09/07/2008

Gralha-de-bico-vermelho


Espeleologia
Os Algares das gralhas


[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 121, 21 de Março de 1997]

© Marcelo Vigneron (Forum Ambiente, 1997)

A Gralha-de-bico-vermelho é uma ave que apresenta a peculiaridade de esconder os algares das regiões cársicas e/ou fendas e cavernas de arribas para nidificar. A perturbação dos locais pouco acessíveis onde essa ave se encontra colide com a solitude dos seus hábitos.

A Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax erythrorhamphus Veillot) pertence à ordem Passeriformes e à família dos corvídeos (Corvidae). De entre as oito espécies de corvídeos que se encontram em Portugal, a Gralha-de-bico-vermelho distingue-se pelo seu bico vermelho, longo e curvo, característico das aves adultas (os juvenis apresentam o bico amarelo e mais curto), plumagem negra com reflexos azul-esverdeados e patas vermelhas. No nosso país, a Gralha-de-bico-vermelho mede cerca de 38 cm de comprimento no estado adulto.
Os seus locais de alimentação são, regra geral, áreas de substrato herbáceo rasteiro onde escava a terra, vira pequenas pedras e remexe o interior dos excrementos de gado em busca de escaravelhos, gafanhotos, formigas, aranhas, etc.. Embora se alimentem em bando, as gralhas-de-bico-vermelho são geralmente reprodutores solitários, que acasalam para toda a vida. Apenas os indivíduos não reprodutores utilizam os dormitórios comunitários. Os pares costumam nidificar por vezes a grande distância uns dos outros utilizando para o efeito fendas, buracos e cavernas situadas em escarpas ou algares. Quando não existem abrigos naturais, podem igualmente ocupar minas abandonadas ou casas em ruínas.
A Gralha-de-bico-vermelho está condicionada à existência de habitats adequados à sua alimentação e que permitam a sua nidificação. Na Europa, a sua distribuição resume-se a áreas costeiras e montanhosas. Entre 1986 e 1988, o biólogo João Carlos Farinha estimou a população de Gralha-de-bico-vermelho, no nosso País, em cerca de 700 a 800 indivíduos; distribuídos por oito núcleos principais: Peneda-Gerês, Douro-Internacional, Serra da Estrela, Planalto de Idanha-a-Nova, Costa Sudoeste e Serras d’Aire e Candeeiros. Presentemente não se encontram verdadeiras colónias em Portugal, sendo a sua distribuição fragmentada e restrita, embora já tenha sido abundante, nomeadamente, em todo o Maciço Calcário Estremenho.
As serras d’Aire e Candeeiros constituem um dos núcleos principais de nidificação da Gralha-de-bico-vermelho em Portugal. A sua nidificação ocorre predominantemente em algares, onde essas aves desfrutam de um microclima favorável à sua reprodução e encontram protecção contra todo o tipo de perturbações, excepto por parte do Homem. Os algares funcionam como incubadoras naturais onde a temperatura e a humidade relativa se poderão considerar constantes, em torno de valores óptimos. A testemunhar a importância da Gralha-de-bico-vermelho nas serras d’Aire e Candeeiros e a sua relação com os algares temos uma série de cavidades naturais desse tipo com nomes indubitavelmente ligados a essas aves: Algar das Gralhas 1, Algar da Gralhas 3, etc..
Entre as causas que contribuem para o declínio desta espécie conta-se a prática de certas actividades de ar livre, como a “espeleologia” e a escalada, em áreas ocupadas por gralhas.

6 comentários:

Anónimo disse...

Apesar do texto ser de 1997, não posso concordar que a pratica da espeleologia e escalada tenha feito diminuir as populações, esta afirmação é baseada em algum estudo estatístico ou cientifico?Com o reduzido numero de espeleólogos que existem tenho sérias duvidas. Com certeza que existem causas para isso, mas acho que as principais não serão os espeleólogos.

Pedro Cuiça disse...

