04/07/2008

Costa Azul I

Nas entranhas do Cabo Espichel

[Texto: Micael Pereira, Fotografia: Francisco Rasteiro · revista Forum Ambiente nº 24, Março 1996]

A ponta do Cabo Espichel é oca. É a descoberta espectacular protagonizada por Francisco Rasteiro, o homem que travou a luta em defesa da Gruta do Zambujal, em Sesimbra, e que agora se arrisca a entrar para a história da espeleologia em Portugal. A reportagem exclusiva da Forum Ambiente.

Grande Falha (Arrábida) © Francisco Rasteiro

É quinta-feira, 11 horas da manhã, conto eu no relógio. Provavelmente só saberei de novo as horas muito tempo mais tarde, quando estiver de regresso. O vento é só quase uma brisa, apesar de estar na ponta do Cabo Espichel e apesar de ser Outono. Já não vinha cá há tanto tempo que não me lembrava de como este sítio é alto. O que são cem metros de altura em teoria ou ditos de boca? Tive um professor que me disse uma vez que isso das noções das distâncias e das medidas, os portugueses estão muito mal servidos, que não há nada como os ingleses, que ao mesmo tempo que aprendem os “dois mais dois igual a quatro” também são educados para a noção das medidas. Em polegadas, claro.
Mas eu não sou inglês. Talvez por isso tenha aceitado tão facilmente o convite de Francisco Rasteiro para uma viagem inédita ao coração do Cabo Espichel, apesar dele ter me avisado sobre os 30 metros de rappel.

Cabo Espichel (Arrábida) © Francisco Rasteiro

Água mole em pedra dura…
O nó na barriga começou logo quando avistei o mar, lá em baixo. O programa para o dia consistia na visita de uma das duas grutas descobertas no Cabo Espichel por Francisco Rasteiro e mais três elementos do recém-criado Núcleo de Espeleologia da Costa Azul. Desperdiçámos os quilómetros de estrada de Sesimbra até ao Cabo em conversas sobre tipos de calcários e indícios de falhas e de algares.
O calcário J-3 (classificação usada nas cartas de geologia), do período Jurássico superior, indica na Arrábida calcários cristalinos, favorecendo a hipótese de encontrar formações de grutas. Depois, com a ajuda preciosa do conhecimento cartográfico das linhas de água e de como elas convergem ou divergem para o mar, é possível perscrutar os locais onde as possibilidades são mais fortes. É que os algares, por exemplo, são formados com a força da água. Que bate levemente durante milhões de anos, mas tanto bate até que fura, originando túneis de rocha bem consolidados.
Francisco Rasteiro passou todo o ano em reconhecimentos exaustivos da Costa Azul. Tanto esmiuçou que fez mais de uma dúzia de descobertas, a maior parte ainda em fase de exploração.
Desde 1988 que Rasteiro faz fotografia. Em 94, surgiu o interesse pela espeleologia, por brincadeira quase. Primeiro, foi a visita que fez à gruta dos morcegos, na Arrábida, em Junho desse ano. Depois, numa noite de Agosto, visitou a gruta da Nossa Senhora do Cabo, no Zambujal. Foi experiência que chegasse para o impressionar, nascendo a partir daí a sua paixão pela actividade.
Ponta do Cabo Espichel. Vestidos a rigor com fato-macaco e cinto a aconchegar-nos a bacia, descemos os primeiros 40 metros inteiramente de mãos livres. Só os pés se mantêm ocupados com as pequenas pedras, que de vez em quando rolam. Ao todo, somos quatro. Rasteiro e Cândido vão à minha frente, como que a apalpar o caminho. Hugo Jorge, com a alcunha de Fininho, vai atrás.

