Um algar classificado
[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 164, 16 de Janeiro de 1998]
© Os Montanheiros
A espeleologia açoriana não se pode dissociar do Algar do Carvão. A história de Os Montanheiros desenvolveu-se a par das iniciativas empreendidas nessa cavidade. A única gruta classificada no Arquipélago dos Açores, que aguarda a protecção das suas congéneres.
A vulcano-espeleologia surgiu, no arquipélago dos Açores, em finais do século passado e encontra-se profundamente ligada ao Algar do Carvão. Situado na ilha Terceira, este algar começou a ser explorado a 26 de Janeiro de 1893. A prospecção foi empreendida, entre outros, por Cândido Corvelo e José Luís Sequeira. Em 1934, Didier Couto efectuou a segunda descida e elaborou o primeiro esboço (perfil) da cavidade. A primeira topografia do Algar do Carvão é da autoria de Montserrat e Romero (1983). O algar foi descido pela Sociedade de Exploração Espeleológica Os Montanheiros em Agosto de 1963 (ano da sua fundação). Américo de Lemos Silveira, fundador de Os Montanheiros, dirigiu as operações, que envolveram numerosos participantes.
As obras de abertura de um túnel de acesso à gruta processaram-se de 28 de Maio de 1965 a 28 de Novembro de 1966. A entrada e a primeira escadaria no interior da cavidade foram edificadas em 1968. Nesse mesmo ano, a 1 de Dezembro, verificou-se a abertura ao público. Na década de 70 foi instalada luz eléctrica (1970), construída a actual escadaria (1977) e a casa-abrigo (1978). Os anos 80 viram o reconhecimento do valor da cavidade, com a sua classificação (1987) e a inauguração da nova instalação eléctrica (1988).
O Algar do Carvão foi classificado como Reserva Natural Geológica pelo Decreto Legislativo Regional nº 13/87/A. Dentro da área da reserva, definida pela linha que dista 100 metros da base dos cones que suportam o algar, são proibidas, sob pena de multa, quaisquer alterações no terreno, fauna ou vegetação.
Um geomonumento
O Algar do Carvão situa-se no interior da Ilha Terceira, perto do pico do mesmo nome (639 m), na Caldeira de Guilherme Moniz, a cerca de 1300 metros do Tentadero de Sto. Antão e a 14 quilómetros de Angra do Heroísmo. A melhor forma de chegar a essa “jóia da espeleologia açoriana” é através do ramal da ER5-2ª. Existe uma placa na estrada indicando a localização da cavidade.
O Algar do Carvão está associado ao Complexo Vulcânico do Pico alto, correspondendo a uma chaminé vulcânica e desenvolvendo-se sob dois cones de escórias (bagacina). Estes cones de piróclastos assentam sobre rochas compactas, de natureza andesítica a traquítica, ricas em sílica. O algar é constituído por um troço subvertical de 45 metros de altura e dá acesso a três salas de dimensões consideráveis. Na zona mais interior, a cerca de 90 metros de profundidade, encontra-se um pequeno lago, alimentado pelas águas de infiltração.
Segundo Os Montanheiros, as águas de precipitação que se infiltram facilmente através das escórias não consolidadas do cone vulcânico, ao penetrarem nas rochas compactas e muito fissuradas, de composição andesítica a traquítica, adquirem uma progressão mais lenta favorecendo a dissolução de sílica. Deste modo, depositaram-se, ao longo das fracturas, diversas estalactites de sílica. De facto, o tecto e as paredes da abóbada central estão decoradas por inúmeras estalactites, algumas de grandes dimensões, e no chão desenvolvem-se estalagmites maciças e dispersas que não apresentam grande altura. As paredes da sala mais interior estão recobertas de estalactites de lava e obsidiana (ou vidro vulcânico). Esta rocha que se caracteriza por arrefecimento rápido da lava é extremamente rara no interior das grutas.
Devido à entrada de luz natural, as paredes da chaminé, encontram-se revestidas por povoamentos vegetais, surgindo desde espécies arbóreo-arbustivas, a fetos, musgos, líquenes e algas, nas zonas mais profundas.
Rosalina Gabriel, do Departamento da Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, efectuou da distribuição das comunidades vegetais do Algar do Carvão. O facto de não haver zona afótica nesta cavidade faz com que em toda a sua área surja flora mais ou menos desenvolvida. No primeiro troço da chaminé, as comunidades correspondem a uma extensão da vegetação potencial, a floresta húmida macaronésica. Ai dominam as espécies arborescentes como o Azevinho (Ilex perado), a Urze (Erica azorica) e o Loureiro (Laurus azorica). Segue-se outra zona onde os povoamentos se assemelham aos estratos herbáceos da floresta húmida açoriana. Nessa zona destacam-se as pteridófitas e, abaixo, ocorrem extensos povoados de briófitas. Na base do algar predominam as algas verdes. Saliente-se que o algar apresenta também fauna cavernícola.
O Algar do Carvão encontra-se aberto ao público. Para o visitar basta contactar Os Montanheiros. Uma forma de descobrir as belezas encerradas nas grutas vulcânicas e aperceber-se da importância da sua conservação.
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