01/07/2008

Caverna da Solestreira

Solestreira (Algarve) © Pedro Cuiça (2007)

[A propósito de um comentário sobre as Solestreiras recomendei a leitura do que é dito nas Antiguidades Monumentaes do Algarve (1886), da autoria de Sebastião Phillipes Martins Estácio da Veiga, sobre essas cavernas. O facto prende-se com a tentativa de discernir quais as mudanças que terão ocorrido nessas que são talvez as cavidades mais visitadas no Algarve. Aqui fica então a parte do referido texto que interessa para o assunto em causa (pg. 79-82).]

CAVERNA DA SOLESTREIRA
(…) Estive mui perto da sua entrada n’uma occasião em que não era possivel pernoitar n’alguma das suas referidas freguezias (…) Obtive comtudo umas informações, que me deixaram presumir a possibilidade de se poderem alli encontrar seguros vestigios de antiga habitação.
Descobriu-se haver no interior da caverna um espesso deposito de guano de grande utilidade para as terras cultivadas, proveniente da residencia immemorial que alli hão tido os morcegos; e tendo sido extrahida grande quantidade d’aquella fertilisante substancia, disseram alguns informadores que por vezes se achavam pedaços de louça de barro muito grosseira, que bem mostrava ter alli sido levada por pessoas antigas, que se tivessem refugiado n’aquelle logar em tempos de guerra ou por outros motivos, e que além d’isto havia noticia de já anteriormente se terem achado na caverna da Solestreira, algumas cousas de valor.
(…) Addiciono agora a este artigo, que escrevi em 1883, uma noticia, de todo o ponto importante, que vem inteiramente confirmar as minhas precedentes presumpções com um facto asaz positivo, que prova ter, com effeito, sido utilisada a caverna da Solestreira em tempos prehistoricos.
Encontrei-me em Faro no anno de 1884 com uns distinctos naturalistas inglezes e allemães, sendo um d’elles o dr. Gadow, professor da universidade de Cambridge, a quem communiquei varias noticias respectivas á paleoethologia do Algarve, e, notando que se interessava pelo conhecimento das cavernas, affirmei-lhe a convicção que tinha, havia muito tempo, de que ellas deviam revelar os mais antigos criterios das primeiras raças que viveram na região algarviense, e a proposito citei o facto de terem apparecido na caverna da Solestreira alguns fragmentos de louça antiga sob as espessas camadas de guano alli deixadas pelos morcegos.
Ao que parece, o sr.Gadow ligou alguma importancia a esta informação, e annunciou-me logo que no anno seguinte voltaria ao Algarve para visitar as cavernas, e não faltou, porque em 1885, estando eu ausente, constou-me ter sido procurado por aquelle naturalista, que, não me encontrando, foi fazer um reconhecimento na Solestreira, onde achou um esqueleto humano, contas da chamada calaïte e outros objectos, cujo descobrimento communicou ao eximio naturalista sr. Alfredo Bensaude, a quem sou devedor d’estes obsequiosos esclarecimentos. (…)
Está portanto provado, que a caverna da Solestreira foi utilisada para deposito mortuario, mui provavelmente no periodo neolithico, ou na epocha da transição d’esse periodo para a idade do bronze, em que também apparecem no Algarve as celebres contas de calaïte nos depositos mortuarios, como em seu logar mostrarei.
Estácio da Veiga

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