Descida à Grande Falha
[Pé-ante-pé ● revista Forum Ambiente nº 49, Junho 1998]
O Cabo Espichel, no extremo ocidental da Arrábida, esconde grutas de grande interesse e beleza. Francisco Rasteiro, do Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA), levou a Forum Ambiente numa visita espeleológica ao interior da Grande Falha.
Cabo Espichel © Francisco Rasteiro (digitalização revista FA 1998)
Estamos no topo do Cabo Espichel, o barbaricum promotorium dos antigos. Francisco Rasteiro, do Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA), monta o rapel que nos irá levar até à base pedregosa da arriba. Cerca de 100 metros de descida, com paragem em dois fraccionamentos. A vertical que nos separa da entrada da Grande Falha.
O NECA visitou a Grande Falha, pela primeira vez, a 30 de Setembro de 1995. Mas já conhecia a sua existência, devido a prospecções, efectuadas de barco, ao longo da costa. A entrada da gruta, voltada a oeste-noroeste, situa-se a escassos metros do mar, mas acima deste. Perto da entrada encontra-se um filão de rocha cinzenta-escura.
A cavidade formou-se ao longo de planos de estratificação, aproveitando pelo menos uma bancada pouco competente. Três juntas de estratificação: a Falha Norte, com 250 metros de desenvolvimento (onde passa o “rio subterrâneo”), a Falha Sul, com 150 metros, e a Falha das Esferas, com 120 metros (situada entre as anteriores e também com água doce). A forte inclinação dos estratos (cerca de 60º para norte) condicionou marcadamente a morfologia da cavidade. As galerias rectilíneas desenvolvem-se sobretudo em altura (mais de 20 metros), sendo a largura, comparativamente, pequena (menos de um metro a quatro metros e meio).
Cabo Espichel © Francisco Rasteiro (digitalização revista FA 1998)
No reino da escuridão
A entrada faz-se pela junta de estratificação setentrional (a designada “Falha Norte”). Um pouco abaixo da abertura da cavidade, no lado esquerdo, um pequeno buraco permite a descida até ao “rio subterrâneo”.
Grande Falha © NECA (digitalização revista FA 1998)
Local onde os espeleólogos continuam a progressão recorrendo a “barcos pneumáticos”, preparados com câmaras-de-ar de pneus de camião. A navegação faz-se ao longo da alta e estreita galeria ao som das pagaias. A água doce e transparente permite visualizar o fundo da galeria, atapetada por argila de cor clara. No tecto, pode observar-se uma colónia de Morcego-de-peluche (Miniopterus schereibersii) e Morcego-pequeno-de-ferradura (Rhinolophus hipposideros). Depois de percorridos cerca de 70 metros, abandonam-se as “bóias” para continuar por entre blocos e argila até ao extremo leste da galeria. O regresso processa-se pelo mesmo trajecto. A exploração da “Galeria das Esferas” obriga a um curto transporte dos barcos improvisados. Pois, tal como a Falha Norte, também se encontra parcialmente preenchida de água. Essa galeria apresenta uma possível continuação que só o mergulho espeleológico poderá explorar.
Cabo Espichel © Francisco Rasteiro (digitalização revista FA 1998)
A Falha Sul não tem ligação conhecida com as galerias anteriores. A fim de descobrir a entrada, terá de sair até ao exterior e contornar a base da arriba, seguindo para poente. Nessa galeria, a água poderá estar presente, mas não exige o uso de barcos pneumáticos. Com características idênticas às da Falha Norte e Falha das Esferas, a Falha Sul, após uma centena de metros, estreita-se impedindo a progressão. O final da visita termina com a subida da empinada arriba. Verá que vale a pena! A interpretação de fenómenos ligados ao carso e a divulgação da espeleologia, enquanto iência-desporto, justificam, só por si, a visita, bem como a criação de um ecomuseu e/ou centro de interpretação espeleológico das grutas do Cabo Espichel.
