14/10/2008

Vulcano-espeleologia (III)

Grutas dos Açores
Classificar para proteger


[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 163, 9 de Janeiro de 1998]

O arquipélago dos Açores está a crescer. Todos os anos são descobertas novas galerias e salas subterrâneas. Mas a protecção das grutas e algares não tem acompanhado o ritmo dos espeleólogos, que reivindicam a protecção de todas as cavidades. Conservação do património vulcano-espeleológico, para que não se repitam os erros do passado.

© Os Montanheiros

Os Montanheiros - Sociedade de Exploração Espeleológica, fundada em 1 de Dezembro de 1963 na Ilha Terceira, é a mais antiga associação açoriana a dedicar-se ao estudo das grutas e algares do arquipélago. Para além desta sociedade, existe ainda a Secção de Espeleologia dos Amigos dos Açores (na Ilha de S. Miguel) e o GEADA (na Ilha do Pico).
No periodo de 1963 a 1987, a actividade de Os Montanheiros foi sobretudo de carácter recreativo. No entanto, muitos dos trabalhos efectuados (Mottet, 1974; Halliday, 1980, 1981; Montserrat e Romero, 1983; etc.) contaram com o apoio dessa associação espeleológica. Nos últimos anos, porém, Os Montanheiros organizaram e participaram em diversas expedições nas ilhas do Pico, Faial, Flores, Graciosa, São Jorge, São Miguel e Santa Maria, tendo ido exploradas e topografadas mais de 10 mil metros de túneis de lava e 400 metros de algares.
A importância do património vulcano-espeleológico, nomeadamente o seu interesse científico, foi reconhecido pelos espeleólogos. A constatação da progressiva destruição das riquezas subterrâneas da região autónoma levou a que estes desenvolvessem iniciativas com vista à protecção desses valores únicos. Nesse sentido, é de salientar a iniciativa de P. Borges, A. Silva e F. Pereira que defenderam, no sexto Simpósio Internacional de Vulcanoespeleologia (1991), a protecção de todos os túneis lávicos e algares dos Açores. No entanto, até hoje apenas o Algar do Carvão (na Ilha Terceira) se encontra classificado por lei. Das restantes cavidades apenas se conhece um número reduzido (cerca de seis) que são protegidas pelos proprietários dos terrenos.

Um património de valor incalculável
Como já foi notado por Holliday (1981), os Açores apresentam um particular interesse vulcano-espeleológico. Aí encontram-se chaminés vulcânicas de grande espectacularidade (Algar do Carvão, Algar do Cabeço Bravo, Algar do Tambor, Furna Ruim ou Algar do Montoso) e tubos de lava de dimensões consideráveis (Balcões, Chocolate, Queimada, Agulhas, Torres, Montanheiros, Frei Matias ou Soldão).
O estudo dessas cavidades (génese, geomorfologia, etc.), bem como da geologia das áreas onde ocorrem, revela-se bastante gratificante. Sobretudo quando ainda resta tanto por descobrir. A classificação das cavidades geologicamente mais importantes será um passo importante para a conservação desses geomonumentos subterrâneos.
Infortunadamente, algumas grutas (Furna do Cabrito ou Furna d’Água) foram fechadas e modificadas pelo Governo Regional, para aproveitamento e protecção de mananciais. Outras, como a bonita Gruta do Camelo (na Terceira), encontram-se totalmente destruídas pelo mesmo motivo.
Por outro lado, as cavernas proporcionam um meio ideal para o desenvolvimento de uma fauna específica. Aí surgem espécies endémicas que devem ser preservadas a todo o custo. Se o habitat for perturbado, as espécies cavernícolas poderão extinguir-se. Por exemplo, o Trechus montanheirorum Oromí e Borges vive somente junto da entrada da Gruta dos Montanheiros (no Pico). As cavidades com fauna cavernícola devem, pois, ser salvaguardadas de quaisquer impactes, nomeadamente incursões antrópicas.
Entre as cavernas açorianas de interesse zoológico salientam-se, além da Gruta dos Montanheiros, a Furna Ruim, Anelares e Cabeço do Canto (Faial), Gruta do Soldão, Henrique Maciel, Capucha, Arcos e Esqueletos (no Pico), Algar das Bocas do Fogo e Beira (em São Jorge), Gruta dos Balcões, Agulhas, Madre de Deus e Algar do Carvão (na Terceira) e Gruta do Esqueleto e Água de Pau (em São Miguel).
Além do interesse científico e patrimonial, as grutas e algares poderão e devem ser utilizados para acções de interpretação do meio subterrâneo e sensibilização para a sua conservação. O aproveitamento turístico de certas cavidades (como o Algar do Carvão) revela-se igualmente de grande interesse, com benefícios evidentes no desenvolvimento da economia local. Aliás, os espeleólogos verificaram que, por vezes, é possível compatibilizar as actividades de índole turística com a conservação.

Longe da vista, longe do coração
Muitos túneis de lava existentes na Terceira (e também em outras ilhas) são visitados por turistas e população em geral. Segundo os espeleólogos, essas visitas serão positivas, pois as grutas merecem ser visitadas, não fosse os impactes que se verificam. Encontra-se grande quantidade de lixo nas cavidades mais frequentadas, como sejam as grutas do Natal, Balcões e Agulhas (Terceira). Os Montanheiros, no início dos anos 90, limparam as grutas do Natal e das Agulhas e, desde então, têm zelado pela conservação dessas cavidades. Mas os atentados ao património espeleológico continuam a verificar-se noutros locais.
O costume de fazer das grutas e algares vazadouros de lixo é infelizmente prática corrente nos Açores (e não só). Tal como nos carsos do Continente, onde essa prática tem originado problemas de poluição dos aquíferos, nos Açores o lema “longe da vista, longe do coração” parece ser de aplicação geral. Ainda prevalece o hábito de deitar animais mortos para as cavidades, como acontece na Gruta do Galeão, assim como lixos de natureza vária e entulhos, como se verifica na Gruta do Galeão, Gruta do Carvão ou Gruta da Merda.
A conservação das grutas dos Açores torna-se cada vez mais premente. Os espeleólogos defendem a classificação de todas as cavidades. Mas, na impossibilidade de tal acontecer, afirmam que é urgente a determinação das cavernas em que é prioritário actuar nesse sentido. A inventariação das cavernas do arquipélago, efectuada pelos espeleólogos açorianos, revela-se pois o instrumento de trabalho essencial para defesa do património subterrâneo da região.



As 112 cavidades

No anterior FORA DE PORTAS (jornal Forum Ambiente nº 162, de 2/Jan. 98) foi referido que P. Borges, A. Silva e F. Pereira (1991) indicaram perto de uma centena de cavidades nos Açores. Na realidade ultrapassaram esse número, indicaram 112 (88 grutas e 24 algares). Pelo lapso, as nossas desculpas.

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