Conservação precisa-se!
[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 149, 3 de Outubro de 1997]
Gruta do Zambujal (Arrábida) © Francisco Rasteiro (digitalização jornal FA 1997)
O património espeleológico português tem sido vítima da destruição provocada por sucessivas gerações de visitantes. O aproveitamento turístico das cavidades ou o seu uso como vazadouro de resíduos compõem a lista de atentados contra o mundo subterrâneo. A necessitar de legislação que o proteja.
A criação do Sítio Classificado da Gruta do Zambujal (através do Decreto-Lei nº 140/79, de 21 de Maio) foi acolhida com expectativa no meio espeleológico português. Era a primeira cavidade a gozar do estatuto de área protegida no País e pensou-se que, finalmente, as entidades competentes tinham acordado para a necessidade de preservar o endocarso. No entanto, após duas décadas de existência, o sítio classificado continua à espera de um plano de gestão, enquanto sucessivas destruições degradam irreversivelmente aquela que foi considerada a gruta mais bela existente em território nacional. A degradação desse espaço de rara beleza continua, face à inoperância das entidades competentes. Quando forem tomadas as necessárias medidas de conservação talvez seja tarde.
A Gruta do Zambujal não é, infelizmente, um caso isolado. O panorama de degradação e incúria é frequente em todas as regiões onde ocorrem cavernas. A Gruta do Covão do Feto (Maciço Calcário Estremenho) foi seriamente degradada devido à laboração de uma pedreira situada nas imediações. A Gruta do Casal do Papagaio (Maciço Calcário Estremenho) foi destruída durante a tentativa da sua abertura ao turismo, tendo acontecido o mesmo na Gruta da Senhora (Algarve) e Gruta da Avecasta (Ferreira do Zêzere).
A Gruta de Ibne Ammar (Algarve) foi também, na década de 70, alvo das atenções turísticas, mas caiu no esquecimento, tendo-se degradado após a destruição das grades que fechavam as entradas. A Gruta de Colaride I (Agualva Cacém) faz o papel de colector de águas residuais e a poluição no seu interior já é conhecida há décadas. As Grutas de Santo Adrião (Trás-os-Montes), abertas em rochas paleozóicas, estão ao abandono. Os exemplos são inúmeros.
A ausência de legislação específica que salvaguarde o meio cársico, jazidas e ecossistemas faz com que os impactes ambientais ocorram impunemente. Por outro lado, as acções do poder local, por vezes com graves impactes nas grutas, e a incapacidade do Instituto de Conservação da Natureza (ICN), devido à crónica carência de meios, não favorecem a tomada de medidas de conservação. O estudo e protecção das populações de morcegos cavernícolas, levado a cabo por Jorge Palmeirim e Luísa Rodrigues, constituem, neste aspecto, uma meritória excepção.
O meio espeleológico português, por seu turno, também manifesta graves carências de meios e divide-se entre as associações pertencentes à Federação Portuguesa de Espeleologia (FPE) e as delegações da Sociedade Portuguesa de Espeleologia (SPE). Apesar das dificuldades com que se debatem, os espeleólogos têm empreendido um trabalho significativo no que respeita à conservação do meio subterrâneo.
A defesa da Gruta do Zambujal por parte do Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA), as acções da Associação dos Espeleólogos de Sintra (AES) na Gruta de Colaride, Assafora e Carrascal, o Centro de Interpretação e Acolhimento do Cabeço de Pias da Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia (STEA) ou o Centro de Interpretação Subterrâneo do Algar do Penop, criado pelo Parque Natural das Serras d’Aire e Candeeiros (PNSAC), são só alguns exemplos. No entanto, a frequência destas cavernas pelo Homem têm causado inúmeros impactes, não só devido a acções de vandalismo como também devido a simples visitas. Nomeadamente por parte de “espeleólogos”.
Actualmente, torna-se urgente o conhecimento das cavernas em que é necessária uma rápida intervenção conservacionista e, sobretudo, actuar. O controlo, nomeadamente pela administração local, do uso e gestão correctas das cavidades, baseado em legislação específica, seria uma possível medida a implementar. A operacionalidade do ICN seria igualmente de grande importância. O desenvolvimento, divulgação e aplicação de normas legais sobre a conservação constituirá certamente o passo a dar no sentido de obviar a delapidação do mundo subterrâneo.
Olímpio Martins, espeleólogo do PNSAC, defendeu, nas VI Jornadas sobre Ambiente Cársico (1996), a regulamentação da utilização de cavidades através de mecanismos legislativos específicos. Novas concepções metodológicas que poderão passar, a título de exemplo, pela “hierarquização do uso do território espeleológico e definição dos utilizadores”.
Os trabalhos tendentes à concepção de legislação que verse as grutas e carso de Portugal estão a ser desenvolvidos por uma equipa de técnicos do ICN. As medidas de conservação aguardam-se, com carácter de urgência, porque muitas das riquezas do nosso património subterrâneo estão a saque.
No trabalho “A geologia aplicada ao ordenamento do território” (1985), a geóloga Maria Azevedo Macedo pretendeu classificar, ao abrigo do Decreto-Lei nº 613/76, “todas as grutas, algares, sumidouros e exsurgências” do Algarve. Esta medida poderia ser generalizada à totalidade do território nacional e seria certamente um bom ponto de partida para a preservação dos carsos portugueses. Se, a apoiar essa classificação, se desenvolvesse legislação específica acerca do uso e gestão dessas áreas, a conservação do mundo subterrâneo ficaria mais garantida. Até lá, resta esperar que as entidades competentes reconheçam a importância de preservar esse frágil mundo de escuridão e silêncio.
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