Cabo Espichel © Francisco Rasteiro (digitalização revista FA 1998)
*****
Razões para visitar
O Cabo Espichel é um dos mais belos promontórios de Portugal. Falésias impressionantes despenham-se alterosas sobre o mar. A Ermida da Memória (século XVI) e a igreja da Senhora do Cabo, ou melhor, de Santa Maria da Pedra da Mua (século XVII) sacralizam o local. Segundo a lenda, a Senhora teria surgido do mar e subido, montada numa mula, até ao planalto. Os pescadores que festejam o evento (pelo menos desde meados do século XIII) observaram uma prova na superfície das rochas. As pegadas da mula a saírem das águas e a dirigirem-se para o alto.
Na realidade, uma pista de dinossáurios impressa nas bancadas jurássicas, que limitam a sul a enseada de Lagosteiros. Na ponta norte da enseada foram também descobertas pistas de saurópodes em rochas cretácicas. As cavernas, que se desenvolvem junto ao mar, e a rica variedade florística constituem outras atracções de destaque. Bem como, os valores tradicionais da região, nomeadamente o queijo de ovelha de Azeitão e os vinhos de mesa e generosos.
*****
O terreno de jogo
A cadeia alpina da Arrábida estende-se desde Setúbal ao Cabo Espichel. Essa cadeia é formada por rochas mesocenozóicas, em geral, dobradas. No Cabo Espichel afloram essencialmente litologias carbonatadas do Jurássico, em estratos fortemente inclinados. São conhecidos também pequenos retalhos, do Quaternário, correspondentes a areias com calhaus rolados e fragmentos de conchas.
O clima é temperado (temperatura média do ar no mês mais frio do ano está compreendida entre 0 a 18ºC, com Verão quente e extenso) e moderadamente chuvoso (500 a 1000 mm/ano). Para além de chuvas e/ou chuviscos, a precipitação também ocorre sob a forma de orvalho, geadas ou granizos, bem como precipitação oculta, neblinas e/ou nevoeiros.
Os perfis dos solos são incipientes, sendo frequentes os solos esqueléticos. Nas fissuras e concavidades dos calcários acumula-se solo húmico e “terra rossa”. São solos neutros, reflectindo as características da rocha mãe. A vegetação varia desde formações pioneiras sobre rocha e litossolos a diversos estágios de garrigue. Os Verões quentes e secos imprimem o carácter estépico da vegetação herbácea e explicam a predominância de arbustos. Os longos estios determinam diversas adaptações xerófitas. Destacam-se igualmente associações florísticas de elevado valor botânico, numa enorme variedade de cores e aromas. A fauna também apresenta uma importante diversidade.
O Cabo Espichel é um biótopo CORINE e a área foi incluída, segundo a Directiva Habitats (92/43/CEE), na lista nacional de “zonas especiais de conservação” (áreas que farão parte da Rede Natura 2000). O Espichel irá fazer parte do Parque Natural da Arrábida (PNA).
A cadeia alpina da Arrábida estende-se desde Setúbal ao Cabo Espichel. Essa cadeia é formada por rochas mesocenozóicas, em geral, dobradas. No Cabo Espichel afloram essencialmente litologias carbonatadas do Jurássico, em estratos fortemente inclinados. São conhecidos também pequenos retalhos, do Quaternário, correspondentes a areias com calhaus rolados e fragmentos de conchas.
O clima é temperado (temperatura média do ar no mês mais frio do ano está compreendida entre 0 a 18ºC, com Verão quente e extenso) e moderadamente chuvoso (500 a 1000 mm/ano). Para além de chuvas e/ou chuviscos, a precipitação também ocorre sob a forma de orvalho, geadas ou granizos, bem como precipitação oculta, neblinas e/ou nevoeiros.
