23/10/2008

Vulcano-espeleologia (VII)

Gruta do Carvão
Classificação adiada

[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 210, 4 de Dezembro de 1998]

Os Amigos dos Açores pretendem que a Gruta do Carvão seja classificada como Monumento Natural Regional. Mas a classificação tarda, inviabilizando a sua conveniente conservação. Os espeleólogos micaelenses, no entanto, prometem não baixar os braços.

© Amigos dos Açores

A Gruta do Carvão, situada no Complexo Vulcânico dos Picos (na zona poente de Ponta Delgada), é o maior túnel lávico da ilha de S. Miguel (Açores). Actualmente, conhecem-se dois troços distintos, com uma extensão total de cerca de um quilómetro, uma altura máxima de cinco a seis metros e uma largura que ultrapassa os 12 metros. Do tecto pendem numerosas estalactites de lava e as paredes apresentam-se estriadas e ladeadas por longos balcões, surgindo galerias ramificadas e canais sobrepostos.
Não admira que o Grupo de Trabalho de Espeleologia dos Amigos dos Açores (criado em 1991) se tenha envolvido, desde logo, no estudo e apresentação de propostas de conservação dessa gruta (ver jornal Forum Ambiente nº 153, de 31 de Outubro de 1997). O grande interesse suscitado por essa cavidade mereceu inclusivamente a edição de opúsculo intitulado “Proposta de Intervenção Museológica na Gruta do Carvão, Ilha de S. Miguel”, um trabalho de J. P. Constância, J. C. Nunes e T. Braga, editado pelos Amigos dos Açores (1997). No entanto, a tão esperada classificação tarda em ocorrer.

Musealizar para conservar
Os Amigos dos Açores consideram que “a musealização de sítios pode constituir um poderoso instrumento de intervenção sobre o património natural”. Mas não esquecem que o processo de musealização deve conciliar-se com a conservação da natureza. A associação defende assim que a abertura da Gruta do Carvão ao público deve basear-se num programa museológico, mas sem qualquer intervenção museográfica no seu intrior. Para a prossecução destes objectivos, será essencial a classificação da cavidade.
A classificação da Gruta do Carvão afigura-se de primordial importância, pois a conservação da mesma depende do estatuto jurídico que lhe for imputado. Nesse sentido, foi proposta a classificação como Monumento Natural Regional ao abrigo do Decreto Legislativo Regional nº 21/93/A (que aplica, nos Açores, o regime jurídico estabelecido na Rede Nacional de Áreas Protegidas). Os espeleólogos micaelenses julgam igualmente fundamental a criação de um espaço exterior para exposições - um centro de interpretação vulcanológico onde se inicie a visita e que esteja vocacionado para a realização de acções de dinamização pedagógica, ocupação dos tempos livres ou outras.
As potencialidades da Gruta do Carvão podem ser repartidas em aspectos científicos, didácticos e turísticos, sendo reconhecida a sua importância na interpretação de fenómenos vulcânicos. Um excelente cenário para a dinamização de visitas de estudo e de acções de educação ambiental.
Os Amigos dos Açores destacam que “deverá ser dada especial atenção às escolas, articulando as visitas com os programas ecolares”. Apesar de se desejar que as actividades venham a tornar-se instrumentos didácticos ao serviço das escolas, espera-se igualmente a aderência da comunidade em geral.

Classificação aguarda-se
Em Outubro de 1997, os Amigos dos Açores apresentaram à Secretaria Regional da Agricultura, Pescas e Ambiente, a “Proposta de Classificação da Gruta do Carvão como Monumento Natural Regional”, proposta que foi transmitida, nomeadamente, ao Presidente da Assembleia Legislativa Regional, ao Presidente do Governo Regional, à Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais e à Câmara Municipal de Ponta Delgada.
Os Amigos dos Açores, em Fevereiro de 1998, realizaram uma visita de trabalho ao troço da Rua de Lisboa, com a Directora Regional do Ambiente, o Director Regional do Turismo e um responsável da junta de Feguesia de S. José. Essa incursão no “mundo da escuridão” serviu para verificar in loco as razões que levaram a encetar esforços no sentido da recuperação edinamização museológica da Gruta do Carvão, bem como para solicitar a sua classificação.
O Conselho de Governo, reunido na Madalena (ilha do Pico), a 5 de Junho de 1998, viria a aprovar a resolução nº 149/98, no âmbito da qual foi manifestada a intenção de proceder à classificação de algumas grutas vulcânicas dos Açores. Para efeito, foi criado um grupo de trabalho composto por diversas entidades públicas, associações espeleológicas e/ou de defesa do ambiente dos Açores. No entanto, passados vários meses, não houve qualquer indício do dito grupo de trabalho ter sido formalmente constituído ou de estar a trabalhar nos objectivos para os quais foi criado, situação que os Amigos dos Açores estranharam, nomeadamente por não terem sido contactados para integrarem o grupo. Sendo a única associação que, em S. Miguel. Tem trabalhado de modo contínuo e com provas dadas no estudo e divulgação das cavernas vulcânicas, existentes na ilha, não seria para menos.
O aparente desinteresse face à urgente classificação da Gruta do Carvão é tanto mais grave quando está prevista a urbanização da zona adjacente à cavidade. E a conveniente conservação da gruta só será viável mediante um mecanismo legal que proteja esse georrecurso cultural. Até lá, restam as boas intenções por parte de diversas entidades, nomeadamente da Câmara Municipal de Ponta Delgada.
Independentemente da evolução do processo, os Amigos dos Açores prometem que “não deixarão de pugnar pela classificação jurídica da Gruta do Carvão e continuarão a realizar trabalho que permita conhecer ainda melhor esta cavidade subterrânea da ilha de S. Miguel”.


Geomonumento a reconhecer
A Gruta do Carvão é a cavidade mais conhecida da ilha de S. Miguel. No século XVI foi descrita por Gaspar Frutuoso na sua obra “Saudades da Terra”. John White Webster (1821) referiu a existência de uma gruta na área dos Arrifes, correspondente ao prolongamento para montante (actualmente inacessível) da Gruta do Carvão. George Hartung (1860) descreveu o interior da gruta e Ernesto do Canto (1881) designou-a “a Gruta da Rua Formosa”. Walter Frederic Walker (1886) referiu o prolongamento da gruta para norte de Ponta Delgada e descreveu algumas estruturas existentes no interior da mesma (“vêm-se agulhas de lava”). Emygdio da Silva (1893) indicou a Gruta do Carvão como sendo “o mais notável dos túneis vulcânicos dos Açores”. Notabilidade que aguarada ainda o devido reconhecimento.
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