11/03/2008

Cerro da Cabeça

[Forum Ambiente jornal ● nº 16, Mar. 95]

Cerro da Cabeça
Um espectacular megalapiás


Ladroeira Grande @ P. Cuiça (2008)

Ladroeira Grande (Algarve) © Pedro Cuiça (1994)

O Cerro da Cabeça, a 250 metros de altitude e a poucos quilómetros de Moncarapacho, no Algarve, tem o mais espectacular megalapiás da região. Um verdadeiro geomonumento.

Se já passou pelo sotavento algarvio concerteza que não ficou alheio ao panorama dos montes da Serra de Montefigo que se estendem, de nascente para poente, sobranceiros ao litoral. Essa serra começa, a este, por uma pequena elevação que passaria despercebida face ao comparativamente grande Cerro de S. Miguel (410 m) não fosse a sua superfície estar coberta de rochedos.
É um panorama diferente aquele que lhe propomos ao sugerir que visite o Cerro da Cabeça (249 m), situado a cerca de 2.5 quilómetros a nor-nordeste de Moncarapacho, um dos locais mais pitorescos da região algarvia. Com efeito, o terreno essencialmente rochoso e muito acidentado associado a uma flora variada típica do barrocal constituem um elemento de grande beleza paisagística. Neste cerro, um verdadeiro geo-monumento, encontra-se o mais espectacular megalapiás do Algarve, onde dominam os grandes dorsos de superfícies arredondadas, relevos cónicos e pedunculados, torres e blocos, distribuem-se densamente por toda a elevação.
O trabalho erosivo das águas de escorrência sobre as rochas carbonatadas não se limitou, no entanto, a modelar esse peculiar relevo ruíniforme, pois a profusão de cavernas aí existentes revelam a importância do seu oculto mundo subterrâneo. De facto, o Cerro da Cabeça é a zona onde existe maior número de grutas no Algarve, algumas delas de grande interesse zoológico e arqueológico, para além de aí se situarem as cavidades mais profundas da região (Algar Maxila e Algar Medusa com 95 e 78 m de profundidade, respectivamente). Estas características geomorfológicas fazem com que o Cerro da Cabeça seja ideal para a prática de “espeleologia” e de bouldering (escalada de blocos), no entanto, também se poderá, como é óbvio, apreciar este cerro de um modo menos “radical” através de um simples passeio.
Subindo pela escadaria que dá acesso aos restos do que já foi um miradouro, situado na vertente sul dessa elevação, poder-se-á abranger uma ampla panorâmica do litoral algarvio, desde Vila Real de Santo António até para além de Faro. A estrutura de betão e metal que se irá encontrar no caminho de terra que liga à dita escadaria é o resultado da desastrosa tentativa de abertura ao turismo da Gruta da Senhora, da qual resultou a destruição dessa cavidade. Mas não desanime. Apesar de nesse cerro já se verificar a actuação nefasta do homem, esta ainda não é muito marcante (pelo menos à superfície), exceptuando a pedreira situada na base sul-sudeste e alguns locais pontuais em que se verifica a existência de lixo. Se você é daqueles que gosta mesmo de andar a pé, vá até ao marco geodésico, no alto dessa elevação, e deslumbre-se com um pôr-do-sol a enquadrar a silhueta do Cerro de S. Miguel a oeste, as ilhas barreira da Ria Formosa a sul, a planície litoral que se estende até terras de Espanha a este e as colinas carbonatadas a norte. De regresso à base do cerro, contemple a transmutação do ambiente que se processa com o anoitecer. Se tiver sorte de estar Lua cheia, sinta a sacralidade do local que nos remete aos tempos remotos em que os nossos antepassados do paleolítico dormiam à luz das estrelas.
Actualmente, o Cerro da Cabeça, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Moncarapacho, encontra-se ao abandono, sujeito aos mais diversos actos de vandalismo ambiental, o que se reflecte em especial nas grutas aí existentes e a nível da fauna e da flora. O grande valor ambiental que essa elevação encerra aconselharia a sua conservação urgente classificando-a como área protegida. Até lá, aproveite para a visitar, antes que seja tarde, mas não se esqueça: “não tires mais que fotografias, não deixes mais que pegadas”.

06/03/2008

Sítio Classificado?!

