Descentralizar e conservar
[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 207, 13 de Novembro de 1998]
A regionalização foi peremptoriamente rejeitada pelos portugueses. Espera-se agora que avance a descentralização. Em termos de conservação, a questão que subsiste prende-se com os resultados concretos no terreno. Vamos apostar no “desordenamento” do território ou avançar para um ordenamento efectivo? O Carso do Algarve é exemplo de reflexão.
Gruta da Senhora (Algarve) @ P. Cuiça (2008)
Os portugueses decidiram dar um “não” à regionalização. Face aos resultados, o projecto das regiões dificilmente irá avançar nos próximos anos. Contudo, a eventualidade da criação de regiões-piloto não foi posta de parte, nomeadamente no Alentejo (onde o “sim” saiu vitorioso) e no Algarve (onde o “não” constituiu uma surpresa). A alternativa das regiões-piloto levanta, no entanto, diversos problemas, pois será preciso contornar o expressivo “não” a nível nacional.
O debate que antecedeu o referendo evidenciou as assimetrias regionais e a burocracia existente no país. Espera-se agora que, após o “chumbo” da regionalização, se incremente a descentralização. A questão que subsiste prende-se com os resultados concretos no terreno. Como resolver as assimetrias e a burocracia? Como conciliar desenvolvimento e conservação da natureza? Vamos apostar no desordenamento do território ou avançar para um ordenamento efectivo? O Carso do Algarve constitui um excelente exemplo de reflexão.
Antes, durante e depois
O Algarve atravessou um rápido desenvolvimento urbano e agrícola, a partir da década de 60, guiado e implementado pela indústria turística e incrementado pela entrada na Comunidade Europeia, que teve como consequência uma degradação ambiental e paisagística que, afectando sobretudo o Litoral, também atingiu o Barrocal. Os problemas relacionados com o Litoral algarvio são amplamente conhecidos. Mas a crescente pressão sobre o Barrocal, não sendo um dado novo, está longe de ser questionada. O alerta para a importância das grutas algarvias remonta ao século passado (Estácio da Veiga, 1886), mas o património espeleológico da região tem sido votado ao ostracismo. A degradação do carso subterrâneo tem-se processado perante a inoperância ou desinteresse das entidades responsáveis, tal como acontece com o carso superficial. A urbanização das colinas calcárias (que começou a ter expressão significativa na década de 90) tem aumentado a “olhos vistos”, provocando a adulteração da beleza natural do Barrocal. Existem diversas casas nas linhas de cumeada e nas vertentes, o lixo e entulho marcam presença e aquilo que era campo começa a transformar-se em área suburbana. Vejam-se os cerros da Goldra (288 m) ou Nexe (360 m). As casas cercam S. Miguel (410 m), Bita (119 m) ou Guilhim (313 m) e aproximam-se da vertente nordeste do Cerro da Cabeça. Os exemplos são diversos.
O grande desenvolvimento da rede viária, de que a Via do Infante e acessos serão o exemplo mais expressivo, também contribuíram para a degradação e adulteração do Barrocal. O impacte sobre o Algar dos Amendoais constitui um caso encoberto (porque subterrâneo) da influência das vias de comunicação sobre o meio. A acção das pedreiras sobre a paisagem e afloramentos, apesar de pontual, também é questionável.
Não se questionando as transformações do meio, inerentes à própria evolução das populações, reconhece-se, no entanto, a necessidade de implementar um desenvolvimento sustentado que não descure as componentes social, ambiental e cultural, devendo-se optar pela preservação in situ de monumentos naturais, como defende A. M. Galopim de Carvalho do Museu Nacional de História Natural.
Resta agora aguardar que a descentralização resolva os problemas apontados. As autarquias, no entanto, terão e apresentar uma postura diferente da que têm tido até ao presente. A defesa do meio ambiente é urgente e não se compadece com os erros do passado.
