23/07/2008

(In)competências

Serra do Risco
Onde param as competências?

[FORA DE PORTAS · jornal Forum Ambiente nº 137, 11 de Julho de 1997]

Serra do Risco (Arrábida) © F. Caleiro (digitalização do jornal Forum Ambiente 1997)

O Núcleo de Espeleologia da Costa Azul alertou os órgãos competentes para a situação de ameaça em que se encontra a Serra do Risco. Estes remeteram o assunto de uns para os outros. De concreto, nada se resolveu.

Um problema que a todos atinge de forma brutal”, foi assim que o Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA) definiu a situação das pedreiras que se encontram em laboração à beira da Serra do Risco. O alerta já foi dado há vários meses mas os resultados tardam. Aliás, não existe a vontade, por parte das entidades competentes, de resolver a situação. As pedreiras continuam a laborar impunemente junto da serra e da falésia do Risco, dentro da área do Parque Natural da Arrábida (PNA).
As explorações junto da falésia e da serra do Risco já ocuparam, segundo o NECA, uma área equivalente à de Sesimbra e a tendência, ao que tudo indica, será para o aumento da mesma.
No mês de Março, o NECA enviou a diversas instâncias uma carta a denunciar a destruição que se verifica na serra do Risco. Nesse protesto podia-se ler: “a anestesia provocada pelos malabarismos verbais dos que tomam as decisões tem, literalmente, adormecido os alarmes que deveriam soar face a uma catástrofe anunciada com tamanha dimensão. Não poderemos, por isso, ficar indiferentes ao alargamento desmesurado da área de exploração em direcção à Serra do Risco (que tem o apoio do director do Parque Natural da Arrábida), assim como à destruição de uma área de Lapiás”. As reacções não tardaram.
O Chefe de Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Ambiente, Rui Gonçalves, refere, em carta datada de 27 de Março, que o assunto foi encaminhado “para o gabinete de sua excelência o Secretário de Estado dos Recursos Naturais, por se tratar de assunto da sua competência”.
Por seu lado, o Chefe de Gabinete do Secretário de Estado dos Recursos Naturais, Alves Ferreira, salienta, em carta de 2 de Abril, que o PNA optou por ter um plano geral de recuperação paisagística para a totalidade das nove explorações da zona Calhariz-Covão.
Na área do Calhariz, o plano de recuperação foi indeferido por prever ampliações das áreas de exploração. Nesse núcleo, a empresa Sobrissul − Sociedade de Britas do Sul é responsável pela exploração da pedreira denominada “Mata Redonda”, a qual labora junto da arriba e da serra do Risco. Esta pedreira foi licenciada em 1970 portanto, é anterior à criação do PNA − tendo sido concedidos 113 hectares para exploração de pedra. Posteriormente, a área de laboração foi reduzida para 86 hectares, mas como ainda abrangia parte significativa da arriba, efectuou-se uma permuta de modo a salvaguardar a maior falésia da Europa Continental.
Alves Ferreira afirma igualmente que “em relação aos óleos, o PNA levantou auto de notícia a esta mesma empresa, por terem detectado na zona das oficinas manchas de óleo resultantes de algum desleixo na recolha e armazenamento de óleos usados”.
A FORUM AMBIENTE deslocou-se ao local da pedreira e verificou a existência de um pequeno “regato” de derivados de petróleo canalizado directamente para um sumidouro natural (para uma pequena gruta).
Por seu turno, a Directora Regional do Ambiente e Recursos Naturais de Lisboa e Vale do Tejo, Madalena Presumido, responde, em carta de 16 de Abril, à interpelação do NECA, informando que “a mesma foi enviada ao Instituto da Conservação da Natureza (ICN), pois a área mencionada está sob responsabilidade deste organismo”.
A Casa Civil do Presidente da República, em carta de 14 de Abril, respondia através do Chefe da Casa Civil, António Franco. Nesta, diz-se que embora o assunto seja “relevante e merecendo toda a sensibilidade, não se integra na esfera de competência do Presidente da República”. O assunto foi remetido para “o Gabinete de Sua Excelência o Primeiro-Ministro”.
O Chefe de Gabinete do Primeiro-Ministro, Fernando Soto Almeida, em carta de 6 de Maio, agradece a exposição do NECA “à qual foi prestada a melhor atenção”. A fórmula é em tudo idêntica à usada por António Franco, o Chefe da Casa Civil do Presidente da República. Fernando Soto Almeida remete, igualmente, o assunto, não para “Sua Excelência o Primeiro-Ministro”, mas para o Ministério do Ambiente.
Do Gabinete do Procurador-geral da República a resposta também não se fez esperar. Em carta datada de 22 de Maio, o Chefe de Gabinete, Ernesto António da Silva Maciel, informa que a exposição “foi enviada ao Senhor Chefe do Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado do Ambiente”. Em 20 de Junho de 1997, o Chefe de Gabinete do Procurador-Geral da República volta a endereçar uma carta ao NECA: “Segundo informação prestada pelo Senhor Chefe do Gabinete de Sua Excelência o Secretário Adjunto do Ministro do Ambiente, o expediente recebido foi encaminhado, em 6 do corrente mês, para o Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Recursos Naturais, por se tratar de assunto da competência daquele Gabinete”.
Resumindo, das diversas entidades a que a carta do NECA foi endereçada, destaca-se o Secretário de Estado dos Recursos Naturais como a pessoa capaz de solucionar o problema das “pedreiras do Risco”.
O Grupo Parlamentar do Partido Ecologista “Os Verdes” manifestava, em 14 de Maio de 1997, a intenção de interpelar o Governo acerca do estado das pedreiras do PNA. Após a deslocação da deputada Heloísa Apolónia, de “Os Verdes”, ao PNA, esta mostrou-se surpreendida com “a degradante situação das pedreiras em plena área protegida, que além da destruição da beleza paisagística desta importante reserva biológica, contribui há muitos anos para a degradação da qualidade de vida das populações residentes no Parque Natural”.
A interpelação ocorreu no dia 20 de Junho e o Secretário de Estado dos Recursos Naturais foi quem deu as respostas. Segundo Ricardo Magalhães, as pedreiras têm até ao final do ano para apresentarem um plano conjunto de recuperação paisagística. No entanto, a destruição de um lapiás será definida, pelo que não se poderá recuperar o irrecuperável. O Secretário de Estado desdramatizou ainda a questão das pedreiras na área do PNA afirmando que estas ocupam somente três por cento da área do mesmo. Mas os números do NECA são diferentes (aliás o próprio director do PNA não confirma esse valor). Segundo os espeleólogos a área será de cerca de sete por cento. Segundo Ricardo Magalhães nada poderá ser feito para parar a exploração, pois são empresas devidamente licenciadas e legais. Os argumentos do director do PNA são semelhantes.
Os espeleólogos denunciaram prontamente o processo em curso na área do PNA (já se verificou a destruição de parte do lapiás) e os media noticiaram a situação com igual celeridade. Os espeleólogos foram ameaçados com um processo judicial devido à iniciativa de editarem postais acerca da destruição do PNA. A polémica continua, mas as resoluções aguardam melhores dias.
A Quercus já esteve envolvida na questão mas afastou-se do processo. Agora resta aos praticantes de ar livre, aqueles que palmilham o “país profundo”, a manifestação desse desagrado. Aliás qualquer habitante da margem sul do Tejo poderá verificar a gravidade das acções levadas a cabo no PNA. A ferida aberta no flanco da serra é visível a muito quilómetros de distância.

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