Cerro da Cabeça @ P. Cuiça (2008)

O Cerro da Cabeça tornou-se Sítio Classificado em 2000, sem que daí se tornassem visíveis quaisquer medidas de conservação da área em questão, bem pelo contrário! Por outro lado, em 2006, foi também “classificada” como Zona de Caça Associativa!! Actualmente a Gruta da Senhora encontra-se tal como a deixaram (na verdade, pior), a grutas continuam à mercê de incursões antrópicas e anda-se de jeep até ao miradouro e outros locais cimeiros!!! E para isso até se alargam caminhos e movem-se blocos!!!! Portanto, vamos de bem a melhor…
Cerro da Cabeça @ P. Cuiça (2008)

Cabeça protegida

O Cerro da Cabeça como Área Protegida

[Jornal O Algarve · Ano 87º, nº 4369, 9 a 15/Fev. 1995]

Cerro da Cabeça @P. Cuiça (2008)

Pensamos que é urgente tomar as medidas de protecção da Gruta da Senhora e defendemos a classificação do Cerro da Cabeça como Área de Paisagem Protegida ou Sítio Classificado.
O Cerro da Cabeça (249 m) situa-se a cerca de 2.5 km a NNE de Moncarapacho (Distrito de Faro, Concelho de Olhão, Freguesia de Moncarapacho). Nesse cerro encontra-se o mais espectacular megalapiás do Algarve, onde dominam os grandes dorsos de superfícies arredondadas, relevos cónicos e pedunculados, torres, blocos, etc., distribuindo-se densamente por toda a elevação (J. A. Crispim, 1982). As torres e dorsos estão separados por fendas entulhadas de calhaus, que por vezes constituem pias, ou por corredores. As pias escavadas no lapiás prolongam-se frequentemente em profundidade por algares geralmente de boca estreita e obstruídos por detritos clasticos (ex. Algar do Próximo), mas por vezes dão acesso a profundas cavidades (ex. Algar Maxila). No Cerro da Cabeça localizam-se as formas endocársicas mais profundas, de que se tem conhecimento, na região algarvia: Algar Maxila (> 95 m), Algar Medusa (78 m), 056 GEAM (> 50 m), etc..
Consta que o CEEAA, extinto há alguns anos, terá efectuado a inventariação de mais de uma centena de cavidades nesse cerro. Número mítico ou real? Não se pode averiguar pois os estudos desse Centro encontram-se encerrados no “olvídio das gavetas” da sua sede sita em instalações da Santa Casa da Misericórdia de Moncarapacho. No entanto, já no século XVI dizia-se que a “Cabeça de Moncarapacho” tinha “tantas covas e furnas contrapassadas que se podem esconder nele mil homens sem serem vistos, nem achados” (in Cadernos da Revista de História Económica e Social, nº 39).
Em 1758, o Padre Manuel Mendes Corrêa informou a existência de “uma cova chamada abismo”, “outra cova, a que chamam Ladroeira” e ainda uma outra “de fronte desta” (in F. X. d’Athaide Oliveira, 1906). Estácio da Veiga (1886) faz referência ao "Abysmo", Ladroeira Grande e Ladroeira Pequena. A. de Barros Machado e B. de Barros Machado (1948) referem o grande interesse zoológico das grutas Abismo Novo e Algueirão do Garrafão (este último com guano de morcego); além disso, referem a existência do Abismo Velho, Ladroeira Grande, L. Pequena e Algueirão da Pechinha (este com localização incerta). Em 1982, O. da Veiga Ferreira volta a referir o grande interesse zoológico do Abismo Novo e Algueirão do Garrafão; este autor, aponta, também, as grutas Abismo e Ladroeiras como tendo fornecido elementos do Neo-eneolítico ou Calcolítico (in G. Manupella et al., 1987). Costa Almeida (1979) e J. A. Crispim (1982) referem a existência de numerosas e importantes cavidades, conhecendo-se cerca de 30; no entanto, actualmente esse número ascende a mais de 50 (P. Cuiça, inéd.).
O elevado estado de degradação que se verifica em muitas grutas do Cerro da Cabeça (geralmente as concreções estão partidas e encontra-se lixo no seu interior); o estado ruinoso em que o miradouro e casa abrigo se encontram; o lixo existente em certos locais, a situação intolerável que se verifica com a Gruta da Senhora; assim como a acção da pedreira situada a SE dessa elevação perspectivam a perda de uma das mais pitorescas zonas do carso algarvio.
Porque o Cerro da Cabeça apresenta, entre outros pólos de interesse:
1) Uma geomorfologia cársica expressa de modo excepcional constituindo um megalapiás de características únicas em todo o Algarve;
2) Um grande número de grutas e a ocorrência das formas endocársicas mais profundas da região algarvia;
3) A presença de cavernas com grande interesse zoológico (fauna cavernícola) e colónias de morcegos;
4) A ocorrência de cavidades com vestígios arqueológicos;
5) Um núcleo relativamente bem preservado de chaparral mediterrânico (garrigue);
6) Uma fauna abundante (nomeadamente avifauna e pequenos mamíferos, com ocorrência de espécies relativamente raras;
é urgente que se implementem as necessárias medidas de conservação/prevenção, legislando no sentido de torná-lo uma Área de Paisagem Protegida ou Sítio Classificado.
Cerro da Cabeça @P. Cuiça (2008)

