03/07/2008

Zambujal I

Gruta do Zambujal
Porque está a ser destruída?


[revista Forum Ambiente nº 11, Fevereiro 1995 ● Texto: António Martins, Fotografia: Francisco Rasteiro]

Descoberta em 1979, a Gruta do Zambujal foi, na altura, protegida com o estatuto de Sítio Classificado e lentamente votada ao esquecimento. Até que a exploração de uma pedreira começou a pôr em risco um património raro. As inúmeras entidades envolvidas mostram-se preocupadas mas, à falta de medidas, formações calcárias únicas vão desabando e abatendo todos os dias. Agora.

Gruta do Zambujal (Arrábida) © Francisco Rasteiro (1995)


Dezasseis anos após a sua descoberta acidental, a Gruta do Zambujal está em risco de desaparecer. Embora declarada oficialmente Sítio Classificado e detentora de um património geológico de raro interesse científico e estético, a laboração de uma pedreira vizinha ameaça a integridade das formações do seu interior. Neste momento, poucas semanas depois de terem sido tiradas estas fotografias, muitas destas delicadas esculturas naturais já não existem. Será ainda possível salvar a Gruta do Zambujal? Responder a esta pergunta é questionar a indústria de extracção de rocha calcária no complexo da Serra da Arrábida, desde Setúbal ao Cabo Espichel. Nesta zona, os problemas relacionados com a compatibilização desta actividade industrial com a gestão do património natural têm-se vindo a acentuar, particularmente na área do Parque Natural da Arrábida, onde laboram pedreiras cujas concessões de exploração são anteriores à criação da área protegida. Embora não se situando no interior do território do Parque Natural da Arrábida, a Gruta do Zambujal, como Sítio Classificado que é, deu azo, há cerca de dois anos, a uma intervenção do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, quando foi proibida a utilização de detonadores micro-retardados na pedreira vizinha, concessionada ao industrial sesimbrense José Marques Galo. Em causa estavam os danos que as explosões provocadas por este tipo de detonadores causavam no interior da Gruta do Zambujal. Agora, quando a frente de extracção se aproxima do limite entre a área concessionada e o território do Sítio Classificado, a própria laboração com camiões e retro-escavadopras provoca vibrações incomportáveis para a resistência das formações calcárias da Gruta do Zambujal, desaparecendo, cada dia que passa, um valiosíssimo e desconhecido património.
Largas secções do tecto das salas mais superficiais têm abatido nas últimas semanas, alterando a ainda inexplorada topografia interna da gruta e levando, na sua derrocada, estalactites e estalagmites. As frágeis extremidades destas formações encontram-se, na sua maioria, fracturadas e truncadas e, nos locais de maior devastação, é possível ver estalagmites tombadas com mais de dois metros de altura e com um diâmetro de muitos decímetros - fruto de um lento trabalho, gota-a-gota, de várias dezenas de milénios.
Nem sempre foi assim, porém. Ironicamente, a Gruta do Zambujal foi descoberta durante uma exploração mineira, em 1978. Alertadas as autoridades, a concessão foi extinta e a empresa concessionária, a Tecnobrita, foi compensada com um terreno equivalente na Serra da Achada.
Medida similar poderia agora salvar de novo a Gruta do Zambujal, com uma acção conjunta do Instituto Geológico e Mineiro (organismo estatal dependente do Ministério da Indústria e Energia, que atribui as concessões mineiras) e o Instituto de Conservação da Natureza (dependente do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais que coordena a gestão das Áreas Protegidas). São processos morosos, mas a potência das máquinas e a fragilidade da gruta exigem uma acção imediata!
Da parte da população local, há uma consciência generalizada da existência e do valor da Gruta do Zambujal, fomentada talvez pelo seu (apenas imaginado) potencial para o turismo. Após a descoberta, chegou a planear-se um aproveitamento deste género, mas cedo esse projecto foi abandonado, alegadamente por não existirem condições para o efeito pretendido - o que não deixa de ser estranho, uma vez que se trata da maior gruta a sul do Tejo - e de cujo magnífico interior, estas fotografias, se não se agir a tempo, serão um dos últimos testemunhos.