A Gralha-de-bico-vermelho está condicionada à existência de habitats adequados à sua alimentação e que permitam a sua nidificação. Na Europa, a sua distribuição está restringida a áreas costeiras e montanhosas, nomeadamente cársicas. Nessa área de distribuição a Gralha-de-bico-vermelho encontra-se actualmente fragmentada, o que nem sempre se verificou como se demonstra pela área de ocorrência dos restos fósseis. No último período glaciário esta espécie ocupava a Europa Central e grande parte do Norte de África; no entanto, com a posterior desertificação do Sahara e o aparecimento de florestas na Europa, as populações de Gralha-de-bico-vermelho foram forçadas a refugiarem-se nas montanhas ou a permanecer em falésias marinhas. Portanto, a primeira causa da fragmentação e diminuição das populações de Gralha-de-bico-vermelho deve-se às alterações climáticas pós glaciação würmiana.
As serras d’Aire e Candeeiros são um dos núcleos principais de nidificação da Gralha-de-bico-vermelho em Portugal, apesar de também aí esta espécie ter sofrido um acentuado declínio. A sua nidificação ocorre predominantemente em algares, onde essas aves desfrutam de um microclima favorável à sua reprodução e encontram protecção contra todo o tipo de perturbações, excepto as resultantes da presença do homem. Os trabalhos efectuados pelo biólogo J. Carlos Farinha com o apoio da então Divisão e Quadros do Parque Nacional das Serras d’Aire e Candeeiros na zona em causa, permitiram detectar cerca de 20 ninhos, não devendo a população total ultrapassar em muito a centena de indivíduos. O problema no tocante à conservação da Gralha-de-bico-vermelho na área do PNSAC prende-se precisamente com a pequena população aí existente e o número diminuto de ninhos em algares. Por muito pequeno que seja o número de visitas a esses algares, o impacte daí resultante não deverá ser depreciado.
As causas que têm contribuído para a diminuição das populações desta ave são várias e complexas, no entanto o biólogo João Carlos Farinha enumera cinco que pela sua importância são incontestavelmente determinantes desse decréscimo:
1) A progressiva mecanização do espaço rural com o consequente aumento da área agrícola, utilizando-se para esse efeito terrenos que até então foram exclusivamente para a pastagem do gado.
2) O turismo, com a deslocação sazonal de pessoas, responsável pela perturbação dos locais de reprodução e alimentação da espécie em causa, o que assume partícula gravidade, sobretudo na Costa Sudoeste.
3) O abate de gralhas-de-bico-vermelho por parte dos agricultores.
4) A captura de gralhas-de-bico-vermelho para fins ornamentais, devido essencialmente ao seu elevado desenvolvimento psíquico e rara beleza.
5) A prática de certas actividades de ar livre, como a espeleologia e o montanhismo, em áreas ocupadas pelas gralhas-de-bico-vermelho (locais de nidificação ou dormitórios), o que pode levar ao abandono das posturas pelos casais e forçar a sua deslocação para zonas menos favoráveis.
Pelo que foi exposto, penso que fica claro que as principais causas do declínio das populações de Gralha-de-bico-vermelho não se devem aos espeleólogos, mas que também não se pode dizer que essa actividade esteja isenta de causar impactes negativos. Por outro lado, concordo contigo quando questionas a validade dos resultados apresentados e qual o rigor científico dos mesmos. Tal deve-se à necessidade de quantificar e monitorizar os impactes que se imputam, neste caso, aos espeleólogos. De facto seria interessante quantificar o número de espeleólogos e de curiosos que visitam esses algares.
Por fim, quando se diz que há poucos espeleólogos também seria interessante quantificar essa afirmação. Certamente são bem menos do que em Espanha ou em França, mas a nossa população também é substancialmente menor. Portanto, a questão é: quantos espeleólogos existem realmente em Portugal? Número que será necessariamente inferior à quantidade de pessoas que exploram ou simplesmente visitam grutas. E isso leva-nos à difícil questão de definir quem é espeleólogo e quem, indo a grutas, não o é.

NALGA disse...