Degradação do Barrocal
Gruta da Senhora (Algarve) @ P. Cuiça (2008)
O Barrocal algarvio apresenta uma rede de drenagem pouco desenvolvida, escassos cursos de água de caudal permanente e a ocorrência de perdas (sumidouros) e ganhos (exsurgências). A importância da drenagem subterrânea em detrimento da drenagem superficial, associada a uma geomofologia peculiar, permite definir o Carso do Algarve como a segunda maior área de rochas carbonatadas do país. Designa-se por “carso” uma área onde a hidrologia subterrânea (hidrogeologia) e os fenómenos de dissolução desempenham um papel preponderante na modelação do relevo.
O Carso do Algarve apresenta diversas grutas, muitas delas sujeitas a degradação, desde há anos, devido a incursões antrópicas, sendo fundamental a sua protecção. A afluência, ao longo dos anos, de grande número de pessoas a determinadas grutas, tem vindo a degradá-las de maneira rápida e irreversível. O endocarso algarvio está ameaçado, mas o carso superficial também o está.
A geóloga Maria Julieta Azevedo Macedo (1985) propôs a classificação (ao abrigo do Decreto-Lei nº 613/76) de “todas as grutas, algares, sumidouros e exsurgências” do Algarve. Propôs igualmente a classificação dos campos de lapiás do Cerro da Cabeça, Monte Peral, Algar Seco, Ponta da Piedade, promontório de Sagres e Alto Barrocal (Salir). A criação de Reservas Naturais Integrais - Gruta Amarela, G. do Monte Clérigo, G. de Ibne Ammar, G. da Igrejinha dos Soidos, G. da Solustreira Grande, G. da Solustreira Pequena, G. da Rocha da Pena e G. dos Arrifes - também foi avançada.
A Directiva Habitats (92/43/CEE) impõe que cada Estado Membro deva designar “Zonas Especiais de Conservação” (ZEC), tendo em vista a sua posterior incorporação na Rede Natura 2000. Desta rede europeia de sítios farão igualmente parte as “Zonas de Protecção Especial” (ZPE) declaradas ao abrigo da Directiva das Aves (79/409/CEE). Na proposta preliminar da lista nacional de sítios constam, no Algarve: Arade-Odelouca, Ribeira de Quarteira, Fonte Filipe-Amendoeira e Cerro da Cabeça.
Na lista de sítios incluídos no projecto biótopos CORINE encontram-se Aljezur-Monte Clérigo, Ponta de Sagres, Cabo de S. Vicente, Serra do Espinhaço de Cão, Serra de Monte Figo, Cerro da Cabeça, Rocha da Pena, Gruta Amarela, Barrocal de Alte, Ponta da Piedade, Rio Arade, Gruta da Igrejinha dos Soidos, Grutas da Salustreira, Gruta da Rocha da Pena, Gruta de Monte Clérigo e Gruta de Ibne Ammar.
Até hoje foram criados os sítios classificados da Rocha da Pena e Fonte Benémola (Decreto-Lei nº 392/91, de 10 de Outubro).
9/10/2008: Não ou sim à regionalização? Centralizar ou descentralizar? Desburocratizar ou burocratizar? Mais ou menos leis? Questões que se levantam quando se pensa sobre ordenamento do território, conservação da natureza e opções a adoptar… E, claro, numa perspectiva de defesa das regiões cársicas.
A minha opinião acerca do assunto em causa tem vindo a alterar-se ao longo dos últimos anos. A produção de mais legislação tem-se revelado manifestamente desadequada, porque umas vezes é contraproducente e outras tantas perfeitamente inócuas. Nesse contexto, torna-se essencial a procura de novas soluções e abordagens…
“Quando a ignorância se instala no seio das sociedades e a desordem nos espíritos, as leis tornam-se numerosas. Os homens tudo esperam da legislação e, constituindo cada lei nova um novo erro de contas, são levados a pedir-lhe incessantemente o que só pode vir deles próprios, da sua educação, do estado dos seus costumes.
Não é com certeza um revolucionário quem diz isto, nem sequer um reformador. É um jurisconsulto, Dalloz, autor da compilação das leias francesas conhecida pelo nome de “Repertório de Legislação”. No entanto, estas linhas, ainda que escritas por um homem que era ele mesmo um fabricante e admirador de leis, representam perfeitamente o estado normal das nossas sociedades.” [Júlio Carrapato (2008): Para uma critica Libertária do Direito]
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