Gruta do Zambujal (Arrábida) © Francisco Rasteiro (1995)

Gruta do Zambujal (Arrábida) © Francisco Rasteiro (1995)

Como se forma uma gruta?

[revista Forum Ambiente nº 11, Fevereiro 1995 ● Texto: Pedro Cuiça, Fotografia: Francisco Rasteiro]

Gruta do Zambujal (Arrábida) © Francisco Rasteiro (1995)

A formação de uma caverna inicia-se com escorrência das águas em regime confinado, isto é, sob pressão. Essa escorrência turbulenta cria formas de erosão mecânica e faz com que as rochas se encontrem polidas. Devido ao continuo alargamento das condutas ou à descida do nível de base, passa-se a regime de escorrência livre, a “céu aberto”, tal como nos cursos de água superficiais, ao longo de um talvegue. As condutas evoluem para secções com formas que evidenciam o encaixe dessas linhas de água nos seus leitos e geralmente registam-se fenómenos de abatimento de partes do tecto das galerias ou salas devido à diminuição de pressão a que ficaram sujeitas.
A génese e evolução de uma caverna poderá ser traduzida, de uma forma simplista, através de um modelo, considerando que esta passa por uma fase juvenil, uma fase de maturidade e uma fase de senilidade (ou fossilização). Na realidade, o que se verifica normalmente é a coexistência dessas fases em carsos* que apresentam um cero grau de evolução. Assim, temos uma zona fóssil, perto da superfície, uma zona semiactiva, a profundidade intermédia, com escorrência em regime livre podendo verificar-se temporadas em regime confinado, e uma zona activa, geralmente a profundidade considerável, onde as condutas se encontram totalmente preenchidas por água.
As concreções existentes em muitas grutas conferem, por vezes, uma rara beleza ao “mundo subterrâneo”; cavernas maravilhosamente ornadas são por isso exploradas para fins turísticos ou contempladas por medidas proteccionistas devido a possuírem um grande interesse geoespeleológico (caso da Gruta do Zambujal).
A água procedente de fissuras, ao atingir a atmosfera das cavidades, liberta parte do dióxido de carbono que transporta, devido à diminuição de pressão, provocando a deposição de carbonato de cálcio. Assim, por um literal fenómeno de gota-a-gota, geram-se as estalactites. A junção de diversas estalactites ou a escorrência ao longo de uma fissura poderão originar bandeiras ou outras formas mais complexas. A queda de gotas no chão de cavidades poderá, por sua vez, originar estalagmites.
As estalactites tubulares apresentam geralmente uma estrutura oca e crescem de cima para baixo, ao contrário das estalagmites que apresentam uma estrutura maciça e crescem em sentido oposto. Da sua junção resultam as colunas ou colunatas.
A escorrência de água, em regime laminar ao longo das paredes, origina a deposição de mantos calcíticos, por vezes com presença de microgours, estruturas esféricas aos cachos, ou pontiagudas, ou de outras formas. A lenta evaporação de águas em gours, ou mesmo lagos, pode fazer com que essas “bacias”funcionem como “cristalizadores”. As paredes e fundo dessas depressões, que secaram totalmente, podem encontrar-se completamente atapetadas por cristais de calcite e/ou de aragonite.
Quando as águas estão sujeitas a uma certa agitação podem-se formar a “pérolas das cavernas”, resultantes do depósito de minúsculas capas de carbonato de cálcio sobre um núcleo preexistente de origem mineral ou orgânica (grão de quartzo, fragmento de osso, etc.). Estas podem ocorrer com variadas formas, mas, como o nome indica, são muitas vezes esféricas, de superfície lisa e brilho porcelanoso. Entre as formas mais espectaculares contam-se as excêntricas, tão preciosamente abundantes na Gruta do Zambujal, cuja génese é controversa, e são relativamente raras.


*Os geógrafos do final do século passado deram o nome de karst a regiões onde a hidrologia subterrânea (hidrogeologia) e os fenómenos de dissolução desempenhavam um papel importante. Esse termo entrou no vocabulário científico a partir da obra Die Karstphänomen de Jovan Cvijic (1893), contudo, e apesar de ser cómoda a existência de um único termo de utilização internacional é de uso generalizado a designação de “carso” como equivalente português.

Gruta do Zambujal (Arrábida) © Francisco Rasteiro (1995)

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