13/10/2008

Vulcano-espeleologia (II)

Grutas dos Açores
Governo regional prepara legislação


[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 162, 2 de Janeiro de 1998]

O património espeleológico dos Açores vai ser salvaguardado. A Direcção Regional do Ambiente está a elaborar legislação para minimizar a degradação que se verifica em algumas grutas. É o resultado da denúncia de Os Montanheiros, que alertaram para a obstrução da entrada da Gruta da Caldeira.

© Os Montanheiros

As grutas açorianas, com interesse turístico ou científico, vão ser protegidas por legislação regional. A elaboração de normas legais para salvaguardar as grutas do arquipélago foi anunciada, em Outubro passado, pela directora regional do Ambiente, Eduarda Goulart.
A notícia coincidiu com a denúncia por parte de Os Montanheiros - Sociedade de Exploração Espeleológica, da obstrução da Gruta da Caldeira (nos Biscoitos). Esta cavidade, uma das mais importantes da Ilha Terceira e ainda com troços por explorar, não constitui, infelizmente, o único exemplo.
Outras cavidades foram fechadas, inclusivamente com arame farpado. Os Montanheiros já alertaram para diversas situações semelhantes e há muitos anos que reclamam legislação para as evitar, mas apenas encontraram a “passividade das autoridades”. Para José Botelho, de Os Montanheiros, “o Governo já criou legislação para proteger a paisagem, flora e fauna mas tem-se esquecido das grutas e cavidades naturais”.

Legislação precisa-se
A conservação do património espeleológico passará pela criação de legislação específica que mitigue possíveis impactes ambientais no meio subterrâneo. O problema é sentido nos Açores, mas também no Continente e provavelmente na Madeira.
Em Portugal continental, face à crescente pressão no sentido da utilização das cavidades (para fins sobretudo turísticos), os espeleólogos têm igualmente defendido a regulamentação do uso das grutas. Nomeadamente, para impedir a instalação de conflitos entre os diferentes interesses em jogo. A realização de esforços no sentido de sensibilizar as populações, bem como as entidades competentes, para a importância do património cársico - cuja valorização pode influir decisivamente na melhoria das condições económicas e sociais a nível local - é igualmente apontada. Olímpio Martins, espeleólogo do Parque Natural das Serras d’Aire e Candeeiros (PNSAC), refere as novas concepções metodológicas que podem passar, a titulo de exemplo, “pela hierarquização do uso do território espeleológico e definição de utilizadores”.
O controlo, nomeadamente pela administração local, do uso e gestão correctos das cavidades, baseado em legislação específica, será pois uma medida a implementar. Apesar de diversas propostas tendentes à classificação das caverns, a Gruta do Zambujal (na Arrábida), o Algarão do Poço dos Mouros ou as Solestreiras (no Carso do Algarve) são das poucas que se encontram protegidas por lei.
Nos Açores, o Algar do Carvão (na Ilha Terceira), classificado como Reserva Natural Geológica pelo Decreto Legislativo Regional nº 13/87/A (e candidato ao título de Património Mundial Natural), constitui o único exemplo. Recorde-se que a associação ambientalista Amigos dos Açores propôs recentemente (jornal FORUM AMBIENTE nº 153 de 31/ Out. 97) a classificação da Gruta do Carvão (na ilha de S. Miguel) como Monumento Natural Regional, ao abrigo do Decreto Regional nº 21/93/A.
A protecção do património espeleológico português encontra-se, pois, no início, restando muito por fazer. Actualmente, torna-se urgente o conhecimento das cavernas em que é necessário uma rápida intervenção conservacionista e, sobretudo, actuar. É nesse sentido que a Direcção Regional do Ambiente, nos Açores, sensível à problemática da conservação das cavernas, pretende agir. “Não podemos optar por uma situação de interditar intervenções em todas as grutas, especialmente as que se encontram em terrenos particulares. Vamos analisar a situação caso a caso”, declarou Eduarda Goulart.

Açores subterrâneo
Embora o património vulcano-espeleológico dos Açores seja único em Portugal e mundialmente conhecido, tem ainda muito por revelar e encontra-se subaproveitado no respeitante às acções de educação ambiental e de interpretação da natureza. O inventário das cavidades terceirenses é bastante exaustivo (já se assinalaram cerca de meia centena de cavidades), resultado do trabalho de Os Montanheiros (associação fundada em 1963), mas noutras ilhas ainda há muito por explorar. Como no Pico, onde também já se registou o fecho de várias entradas de grutas.
O estudo das grutas açorianas remonta ao século passado (Fouque, 1873; Wesber, 1821; Hartung, 1860; Canto, 1881; Walker, 1886; Silva, 1893), mas o primeiro inventário espeleológico do arquipélago surgiu somente em 1989. Neste primeiro censo, realizado por Ogawa, foram referidas 33 grutas e 7 algares, mas P. Borges, A. Silva e F. Pereira, em 1991, assinalaram perto de uma centena de cavidades. Número, hoje, francamente ultrapassado.
O maior túnel de lava - Gruta das Torres (5429 m) -situa-se na Ilha do Pico e o maior algar - Algar do Matoso (137.5 m) - situa-se em S. Jorge. Cerca de 75 por cento das cavidades apresentam um desenvolvimento inferior a 300 metros, mas algumas correspondem a troços de um mesmo túnel lávico. O trabalho que está a ser realizado pela Direcção Regional do Ambiente não se espera, portanto, de fácil execução. Prevê-se que sejam apenas classificadas algumas das muitas cavidades. Mas mais vale poucas que nenhuma. Para que não se repitam casos como o da Gruta do Camelo (na Ilha Terceira), parcialmente destruída para aproveitamento da nascente aí existente.

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