Os perfis dos solos são incipientes, sendo frequentes os solos esqueléticos. Nas fissuras e concavidades dos calcários acumula-se solo húmico e “terra rossa”. São solos neutros, reflectindo as características da rocha mãe. A vegetação varia desde formações pioneiras sobre rocha e litossolos a diversos estágios de garrigue. Os Verões quentes e secos imprimem o carácter estépico da vegetação herbácea e explicam a predominância de arbustos. Os longos estios determinam diversas adaptações xerófitas. Destacam-se igualmente associações florísticas de elevado valor botânico, numa enorme variedade de cores e aromas. A fauna também apresenta uma importante diversidade.
O Cabo Espichel é um biótopo CORINE e a área foi incluída, segundo a Directiva Habitats (92/43/CEE), na lista nacional de “zonas especiais de conservação” (áreas que farão parte da Rede Natura 2000). O Espichel irá fazer parte do Parque Natural da Arrábida (PNA).
6 comentários:
Julgo que o verdadeiro, ancestral e correcto nome desta gruta é "Furna dos Segredos". Qualquer espeleólogo, com um mínimo de formação, sabe que é regra a atribuição do nome pelo qual uma gruta é conhecidas pela população local. É dever de todos repor a verdade. Para além disto o nome de "A Grande Falha" é absolutamente incorrecto do ponto de vista da geologia, e génese da gruta.
Apenas me limitei a utilizar a denominação atribuída pelo NECA! De resto, tens toda a razão no tocante à atribuição do nome a uma gruta. Deve-se respeitar, sem dúvida, a ou as designações tradicionalmente atribuídas e, na sua ausência, o nome do local e, só então, utilizar outro critério.
O texto, no tocante à formação da Grande Falha, refere que a cavidade se desenvolve ao longo de uma junta de estratificação portanto também estamos de acordo no que respeita ao assunto…
Acabo de falar com o Francisco Rasteiro e ele confirma que a cavidade em causa era denominada "Segredos", facto de que só veio a ter conhecimento depois de divulgar a denominação "Grande Falha". Portanto, creio que o assunto esteja explicado.
Como é óbvio, de hoje em diante vou chamar a esta gruta "Furna dos Segredos. Obrigado pelo reparo...
Caro António
Pelo seu comentário com toda a certeza que deve ser espeleólogo conhecedor da cavidade e do enquadramento geológico da mesma, mas parece que tem algum receio de dar a cara na afirmação que faz (cada qual sabe de si…), que na minha perspectiva está correcta. Será mais construtivo, e até mais importante para repor a dita verdade, num próximo comentário deixa-lo assinado e não se esconder atrás de um simples e anónimo António.
Melhores cumprimentos
P.Robalo
Gostaria de deixar claro que todos os comentários são muito bem vindos, independentemente da sua proveniência ou pontos de vista expressos, desde que pugnem pela correcção. Nesse sentido, publicarei todos os comentários enviados, incluindo aqueles que expressem opiniões contrárias às minhas ou ponham em causa qualquer informação por mim prestada. A isso chama-se “liberdade de expressão”. De resto, não alinhamos em "lavagens de roupa suja", insultos ou outras manifestas incorrecções. Toda a gente tem direito a defender a sua opinião, tal como qualquer pessoa tem direito ao seu bom-nome e a ser respeitada.
Nesse contexto, publiquei o comentário do António por me parecer que não só não foi desadequado como, aliás, foi pertinente. Por outro lado, não será suposto conhecer todos os espeleólogos ou interessados pela espeleologia existentes em Portugal e muito menos no estrangeiro. Esse particular é, aliás, perfeitamente irrelevante para a discussão em causa e, nessa lógica até teria publicado o comentário em causa caso fosse anónimo.
É óbvio que prefiro saber quem efectuou determinado comentário, mas penso que tal condição não é necessariamente essencial para que se publique ou deixe de publicar determinada intervenção, nomeadamente se esta for pertinente.
Por último, e também óbvio, reservo-me o direito de publicar o que muito bem entender. Portanto, nesse pressuposto, não se admire quem constar que as suas “bocas” não apareceram...
Ups! Queria dizer "constatar" e escrevi "constar" na última frase do comentário anterior.
Enviar um comentário