da espeleologia, pelos vistos humildes q.b., sensatos e, muito importante, já a pensar em novos desafios; em ir mais além…
Quanto a questões de delito de opinião ou tentativas de cercear a expressão do pensamento seja de quem for isso é, do meu ponto de vista, manifestamente incorrecto e inadmissível. A única forma de não alinhar nesses esquemas é precisamente fazer-lhes frente e, custe a quem custar, dizer o que tem de ser dito, com honestidade e frontalidade, doa a quem doer.
A criação da Comissão Científica da Federação, a actividade e a dinâmica que veio implementar é, sem dúvida, de louvar; diria mesmo uma lufada de ar fresco no panorama espeleológico português. No entanto, penso que a massa crítica da espeleologia nacional não se esgota de todo ou é um exclusivo da Federação Portuguesa de Espeleologia, nem da Sociedade Portuguesa de Espeleologia ou seja de quem for. A massa critica da espeleologia nacional é composta pelo todo e não por uma das partes.
Por último, gostaria de expressar a minha inteira solidariedade e estima no tocante à manifestação das tuas opiniões e, nesse pressuposto, força ai...
Grande Abraço

Pedro Cuiça

Pedro Cuiça disse...

A propósito: a padroeira dos espeleólogos espanhóis é a Virgen Maria de la Cueva Santa. Em Portugal poderá ser a Senhora da Rocha, associada à Gruta da Aparição (Carnaxide)? Já a padroeira dos mineiros é Santa Bárbara…

NALGA disse...

Dos mineiros e dos escavadores de túneis, não existe nenhuma construção de tuneis que não tenha na entrada o altar a Santa Bárbara.