Uma descida inesquecível
O mar está agora mesmo lá em baixo, todo a pique. Contornamos a falésia, a 50 metros de altura do nível do mar. “Isto é fácil, a regra básica é ter sempre três pontos de apoio seguro”, diz-me Francisco Rasteiro, a querer, frustradamente, tranquilizar-me. Alguns metros depois, e chegamos à primeira paragem, uma plataforma rochosa. Na verdade, estamos na Lapa das Pombas, que é o nome que os pescadores da zona dão a este buraco no meio da falésia, com cerca de quatro metros de diâmetro.
Do lado de dentro, deparamo-nos com uma galeria de 50 metros de diâmetro e uma cúpula a outros tantos metros de altura, com o mar a oferecer, na sombra formada pelo tecto de rocha, “bifas” às paredes interiores de calcário. Estamos já na Garganta do Cabo.
Com uma espécie de broca manual, Cândido fixa na rocha dura as buchas (spits) que em princípio vão suportar a corda de rappel e, sobretudo, os nossos pesos. Aproveito para me sentar, na tentativa de parar o tremelique das pernas, enquanto observo aquele ritual do martelo a aflorar apenas a superfície da rocha. A bucha não vai além dos cinco milímetros de perfuração, mas garantem-me que está segura.
O início da descida é uma experiência traumatizante. Lancei-me no vazio, de costas. Mais do que os olhos, os pés, apoiados na parede coberta de terra húmida, guiam-me o caminho. São trinta metros de rappel, com uma mudança de corda pelo meio. O último lance foi o mais difícil. Uma reentrância no lado direito da parede, que tento evitar a todo o custo, leva-me a, inadvertidamente, rodar sobre mim mesmo. As costas batem, sem grande impacto, na parede, e é assim de frente para o precipício, que alcanço o segundo patamar da viagem.
Ainda a vinte metros de altura do mar, que se revolve vigorosamente, o suor já escorre pelas nossas caras. Ficou decidido que almoçaríamos algumas sandes nesta plataforma, na verdade apenas um amontoado de pedras grandes.
Dentro da garganta, a parede do lado esquerdo, para quem olha da entrada da Lapa das Pombas, oferece-nos ainda a luz diurna e esconde duas galerias, apertadas próprias para praticar contorções e lentos rastejares na rocha, tudo à imagem e semelhança que se tem da espeleologia.
Depois de uma sandes de atum e um cigarro a fingir de digestivo, subo, logo a seguir a Francisco Rasteiro, por uma corda onde, de meio em meio metro, há uma argola também de corda que, percebo agora, serve-me como única forma para não me estatelar entre uma “bifa” e as rochas lá em baixo.

Um tesouro subterrâneo
A entrada da primeira galeria, uma falha horizontal a pelo menos trinta metros de altura, é estreita. Entramos deitados. Cândido experimenta a lanterna de halogénio, que mostra dar problemas na ligação à bateria. Esta possui um corpo independente e é levada a tiracolo. Agora, já na segunda sala, a escuridão seria total não fosse a luz do halogénio. Avisam-me que, mais à frente, é preciso subir por um algar, para ter acesso à sala principal. Já se vêem estalactites e excêntricas pelo tecto. No chão, as estalagmites são poucas.
É estafado (mas ao mesmo tempo tranquilo e já habituado ao cheiro a bafio que senti logo no inicio da galeria) que chego com os meus colegas de viagem à maior das salas, ao fim de 20 metros de comprimento, certamente mais se se considerarem os metros gastos nas pequenas subidas rastejadas. Segundo me dizem, este compartimento constitui uma nave lateral, pressupondo uma nave central para lá da fronteira de calcário cristalino. A sala sofre uma inclinação acentuada de mais de 45 graus. Mesmo no topo, na junção da parede com o tecto, as estalactites chegam quase aos 50 centímetros de comprimento. Todo o cuidado é pouco para evitar quebrar uma destas preciosidades.
Mas a surpresa encontrada vai para uma formação que nem na gruta do Zambujal - que os especialistas dizem contar raridades e é considerada das mais importantes da Europa - existe. A formação, que ainda não tem nome, é composta por milhares de pontículos cristalizados e possui uma geometria abaulada. É o grande orgulho do grupo de espeleólogos.