Senhora: in memoriam

Gruta da Senhora: história de uma destruição

[Jornal O Algarve · Ano 87º, nº 4369, 9 a 15/Fev. 1995]

Gruta da Senhora @P. Cuiça (2008)


Ao visitar o Cerro da Cabeça, no passado mês de Setembro [1994], local que conheci em 1982, onde me iniciei na “espeleologia” e a que regresso sempre que tal me é permitido, tive a infelicidade de constatar a destruição irremediável de uma das mais belas grutas aí existentes. Para que se compreenda a gravidade do ocorrido e o processo que levou a tal situação será conveniente efectuar uma breve abordagem do historial da gruta em questão.
A Santa Casa da Misericórdia de Moncarapacho há mais de uma década que se propõe abrir uma gruta ao turismo no Cerro da Cabeça. Segundo o Provedor da Santa Casa da Misericórdia, (…), o “desejo da Misericórdia dispor de uma gruta em condições de ser visitada pelos turistas e que servisse como fonte de receitas para auxiliar a manutenção do seu lar de idosos e outras obras de carácter social” (sic), bem como o facto de os “estrangeiros” procurarem “as grutas do Cerro da Cabeça sem lhe poder dar uma oportunidade de as visitar, o que é pena e em nada nos prestigia” (sic) foram as motivações que levaram à tentativa de abertura de uma gruta ao turismo (in Grutas do Cerro da Cabeça, 1985). Apesar de opiniões contrárias a esse empreendimento (nomeadamente por parte de membros da Sociedade Portuguesa de Espeleologia (SPE), devido, entre outros factores, às pequenas dimensões que as cavernas aí apresentam, a Misericórdia não se demoveu do seu objectivo.
O Grupo de Espeleologia e Arqueologia de Moncarapacho (GEAM), que posteriormente se passou a designar Centro de Estudos Espeleológicos e Arqueológicos do Algarve (CEEAA), na dependência directa da Misericórdia, iria escolher para esse fim uma cavidade, descoberta nos anos 50, localizada na base da vertente sul do Cerro da Cabeça (…). Essa escolha deveu-se ao facto de elementos do CEEAA, após trabalhos de desobstrução, em 1977, terem descoberto nessa cavidade novas galerias de “invulgar beleza” (ibidem) o que fez com que esta se tornasse a gruta de maiores dimensões existente no Cerro da Cabeça e suas imediações. A caverna em causa, devido ao grande interesse que despertou foi baptizada de “Gruta da Senhora em homenagem à benemérita doadora do Cerro da Cabeça à Misericórdia de Moncarapacho, D. Maria Rosa Dias de Mendonça” (ibidem).
Na sequência da descoberta de 1977, “a Misericórdia como medida de prudência mandou encerrar a gruta” (ibidem) por meio de um gradeamento e pediu apoio à Comissão Regional do Turismo do Algarve para a abertura da mesma ao turismo. Perante a ausência de resposta satisfatória por parte da Comissão do Turismo, a Misericórdia resolveu publicar o projecto apresentado àquela instituição para que este não ficasse no “olvídio das gavetas das secretarias de Estado, para mais tratando-se de um trabalho sério” (ibidem). É assim que, em 1985, saiu a público o opúsculo Grutas do Cerro da Cabeça - A Gruta da Senhora, para possível aproveitamento turístico. Na introdução, J. Fernandes Mascarenhas afirmava que “a vontade de quem está à frente da Santa Casa da Misericórdia continue firme e na disposição de abrir a referida gruta na primeira oportunidade, nem que seja recorrendo a uma empresa particular” (sic). Não foi necessário recorrer a empresas privadas.
Com a entrada de Portugal na, então, Comunidade Económica Europeia (CEE) chegou o momento há tanto tempo esperado; o projecto de abertura da Gruta da Senhora ao turismo seguiu os meandros burocráticos e as verbas necessárias foram desbloqueadas via Bruxelas.
O projecto em causa, um trabalho do [então] presidente do CEEAA (…) consistia sinteticamente em:
1) Retirar a camada de “solo”, ou parte dela, existente no interior da gruta de forma a aumentar substancialmente as dimensões da mesma;
2) Espalhar no exterior, sobre toda a área da cavidade, uma camada de argila coberta por outra de cascalho, que “regadas periodicamente” ajudariam “a alimentação hídrica das concreções”;
3) Estabelecimento do percurso turístico com consequentes trabalhos de iluminação, “reactivação de antigas cascatas” e “criação de lagos e repuxos”;
4) Criação de instalações de apoio no exterior (ibidem).