Pois é essas estatísticas estão por fazer, e nestes anos todos que tenho visitado grutas, a única que vi com ninho de gralhas foi a manga larga, mas com toda a certeza que há mais. No entanto seguir estas aves é quase tão difícil como seguir os visitadores de grutas. Penso que os espeleólogos estão atentos a estas questões e se quiserem saber o seu número basta criar o pagamento de um censo anual, que por exemplo a FPE ou a SPE cobraria a cada associados. No início de cada ano saberíamos quantos era-mos, só restava saber quantos é que realmente são activos nas grutas. Será assim tão difícil de por em prática. Depois temos todas as associações que estão fora das federações existentes (que na pratica é só uma, a outra é só nos estatutos).
A FPE tem o seguro, mas penso que não é a melhor solução pois existem muitos espeleólogos que vão pouco as grutas, apesar de fazerem muito trabalho ligado a elas, como tal preferem fazer um seguro avulso em vez de pagarem anualmente. Assim é difícil de saber quantos associados tens, para mim o associado é aquele que paga a sua cota, a não ser que seja honorifico ou coisa do género, continuamos a ter associações com centenas de sócios que na pratica são uma dezena ou menos.
Um abraço

Pedro Cuiça disse...

O que dizes, pelo que entendi, é que existem mais espeleólogos ligados à federação do que aqueles que têm seguro! Desta forma não admira que os espeleólogos sejam poucos, pudera.
Um cartãozinho de sócio, nos clubes, e uma licença desportiva, na federação, renovados anualmente, se calhar até resolveriam a questão das estatísticas, não é?
Mas isso é assunto que me ultrapassa porque não pertenço a nenhuma direcção de clube e muito menos da federação... De qualquer modo, da minha parte a questão resolvida está: faço parte de outras estatísticas ao estar federado no estrangeiro. E não é por ter nada contra a federação portuguesa, bem pelo contrário, é pelo simples facto de não poder federar-me, após 28 anos de espeleologia,na federação do meu país. Mas na boa, o que me preocupa realmente são as gralhas.
Grande Abraço

Anónimo disse...

Fiquei surpreendido (ou não) por não te poderes federar, estou à pouco tempo na federação mas tenho a ideia que esta nova equipa está a trabalhar para limar as arestas que ainda existem nessa e noutras áreas. Os processos democráticos demoram sempre muito tempo, e é preciso que todos estejamos a caminhar no mesmo sentido, pelo menos nas linhas gerais.
Abraço

Pedro Cuiça disse...

Depois desta troca de comentários, contactei o biólogo João Carlos Farinha para tentar perceber qual a evolução das populações de Gralha-de-bico-vermelho em Portugal, desde 1997 (data em que foi publicado o artigo) até hoje. Este remeteu uma eventual resposta para o prof. Paulo Barros, da Universidade de Trás-os-Montes e do Projecto Bico-vermelho (cujo link se encontra no Ambiente/Conservação do Spelaion).
O prof. Paulo Barros confirmou a “diminuição substancial das populações de Gralha-de-bico-vermelho no norte do país”, área sobre a qual incidem os estudos do projecto Bico-vermelho. No entanto, não nos foi possível esclarecer o que se tem passado, ao longo destes últimos 21 anos, no Parque Natural da Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC).
Para esclarecer a situação no que concerne ao PNSAC foi-me indicado o contacto de uma pessoa que optou pelo anonimato e que confirmou, igualmente, a diminuição da população de gralhas-de-bico-vermelho, mas menos significativa do que o decréscimo verificado nas áreas situadas mais a norte do País. No tocante, à ocupação de algares por parte das gralhas não foi possível obter dados objectivos sobre a matéria. No entanto, e tendo em conta a situação geral de diminuição, não será difícil inferir que essa tendência também se tenha reflectido a esse nível. No tocante às causas responsáveis pela diminuição das populações torna-se evidente que a incursão a algares, apesar de poder ter algum impacte, não é de todo a principal razão para o fenómeno de diminuição das populações.