08/10/2008

Furninha

Espeleologia
Subterrâneos da vergonha


[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 286, 6 de Junho de 2000]

A Forum Ambiente foi encontrar a Gruta da Furninha num estado lastimável. A cavidade que foi usada como abrigo e necrópole durante a Pré-História é agora utilizada como vazadouro de lixo e como casa de banho.

Gruta da Furninha (Peniche) © Pedro Cuiça (1999)

A Gruta da Furninha, famosa pela fauna e pelo espólio arqueológico que encerrava, encontra-se no mais completo abandono. Essa habitação e, posteriormente, necrópole dos nossos antepassados pré-históricos é usada como “casa de banho” e vazadouro de lixo. Mas, o abandono e a incúria não são um exclusivo dessa importante gruta, pois as cavidades existentes na área não têm melhor sorte.
O património espeleológico tem sido sujeito, ao longo dos anos, a uma degradação mais ou menos contínua e irreversível. A afluência de grande número de pessoas a determinadas grutas é apontada como uma das causas, talvez a mais importante. Na Gruta da Furninha, assim como nas vizinhas, os envolvidos não são espeleólogos, são pescadores! Sim, pescadores e talvez visitantes ocasionais. Certo é que essas cavidades apresentam-se, invariavelmente, conspurcadas por dejectos de diversos tipos. Também é certo que não se encontra nenhum aviso a alertar para a importância da Gruta da Furninha e, muito menos, das suas congéneres sem fama. Mas o estado em que se encontram não tem justificação.

Um simples buraco
A Gruta da Furninha situa-se frente ao mar, numa pequena plataforma de calcários acinzentados. A sua ampla entrada dá acesso a uma sala principal, seguindo-se uma sala mais pequena e um corredor inclinado com um poço de nove metros. A gruta tratava-se, inicialmente, de uma simples fenda nos calcários. Fenda que o mar alargou, dando à sua entrada um aspecto próximo do que possui actualmente. A caverna situa-se ao nível do mar de então.
Segundo o geólogo Georges Zbyszewski, com a descida das águas do mar “a parte inferior da gruta foi escavada em forma de poço”. O depósito de calhaus encontrado no fundo desse poço, e que tem o seu equivalente nas anfractuosidades da arriba, no exterior da cavidade, corresponde a um antigo depósito de praia. Depois dessa regressão, Zbyszewski refere que “a gruta foi invadida pelas areias de dunas e frequentadas pelos homens paleolíticos, os quais deixaram sílex e quartzitos lascados, acompanhados de muitos ossos de animais”.
No século XIX, Nery Delgado encontrou, no mesmo poço, sete níveis ossíferos, contendo restos de ursos, lobos, hienas raiadas, panteras, linces, rinocerontes, cavalos, veados, aves, tartarugas e peixes. Um exame posterior mostrou que a gruta possui níveis do Paleolítico Superior, que era desconhecido em Portugal na época das escavações de Nery Delgado, o que justifica não ter sido separado do Eneolítico. Depois de escavações realizadas em outras grutas, chegou-se à conclusão que “os homens do Eneolítico enterraram os seus mortos na gruta da Furninha, abrindo fossas nos níveis do Paleolítico superior que remexeram parcialmente”.
A gruta já não serve de habitação aos vivos e de último repouso aos mortos. Actualmente, a sua utilização é bem diferente. O vasto condomínio que é a natureza continua a ser encarado e tratado da forma mais leviana. Para alguns o planeta Terra é a sua casa, para outros talvez não passe de um grandioso vazadouro público.

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