Adeus ao centro da Terra
O caminho de volta é bastante mais fácil, por já o conhecer. Francisco Rasteiro baptizou esta cavidade de Galeria do Vácuo. Uma vez lá dentro, a sensação nos ouvidos é igual àquela que se tem numa viagem de avião.
Foi preciso retomar a tortuosa corda das argolas, desta vez em sentido descendente, para visitar a segunda galeria. Menos impressionante, esta galeria ainda aguarda o processo de fossilização. Sem formações, a argila é a característica mais abundante. Há um algar, sempre a subir, a que ainda não descobriram o fim. A teoria é simples: se há um algar, formado por uma linha de água, há também, segundo dizem os livros, alguma coisa do outro lado, uma passagem anterior que permitiu à água escorrer. Só que o túnel é apertado. Nestas situações, ser magro equivale a tornar-se o batedor-mor. A explicação é evidente: quanto mais magro, melhor, e o Fininho sabe disso.
Dezasseis horas da tarde, ponta do Cabo Espichel. Já refeitos da descida, fato-macaco despido, a conversa acerca-se agora de outras descobertas. Mais de uma dúzia de grutas inéditas ao longo da Costa Azul estão a ser exploradas pela primeira vez por Francisco Rasyeiro e seus colegas, que entretanto formaram o Núcleo de Espeleologia da Costa Azul. Agora, esperam-se alguns apoios por parte das entidades competentes na área.
E, para poder suportar as actividades do Núcleo, Francisco Rasteiro pensa criar passeios de barco pela costa, à mistura com algumas visitas nas grutas mais atractivas. Por aqui, no Cabo Espichel, ficou por visitar a Grande Falha, outra gruta descoberta pelo grupo de espeleólogos. Promessa feita para a próxima viagem. A entrada exterior fica a 110 metros de rappel de distância e eu já gastei a coragem toda que tinha para um dia.

Arrábida © Francisco Rasteiro


O que aconteceu à Gruta do Zambujal?

[Texto: Micael Pereira, Fotografia: Francisco Rasteiro · revista Forum Ambiente Março 1996]

De Agosto a Novembro de 94, não houve semana que passasse sem que a gruta do Zambujal recebesse a visita de Francisco Rasteiro. Foi ele também que trouxe aquele Sítio Classificado novamente à ribalta da comunicação social, se bem que pelos piores motivos. Na altura, a revista Forum Ambiente publicou, em primeira mão, fotografias da gruta da Nossa Senhora do Cabo tiradas pelo recém-espeleólogo, acompanhadas da denúncia de que uma pedreira a lavrar a poucos metros estava a decretar a morte daquela cavidade.
O impacto das explosões de dinamite, constantes numa frente de lavra, punham em sério risco as bonitas e raras formações fossilizadas dispersas pelo interior. A comunidade geóloga deitou mãos à cabeça, a Quercus arregaçou as mangas, o Instituto de Conservação da Natureza, responsável pelo Sítio Classificado, não soube o que fazer, acusado por todos os lados de inoperância e, no meio de tudo isto, veio a lume uma história curiosa. Soube-se que a gruta é propriedade da Sociedade Grutas Nossa Senhora do Cabo SA que, por sua vez, tem como accionistas a Câmara Municipal de Sesimbra e uma empresa de nome Jovigruta, accionista maioritária e propriedade de José Galo, o dono da pedreira em causa.
Quem responde pela Jovigruta é o genro de José Galo. A intenção da Sociedade Grutas Nossa Senhora do Cabo é de explorar a gruta do Zambujal na perspectiva turística, um pouco como acontece nas grutas de Santo António e de Mira d’Aire. Foi feito um projecto em que a gruta se moldaria a um espaço de visita, com corredores e holofotes. Mas, quando um pedido de financiamento europeu na ordem das centenas de milhar de contos foi recusado, o processo ficou suspenso. Bem, não completamente suspenso. Na pedreira de José Galo, a exploração continuou normalmente, a poucos metros da gruta, apesar da consciência plena da importância do património natural ali mesmo ao lado e apesar do estatuto de Sítio Classificado.



Núcleo de Espeleologia da Costa Azul

[Texto: Micael Pereira, Fotografia: Francisco Rasteiro · revista Forum Ambiente Março 1996]

Arrábida © Francisco Rasteiro
O Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA) foi oficialmente criado em 24 de Outubro de 1995. Tem a presidir a Assembleia-Geral o professor Carlos Sirgado, da Faculdade de Letras de Lisboa, e a presidir o Conselho Científico Paulo Marques, da Associação de Espeleólogos de Sintra. A criação do NECA partiu da iniciativa de Francisco Rasteiro e tem por filosofia a “protecção do ambiente, especialmente do ambiente cársico, e o desenvolvimento da espeleologia, à qual se junta uma inevitável componente de desporto”. Segundo Francisco Rasteiro, “o importante é descobrir novas grutas. Depois tudo pode acontecer, só resta cavar na lama”. Do trabalho realizado pelo NECA em pouco mais de um ano resultaram doze descobertas localizadas na região da Arrábida.

