08/07/2008

À mercê da destruição

Espeleologia
Grutas algarvias à mercê da destruição

[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 119,7 de Março de 1997]

© Marcelo Vigneron (Forum Ambiente, 1997)

A espeleologia é uma ciência-desporto que se dedica ao estudo e exploração de cavernas naturais. A componente meramente desportiva tem deixado as suas marcas. A componente científica é praticamente inexistente. As acções antrópicas ficam para quem quiser ver.

A Orla Mesocenozóica Algarvia apresenta um rede de drenagem superficial pouco desenvolvida, uma quase ausência de cursos de água de caudal permanente e a ocorrência de perdas (sumidouros) e ganhos (exsurgências). A importância da drenagem criptorreica em detrimento da drenagem superficial, associada a uma geomorfologia peculiar, que surge essencialmente no Barrocal (lapiás, dolinas, uvalas, polges, canhões, algares, etc.), permite definir o Carso Algarvio ou Carso do Algarve: a segunda maior extensão de terrenos carbonatados do País.
Os geógrafos do final do século XIX deram o nome de “karst” (carso) às áreas onde a hidrologia subterrânea (hidrogeologia) e os fenómenos de dissolução desempenharam um papel preponderante na modelação do relevo.
O Carso Algarvio apresenta em determinadas áreas inúmeras grutas que se encontram sujeitas a uma degradação, desde há anos, devido a incursões antrópicas, sendo fundamental a sua protecção. O surgimento da espeleologia em Portugal (podemos considerar o seu início coincidente com a fundação da Sociedade Portuguesa de Espeleologia, em 1948) pouco contribuiu para o conhecimento e o estudo das cavernas algarvias.
Os grupos de “espeleologia” algarvios pouco fizeram: sempre se verificou a ausência de um plano regional de trabalho e a falta de cooperação entre grupos, fracos em recursos económicos e quadros. A ausência de cursos de espeleologia, de nível académico, aliada a uma inexistência de legislação que foque as grutas do nosso País, implica que o baixo nível científico da generalidade dos “espeleólogos” provoque a degradação de grutas. Uma mesma gruta é várias vezes visitada e “estudada” por diversos grupos que efectuam, em geral, a inventariação da cavidade, a qual difere geralmente de grupo para grupo. Não raras vezes devido à inconstância existencial desses grupos, os inventários perdem-se ou ficam inacessíveis no olvido das gavetas das suas sedes.
Se alguns “espeleólogos” degradam as grutas sem intenção de o fazerem, a acção dos “curiosos” é muito grave e, por vezes, propositada: a obstrução de cavidades por meio de blocos, o arrancar de concreções, a perturbação e mesmo a morte de morcegos, os graffiti nas paredes, o lixo deitado ou deixado nas grutas são alguns dos factores que degradam as formas endocársicas algarvias e os ecossistemas associados.
A afluência, ao longo dos anos, de grande número de pessoas a determinadas grutas, a que não estará alheio o facto de virem assinaladas em alguns mapas e guias turísticos e serem de fácil acesso, tem vindo a degradá-las de maneira rápida e irreversível. A situação actual do endocarso algarvio, leva-nos a afirmar que um conjunto de cavidades estão em risco de se tornarem “galerias estéreis”. É caso para dizer: longe da vista, longe do coração.

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