Ao fim ao cabo, tratou-se do projecto apresentado à Comissão Regional do Turismo do Algarve a que se acrescentou a novidade de, a par da abertura da gruta ao turismo, decorrerem cursos de formação profissional. Eureka, ou melhor, Europa… Os trabalhos iniciaram-se com a instalação de uma estrutura metálica (elevador) provida de uma caixa para retirar os depósitos sedimentares do interior da gruta (essencialmente argilas) e espalhá-las no exterior; além disso construíram-se, à superfície, infra-estruturas de apoio. Os trabalhos em curso, no entanto, não passaram desta fase inicial, parando em seguida devido a problemas de diversa ordem.
Pouco depois do encerramento dos trabalhos e face à deficiente qualidade técnica e científica do projecto em causa (…) alertámos para “as consequências da possível abertura da Gruta da Senhora ao turismo” (P. Cuiça, 1988). Com o passar dos anos e perante o imobilismo dos trabalhos voltámos a chamar a atenção para “a situação intolerável que se verifica com a Gruta da Senhora (cujos trabalhos para a sua abertura ao turismo com verbas da CE estão parados e tiveram consequências negativas quer para a cavidade quer para o exterior)” (P. Cuiça, 1993).
Somente no Verão passado tive oportunidade de constatar in loco a extrema gravidade das acções provocadas no interior da Gruta da Senhora; isto porque o gradeamento que fechava a entrada dessa cavidade se encontrava parcialmente destruído (tal como já tinha ocorrido aquando do fecho da gruta após as descobertas de 1977) permitindo a passagem. Só que agora, ao contrário do que se verificava anteriormente, o uso de corda é desnecessário visto a estrutura metálica aí existente funcionar como escada; daí que, perspectiva-se novo período de incursões antrópicas a essa caverna com consequências invariavelmente nefastas.
O interior da Gruta da Senhora está irreconhecível: uma linha bem marcada separa as zonas de paredes subaérea (de cores claras) das que se encontravam enterradas (de cores escuras), sulcos produzidos por objectos metálicos rasgam as paredes em diversos locais, as concreções estão na sua quase totalidade destruídas. Não sendo admissível que pessoas sem preparação específica efectuem sondagens ou remobilizações do “solo” das grutas, com mudança de posição ou recolha de objectos, por estas provocarem a alteração estratigráfica dos materiais aí existentes (P. Cuiça, 1988, 1993) com que direito é que se retirou o preenchimento sedimentar da Gruta da Senhora a balde? A presença em diversas grutas algarvias de jazidas pré-históricas, nomeadamente no Cerro da Cabeça (ex. Abismos, Ladroeiras), aconselharia um procedimento distinto daquele que foi empregue para retirar o preenchimento sedimentar da Gruta da Senhora.
Perante o estado em que se encontra essa caverna, como remediar o irremediável? Cobrir as paredes com um produto que disfarce as óbvias diferenças de cor devidas às dissemelhantes acções de meteorização sofridas pelas zonas enterradas e subaéreas ou voltar a colocar idêntico volume de argilas de maneira a cobrir as zonas que se encontravam enterradas? Colar as estalactites e estalagmites que se encontram partidas?
Uma coisa sabemos, nada voltará a ser como dantes: a Gruta da Senhora, fruto de uma longa evolução, foi gravemente degradada devido a acções antrópicas de duração comparativamente exígua. As instituições que se organizaram na gestão do espaço físico que é a Gruta da Senhora e na exploração dos respectivos recursos, para o turismo, no seu exclusivo interesse imediato (ainda que para fins filantrópicos), procederam à degradação do património natural, destruindo testemunhos ambientais de grande valor e produzindo danos e perdas irreparáveis.
Mesmo que se considere a Gruta da Senhora como sendo “propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Moncarapacho” (in Grutas do Cerro da Cabeça, 1985) isso não iliba o procedimento desta; pois a sociedade (ou seja, todos os indivíduos incluindo as gerações vindouras) têm o direito de usufruir desse vasto condomínio que é a natureza, garante de uma vivência democrática, bem como de promover a prevenção ou cessação dos factores de degradação do ambiente (artº 9º, 65º, 66º, 81 e 91º da Constituição da República Portuguesa). As grutas serão, pois, do domínio público e não passíveis de privatização; a reforçar este ponto de vista e a demonstrar a importância das mesmas, lembremos que se propôs a classificação de todas as grutas, algares, sumidouros e exsurgências do Algarve, ao abrigo do Decreto-Lei nº 613/76 (M. J. Macedo, 1985).