Garganta do Cabo
Descoberta em 29 de Agosto de 1995.
Localização: ponta do Cabo Espichel.
Visitada pela Forum Ambiente. A sua descrução vem no texto principal.

Grande Falha
Descoberta em 30 de Setembro de 1995.
Localização: ponta do Cabo Espichel.
Formações: não tem.
A Falha Norte é uma gruta tectonizada e dobrada. Foi preciso primeiro fazer quatro incursões à Garganta do Cabo, para só depois explorar a Grande Falha. Entrada extremamente difícil, com 110 metros de rappel em parede vertical, sobre a rebentação do mar. Esta gruta contém um reservatório de água doce, sem corrente, apesar da grande proximidade do mar. O percurso pelo reservatório é feito num pequeno barco de borracha.
A Grande Falha é, na verdade, constituída por três diferentes falhas: a Falha Norte, com 250 metros de comprimento e 4 metros de profundidade, onde passa o rio subterrâneo, a Falha das Esferas, com 120 metros de comprimento e 6 metros de profundidade, e a Falha Sul, com 150 metros de comprimento.
A entrada da Grande Falha é feita pela Falha do Norte. Os últimos 100 metros desta falha são em blocos de calcário e lama. A altura aqui chega a atingir os 60 metros. No tecto pode-se observar uma colónia de cerca de mil morcegos que os exploradores do Núcleo de Espeleologia da Costa Azul julgam ser das espécies Morcego-de-peluche (Miniopterus schreibersii) e Morcego-pequeno-de-ferradura (Rhinolophus hipposideos). Também colocam a hipótese de haver morcegos da família dos rinolofídeos (Rhinolophidae).
A Falha das Esferas também possui um curso de água. Como o tecto tem uma abóbada a dois ou três metros de altura, donde parte, para cima, uma fenda longitudinal muito estreita. São algumas esferas de calcário do Jurássico superior existentes nesta falha que lhe dão o nome.
A Falha Sul tem já a sua água salobra ou salgada. A sua entrada fica a pouco mais de um metro do nível do mar, anulando-se essa diferença no seu interior.

Lapa das Conchas
Localização: Portinho da Arrábida
Tipo: conduta forçada (já foi um curso de água).
Formações: estalactites, micro-excêntricas, gours (prismas e dentes), medusas, bandeiras, colunas, cascatas.
Situação actual: desobstrução de areias calcificadas. 35 metros de comprimento, 3 metros de altura no máximo.

Lapa das Areias
Localização: Portinho da Arrábida.
Tipo: conduta forçada.
Formações: estalactites, excêntricas.
Situação actual: não se vê continuação. Desobstrução difícil. Possui três camadas diferentes de areia.

Lapa Verde
Localização:
Portinho da Arrábida.
Tipo: falha.
Formações: não tem.
Situação actual: nada mais para desobstruir. Entrada a um metro do nível do mar, 40 metros de comprimento, 4 metros de largura e 3 metros de altura.

Lapa da Estrada
Localização: Serra da Arrábida.
Tipo: falha tectonizada.
Formações: bandeiras e couve-flor.
Situação actual: em exploração. Entrada apertada, 50 metros de comprimento, 2 metros de largura e 20 metros de altura. Gruta com estrutura labiríntica.

Algar das Aranhas
Localização: Serra da Arrábida.
Tipo: algar.
Formações: bandeiras e couve-flor.
Situação actual: desobstrução a decorrer. 50 metros de comprimento e 2 metros de largura.

Gruta do Xico
Localização: Monte Formosinho, Arrábida.
Formações: formações de araguitos (tipo gesso).
Situação actual: a desobstruir, 20 metros de comprimento, algar com 15 metros de profundidade.

Algar de S. João do Deserto
Localização: Serra da Arrábida.
Tipo: algar.
Formações: bandeiras (de 12 metros).
Situação actual: a desobstruir. Algar com 18 metros de profundidade e um metro de largura. Possui dois poços, um com 12c metros e outro com 6 metros de profundidade.

Gruta de Vale Figueira Brava
Localização:
Portinho da Arrábida.
Tipo: falha tectonizada.
Formações: não tem.
Situação actual: a explorar. Entrada com 1.5 metros de largura, 40 metros de comprimento e 70 metros de profundidade.

