15/07/2008

Até ao fundo... IV

Torca del Hoyón (Cantábria) © Pedro Cuiça (2007)

O interesse crescente que a inteligência emocional* tem suscitado, em diversas áreas, revela a importância incontornável da mesma. Os actos reflexos ou inatos merecem uma especial atenção no âmbito das actividades de ar livre, nomeadamente dos designados desportos de aventura ou de risco, entre os quais se inclui a “espeleo”.
Um reflexo é uma sequência estímulo/resposta com vista ao adequado funcionamento biológico, garante da sobrevivência (e da reprodução). Um determinado estímulo - frio, fome ou medo - despoleta uma determinada resposta ou um determinado conjunto de respostas. Para o assunto em causa, interessa-nos particularmente as respostas emocionais reflexas.
As emoções tomam a dianteira em situações limite, nomeadamente de sobrevivência, daí a sua importância capital em contextos out-door. Uma emoção é uma resposta instintiva que tem por fim a autopreservação do indivíduo e/ou da espécie. Aquilo que é necessário saber antes de tudo, por motivos de sobrevivência, é que o que chamamos “emoção” pode actuar de uma maneira muito poderosa e rápida de modo a desencadear um comportamento igualmente poderoso e rápido, suplantando a razão.
A cognição, a razão, o pensamento consciente, são mediados pela linguagem, por imagens e processos lógicos. A emoção refere-se a um conjunto específico de mudanças corporais como reacção à envolvente, ao corpo ou a imagens produzidas pela memória. A cognição é capaz de efectuar cálculos refinados ou distinções abstractas, enquanto que a emoção pode produzir poderosas (re)acções físicas.
Há emoções primárias e secundárias. As primeiras são as com que se nasce, como a reacção de agarrar-se a algo quando se cai ou de permanecer agarrado àquilo a que já se estava antes da queda. Como desgraçar a vida em 7.2 s ou haveria tempo para largar a corda? - é disso um excelente exemplo. Mas o sistema emocional de respostas corporais pode ser condicionado**. Isso implica não só o controlo das emoções, como desenvolver as emoções secundárias apropriadas. O objectivo centra-se em não permitir a apropriação hostil da consciência por parte de determinadas emoções consideradas desadequadas. Isso, em princípio, se se tiver tempo para reagir de forma adequada!...
Para ser mais preciso, é necessário treinar previamente respostas a determinados estímulos e, simultaneamente, desenvolver mecanismos para focar a mente naquilo que é essencial e desfocá-la, afastá-la, de todo o tipo de pensamentos negativos, prejudiciais. “Aunque una emoción fuerte puede interferir con la capacidad racional, la emoción también resulta necesaria tanto para razonar como para aprender. La emoción es al tiempo fuente del éxito y del fracaso al seleccionar la acción correcta en el momento crucial. Para sobrevivir debes desarrollar emociones secundarias que funcionan en un estratégico equilibrio con la razón.
Una manera de estimular dicho proceso es a través del humor.
” É assim que se exprime Laurence Gonzales numa invulgar obra.
Quién vive, quién muere y por qué - El arte y la ciencia de la supervivencia (Desnivel, 2006) [Deep Survival (W. W. Norton & Company, 2003] trata-se, de facto, de um manual de sobrevivência invulgar por abordar essa arte não sob o tradicional ponto de vista técnico, mas de uma perspectiva emocional.
Gonzales revela o papel primordial da componente emocional, entre outros exemplos, através uma reunião de pilotos de caças na qual o líder intervém antes de uma incursão aérea a partir de um porta-aviões. “La reunión no tenia por finalidad impartir conocimientos técnicos. Si esos tipos no los tuvieran ya, no estarían sentados ahí (…) Consistía en un pequeño ritual en el que se recordaba a todo el mundo cómo mirar a la muerte a la cara y seguir con una sonrisa en el rostro. En una auténtica situación de supervivencia, estás, por definición, mirando a la muerte a la cara, y si no eres capaz de encontrar en ello algo gracioso, e incluso maravilloso y hermoso, entrarás de lleno en un mundo de dolor.
Al Siebert, psicólogo y autor de The Survivor Personality (La personalidad superviviente), escribe que los supervivientes “se ríen ante las amenazas… jugar y reír van juntos. Jugar mantiene a la persona en contacto con lo que sucede a su alrededor”. Para tratar con esa realidad, antes debes reconocerla como tal.
Fieles a ese punto de vista, los pilotos (…) rara vez hablaban en serio sobre los riesgos cuando faltaba poco tiempo para el vuelo. En su lugar, hacían chistes sobre ello, pues si te lo tomas demasiado en serio, también te asustarás y, una vez el genio haya salido de su botella, cabalgarás sobre un corcel desbocado. El miedo es bueno. Demasiado miedo, no.

