22/07/2008

Cabeça Natura

Cerro da Cabeça
Um património algarvio

[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 135, 27 de Junho de 1997]

Cerro da Cabeça (Algarve) © Pedro Cuiça (2008)

O Cerro da Cabeça está incluído na proposta de sítios nacionais para a Rede Natura 2000. No terreno, no entanto, a degradação continua.

O Cerro da Cabeça situa-se a cerca de dois quilómetros e meio a nordeste de Moncarapacho (concelho de Olhão, freguesia de Moncarapacho), constituindo a extremidade oriental da Serra de Montefigo.
Nesse cerro, que ascende a 249 metros de altitude, encontra-se o mais espectacular megalapiás do Algarve, onde dominam grandes dorsos de superfícies arredondadas, relevos cónicos e pedunculados, torres, arcos e blocos, distribuindo-se densamente por toda a elevação. As torres e dorsos encontram-se separados por fendas (falhas e diáclases) entulhadas de calhaus angulosos. Surgem igualmente pias de grandes dimensões e corredores ou bogaz.
As pias escavadas no lapiás prolongam-se frequentemente em profundidade (como o Algar Medusa). No Cerro da Cabeça localizam-se as formas endocársicas mais profundas de que se tem conhecimento no carso algarvio: Algar Maxila (mais de 95 m de profundidade), Algar Medusa (74 m), Algar dos 60 m (mais de 70 m).
Consta que o Centro de Estudos Espeleológicos e Arqueológicos do Algarve (CEEAA), extinto há alguns anos e recentemente reactivado pelo arqueólogo David Calado, terá efectuado a inventariação de mais de uma centena de cavidades nesse cerro. Número mítico ou real?
Num texto do séc. XVI já se salienta o grande número de cavidades existentes no Cerro da Cabeça: “a Cabeça de Moncarapacho, que notavelmente se pode ver. Corre este serro de leste a oeste, é de muito rochedo, mui medonho e espantoso, e, a partes, tem rochas talhadas e muito íngremes, d’altura de três e quatro lanças; entre estas rochas tem muitas lapas e covas, a maneira de casas, nas quais moraram antigamente os Mouros ou outras gentes, que antes deles habitavam a terra".
Em 1758, o Padre Manuel Mendes Correia informou a existência de “uma cova chamada abismo”, “outra cova, a que chamam Ladroeira” e ainda uma outra “de fronte desta”. Outro tanto referiram Silva Lopes (1841) e Barbosa de Pinho Leal (1857). Estácio da Veiga (1886) faz referência ao Abysmo, Ladroeira Grande e Ladroeira Pequena. Os irmãos Barros Machado (1948) referem o grande interesse zoológico das grutas Abismo Novo e Algueirão do Garrafão (este último com guano de morcegos). Além disso, referem a existência do Abismo Velho, Ladroeira Grande, L. Pequena e Algueirão da Pechinha (este com localização incerta). Em 1882, Octávio da Veiga Ferreira volta a referir o grande interesse zoológico de Abismo Novo e Algueirão do Garrafão. Este autor aponta também as grutas Abismo e Ladroeiras como tendo fornecido elementos do Calcolítico. Costa Almeida (1979) e J. A. Crispim (1982) referem a existência de cerca de 30 grutas. Actualmente conhecem-se mais de 50 cavidades, entre elas a Gruta da Pedreira, a Gruta Arqueológica, a Gruta da Senhora e a Gruta da Luva.
O elevado estado de degradação que se verifica em muitas grutas do Cerro da Cabeça (geralmente as concreções estão partidas e encontra-se lixo no interior), o estado ruinoso em que o miradouro e a casa abrigo se encontram, o lixo existente em certos locais, a situação intolerável que se verifica na Gruta da Senhora, assim como a acção da pedreira situada a sudoeste dessa elevação perspectivam a perda de uma das mais pitorescas zonas do Carso do Algarve.
O Cerro da Cabeça apresenta, entre outros pólos de interesse: uma geomorfologia cársica expressa de modo excepcional constituindo um megalapiás de características únicas em todo o Algarve; um grande número de grutas e a ocorrência das formas endocársicas mais profundas da região algarvia; a presença de cavernas com grande interesse zoológico (fauna cavernícola) e colónias de morcegos; a ocorrência de cavidades com vestígios arqueológicos; um núcleo relativamente bem preservado de chaparral mediterrânico; uma fauna abundante (nomeadamente avifauna e pequenos mamíferos), com ocorrência de espécies relativamente raras (como a raposa). É urgente que se implementem as necessárias medidas de conservação/preservação, legislando no sentido de torná-lo numa área protegida. Até lá, a prática da “espeleologia”, a caça e, menos significativamente, a prática de bouldering continuam a processar-se sem enquadramento legal e sem vigilância.

Cerro da Cabeça (Algarve) © Pedro Cuiça (digitalização do jornal Forum Ambiente 1997)

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