Gruta da Senhora @P. Cuiça (2008)


[ATENÇÃO: A peça em causa pretendeu alertar apenas e tão somente para a destruição que se verificou na Gruta da Senhora, na sequência de tentativa de abertura ao turismo da mesma. Não pretendemos, de todo, atacar pessoalmente quem quer que seja. Aliás, tal como foi dito no primeiro post deste blogue, apenas nos move a divulgação de artigos publicados há alguns anos porque poderão servir como base de reflexão para aquilo que se passa hoje em dia. Se com isso for possível evitar erros do passado, nem que por uma só vez, este blogue já serviu para algo de positivo… Nesse contexto, resolvemos omitir o nome dos visados, mais precisamente do então Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Moncarapacho e do então Presidente do Centro de Estudos Espeleológicos e Arqueológicos do Algarve (CEEAA), ainda para mais quando ambos já faleceram...
Por outro lado, será igualmente importante salientar que o actual Presidente do CEEAA, João Varela, a Direcção do CEEAA e, por maioria de razão, os actuais sócios (entre os quais me incluo), nada têm a ver com as opções tomadas, há anos atrás, aquando da tentativa de abertura da gruta ao turismo.]

05/03/2008

Outro exemplo

Salemas @P. Cuiça (2008)

A Gruta das Salemas abre-se numa bancada de calcários apinhoados, do Cenomaniano superior, que formam uma cornija no flanco esquerdo de uma ribeira da Península de Lisboa. Descoberta na década de 50 do século XX, trata-se de uma galeria sinuosa, com cerca de 30 metros de comprimento e um metro de largura média, que termina numa exígua sala. O chão rochoso apresenta, junto da entrada da cavidade, diversas depressões que se encontravam preenchidas por terra rossa (juntamente com pedras calcárias e basálticas), indústrias pré-históricas (do Paleolítico superior) e ossos de fauna quaternária: ursos (Ursus arctos e Ursus spelaeus), felinos (Felis pardus e Felis pardina), Hiena (Hyaena crocuta spelaea), Lobo (Canis lupus), Cavalo (Equus caballus), etc. A pobreza de utensílios encontrados e as dimensões da cavidade levam a crer que a Gruta das Salemas nunca deve ter funcionado como habitação permanente: inicialmente (no Paleolítico) constituiria um abrigo temporário e mais tarde (no Neolítico) uma necrópole.
Junto da Gruta das Salemas, num algar posto a descoberto pela laboração da pedreira que aí foi instalada, surgiu uma bolsada contendo industria mustierense, restos humanos possivelmente do paleolítico médio e fauna idêntica à da Gruta das Salemas, acrescida de ossos de outros animais. Os ossos de neandertalenses (possivelmente do Paleolítico médio), descobertos no povoado de Salemas, também são de destacar pela sua raridade. Saliente-se, também, que se conhecem monumentos neo-eneolíticos nas imediações de Lousa e Alto da Toupeira.
Já se sabe que a Gruta das Salemas constitui mais um exemplo do abandono em que se encontra grande parte das cavidades do país. Também já se conhece a tradicional e incompreensível apetência de deitar entulho nas suas imediações, apesar dos avisos da edilidade! E também não constitui novidade que a pressão urbanística se tem vindo a acentuar nas últimas décadas. Actualmente a gruta está “entalada” entre a recente auto-estrada e uma estrada mais antiga, paredes-meias com uma pedreira… O que nos espantou foi termos deparado agora com uma profusão de aerogeradores a “embelezar” aquela que já foi uma pitoresca paisagem.
Salemas @P. Cuiça (2008)