Algar da Cobra
Localização: Serra do Risco.
Tipo: algar.
Formações: não tem.
Situação actual: a desobstruir. 3 metros de profundidade e um metro de largura.

Lapa do Mosquito
Localização: Ribeiro do Cavalo.
Tipo: diacláse com conduta forçada.
Situação actual: desobstrução a decorrer. 30 metros de comprimento, 7 metros de largura e 3 metros de altura.

Espeleologia e prospecção
Na senda de novas grutas

[Texto: Pedro Cuiça, Fotografia: Francisco Rasteiro · revista Forum Ambiente Março 1996]

A espeleologia, como ciência-desporto que estuda as cavernas, encerra uma componente rara nos dias de hoje: a descoberta. Com efeito, ainda é possível ter a imensa alegria de descobrir novas cavidades, salas inexploradas ou galerias cujo silêncio permaneceu imperturbável.
As grutas são cavidades naturais de dimensões e morfologia variáveis que se formam, geralmente, por acção das águas de escorrência (exceptuando as cavernas vulcânicas), em diversas rochas.
Desde os túneis de lava às grutas de gelo em glaciares de montanha, até às rochas graníticas, existe uma ampla variedade de tipos de cavidades. No entanto, as rochas carbonatadas (calcários, dolomias, etc.) são, por excelência, o meio onde as cavernas expressam o seu maior desenvolvimento, complexidade e abundância.
As características físico-químicas das rochas condicionam os processos erosivos (alteração e transporte) responsáveis pela génese da grande maioria das grutas. A solubilidade do carbonato de cálcio - sob a forma de bicarbonato de cálcio - em presença de águas com dióxido de carbono e/ou ácidos (normalmente orgânicos) em solução é uma propriedade das rochas carbonatadas que explica o relevo peculiar associado a essas litologias: a geomorfologia cársica.
Aqui reside a diferença fundamental entre um calcário relativamente puro (rico em carbonato de cálcio) e um granito ou mesmo um arenito de cimento carbonatado. Em condições favoráveis, a arenização de rochas graníticas, por alteração dos feldspatos (minerais constituintes dessas rochas) poderá originar depressões pseudocársicas (“dolinas” e “uvalas”) e formas lapiares menores (caneluras, escudelas de dissolução, etc.).
No entanto, as rochas cuja meteorização (ou alteração) produz um resíduo sólido considerável apresentam as fracturas colmatadas com tendência para a impermeabilização do terreno e consequente predomínio da escorrência superficial. Pelo contrário, nas rochas carbonatadas, em que os resíduos de descalcificação representam uma pequena quantidade do volume total da rocha dissolvida, ocorre um alargamento das fracturas (diáclases, falhas e/ou juntas de estratificação) com consequente aumento da permeabilidade e drenagem subterrânea (ou criptorreica).
Constatamos que a litologia desempenha um papel primordial quando se procede a uma prospecção de uma determinada região. Assim, os espeleólogos recorrem frequentemente a cartas geológicas (geralmente na escala 1/50 000), a fim de conhecerem as litologias, atitude dos estratos, localização de falhas ou outras informações acerca da região em causa.
O recurso a fotografias aéreas e à estereoscopia, nomeadamente para localizar falhas ou depressões fechadas (dolinas, uvalas, polges) também é de grande utilidade na descoberta de cavernas. A consulta de cartas corográficas ou topográficas (nas escalas 1/25000 ou 1/50000) para a análise das formas do relevo ou toponímia são igualmente de grande interesse. A bibliografia e as populações também poderão fornecer indicações preciosas sobre a localização de grutas.
No maciço da Arrábida, por exemplo, uma campanha de prospecção iniciar-se-ia nos calcários cristalinos do Lusetaneano e/ou nas dolomias cristalinas com intercalações de calcário do Bajociano. Dever-se-ia, também, ter em atenção a rica toponímia da região: Calhau da Cova, Cova da Mijona, Cova da Raposa, Praia da Cova, etc.. Por outro lado, à morfologia cársica sobrepõe-se a morfologia costeira, responsável pela formação de diversas cavernas: Lapa do Bugio, Lapa do Piolho ou da Furada, Lapa do Fumo, etc..
Saliente-se que toda a prospecção pressupõe uma atitude de respeito pelo mundo subterrâneo, pois colocar a primeira pegada numa caverna é um acto de responsabilidade.
Arrábida © Francisco Rasteiro

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