O adequado estado emocional (de ânimo) perante determinadas circunstâncias representa, muitas vezes, a diferença entre sair vivo ou morto de uma situação de sobrevivência. Se é complexo, senão impossível, substituir o reflexo primário de se agarrar em caso de queda pelo seu oposto, já controlar as emoções em processos de instalação gradual, com tempo para “pensar”, é algo perfeitamente possível. E é aqui que o humor, tal como outras variáveis, desempenha um papel fundamental.
Toda ocupación tiene su propia subcultura, desde volar en ala delta y hacer piragüismo de aguas bravas hasta la espeleología o la bicicleta de montaña. Me encanta el particular humor negro propio de estas actividades, esos momentos rituales de homenaje al organismo que nos devuelven a un protector estado de frialdad. Es lo que separa de manera inequívoca a los vivos de los muertos.
(…) He pasado la mayor parte de mi vida trabajando rodeado de personas que se arriesgan a una muerte terrible y que ellos mismos se ponen en bandeja. La ven. Están cerca de ella. Todos ellos tienen amigos que han acabado así. Y todos ellos practican una estrategia para evitarla, una extraña amalgama de superstición, conocimientos, ilusión y confianza. Pero todos parten con la misma maquinaria, el mismo organismo básico que, cuando está amenazado, ya sea en busca de placer, por deber u honor, o por accidente, reacciona de manera predecible. Sólo podrás sobrevivir aprovechando y poniendo en práctica esas reacciones predicables e innatas. No puedes pelear contra ellas, pues ellas son quien tú eres.

Humor. Superstições, conhecimentos, fé e confiança; manter a “cabeça fria” (autocontrolo) e bons reflexos. Acrescentaríamos, ainda, treino e experiência. Uma amalgama de qualidades essenciais a um bom desempenho e, em última instância, à sobrevivência. Algo que no terreno, como mnemónica, se poderá sintetizar em CCR: calma, concentração e rapidez. É fundamental estar num estado emocional adequado (Calma) e devidamente focado (Concentração), para poder atingir um desempenho eficaz (Rapidez), idealmente num estado de flow (aquilo que em psicologia do desporto se entende pela perfeita sincronização de movimentos e que é um dos objectivos do treino mental).
Lo bien que ejercites el control sobre ti mismo decide a menudo el resultado de las situaciones de supervivencia. Sea tomar una decisión en una décima de segundo mientras se hace submarinismo o se salta en paracaídas, sea mantener la cabeza fría cuando uno queda en plena naturaleza, ésa es la cualidad más importante que hay que llevar consigo. Y como cada vez salen más y más novatos a divertirse a la naturaleza, las graves consecuencias que supone perder el control se están volviendo evidentes a la luz del cada vez mayor número de operacionales de búsqueda y rescate que se ponen en marcha para salvarlos o recuperar sus cuerpos.
O terreno de jogo subterrâneo apresenta diversos perigos objectivos (queda de pedras, cheias, etc.), a que se somam outros tantos subjectivos inerentes aos praticantes (frio, fome, fadiga, deficiente técnica, etc.). Os perigos objectivos, no entanto, também influenciam estados emocionais e, nesse sentido, podem induzir o aparecimento de perigos subjectivos. Em última instância, tudo começa por uma avaliação correcta das circunstâncias ou, melhor, de uma reacção adequada às circunstâncias. Uma simples cheia pode deitar tudo a perder dentro de uma gruta e são circunstâncias como essa que exigem decisões racionais e emocionais difíceis, por vezes mesmo, extremas. Não convém esquecer que o factor emocional pode facilmente dominar os acontecimentos, para o bem ou para o mal. Neste jogo tanto se pode ganhar como perder. É, então, que o adágio “errar é humano” atinge um significado especial, profundo.

Torca del Hoyón (Cantábria) © Pedro Cuiça (2007)

[* O termo “inteligência emocional” tornou-se, na década de 1990, tema de vários livros e de diversos debates em programas televisivos, escolas e empresas. O interesse pelos media foi despertado pelo best seller, de Daniel Goleman, Inteligência Emocional (Temas e Debates, 1997). No mesmo ano em que foi publicada, nos Estados Unidos, a edição original (1995), a capa da revista Times (de Outubro) apresentava a seguinte pergunta aos leitores: Qual é o seu QE?
No panorama editorial português podem encontrar-se diversos títulos sobre esta temática. Trabalhar com Inteligência Emocional (Temas e Debates, 1999), também de Daniel Goleman, O Erro de Descartes - Emoção, Razão e Cérebro Humano (Publicações Europa-América, 1995), de António Damásio, ou Música da Consciência - Entre as Neurociências e as Ciências do Sentido (Publicações Europa-América, 2002), de Luís Carmelo, são só alguns exemplos.
** Ivan Petrovich Pavlov, foi um eminente fisiólogo russo premiado com o Nobel da Medicina, em 1904, pelas suas descobertas no domínio dos processos digestivos em animais, mas foi devido ao papel do condicionamento na psicologia comportamental (reflexos condicionados) que se tornou amplamente conhecido.
Na década de 1920, ao estudar a produção de saliva em cães expostos a diversos tipos de estímulos, Pavlov apercebeu-se que a salivação passava a ocorrer face a situações e a estímulos que anteriormente não causavam esse comportamento. Com base nas experiências desenvolvidas, a partir dessa observação, enunciou o mecanismo do condicionamento clássico.
A ideia básica do condicionamento clássico consiste em que algumas respostas comportamentais são reflexos incondicionados, ou seja, são inatas em vez de aprendidas, enquanto que outras são reflexos condicionados, aprendidos através do emparelhamento com situações agradáveis ou desagradáveis simultâneas ou imediatamente posteriores. Através da repetição consistente desses emparelhamentos é possível criar ou remover respostas fisiológicas e psicológicas em seres humanos e animais. Essa descoberta abriu caminho para o desenvolvimento da psicologia comportamental e revelou uma ampla aplicação prática...]


Tonio-Cayuela (Cantábria) © Pedro Cuiça (2007)

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