10/10/2008

Vulcano-espeleologia (I)

Gruta do Carvão
Classificar uma gruta vulcânica

[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 153, 31 de Outubro de 1997]

Os Amigos dos Açores querem classificar a Gruta do Carvão como Monumento Natural Regional. A conservação do maior túnel lávico de S. Miguel é importante. Bem como a interpretação e musealização do local.

© Amigos dos Açores

A Associação Ecológica Amigos dos Açores acaba de propor a classificação da Gruta do Carvão como Monumento Regional, ao abrigo do Decreto Legislativo Regional nº 21/93/A. Nesse sentido, a associação elaborou um estudo onde caracterizou a cavidade sob diversos aspectos, designadamente históricos e geológicos.
As grutas estão geralmente associadas a áreas cársicas (Maciço Calcário Estremenho ou Barrocal Algarvio), no entanto, não se circunscrevem somente às rochas carbonatadas (calcários ou dolomias). O arquipélago dos Açores constitui, nesse aspecto, um excelente exemplo. Essa região é particularmente rica em túneis lávicos, devido à abundância de escoadas de natureza basáltica (sobretudo basaltos e hawaiitos), onde são comuns as estruturas do tipo pahoehoe.
As ilhas de S. Miguel, Pico e Terceira apresentam as cavidades mais conhecidas, chamando-se a atenção para a possível confusão entre o Algar do Carvão e a Gruta do Carvão. A primeira situa-se na Ilha Terceira e a segunda, proposta para classificação pelos Amigos dos Açores, localiza-se na Ilha de S. Miguel.
A Gruta do Carvão fica na zona ocidental de Ponta Delgada, no Complexo Vulcânico dos Picos - uma área de vulcanismo fissural recente, composta por cerca de 200 cones de escórias e escoadas lávicas -, e é o maior túnel lávico de S. Miguel. Actualmente, é possível percorrer uma extensão de 1150 metros, em dois troços separados. O troço meridional desenvolve-se ao longo de 600 metros, desde a Rua de Lisboa até ao cruzamento da Rua Pintor Domingos Rebelo (antiga Rua do Carvão) com a Avenida Antero de Quental. O troço setentrional desenvolve-se para noroeste da Rua do Paim, em direcção à Rua da Saúde.
São de destacar, no troço sul, a existência de locais onde o túnel apresenta mais de cinco metros de altura (e, por vezes, mais de 10 metros de largura), amplas salas e microformas vulcânicas. No troço norte salienta-se a existência de dois túneis sobrepostos numa extensão considerável (cerca de 200 metros) e numerosas estalactites de lava.
No troço meridional, a cavidade desenvolve-se sob os secadores da Fábrica de Tabaco Micaelense (FTM), Escola Primária do Carvão e parte das moradias do Bairro da Misericórdia. Entre este bairro e a Escola do Carvão existem terrenos não urbanizados, ocupados presentemente por pastagens. Entre a Rua de Lisboa e os terrenos da FTM, a gruta desenvolve-se em terrenos com moradias. O troço setentrional da gruta encontra-se essencialmente sob terrenos de cultivo e estufas.
Nalguns locais da gruta, próximo do extremo sul dos terrenos da FTM, foram construídos muros de pedra, visando assegurar a estabilidade da mesma. A presença destes muros e de uma antiga instalação eléctrica no interior da gruta atestam a sua utilização pelo Homem desde tempos idos.

Evitar construções
João Carlos Nunes, do Departamento de Geologia da Universidade dos Açores e da associação Amigos dos Açores, declarou à FORUM AMBIENTE que a classificação da Gruta do Carvão visa a sua conservação. Nomeadamente, evitar eventuais construções que ponham em risco esse património nacional. Os Montanheiros, que contam com a equipa de espeleólogos mais antiga existente nos Açores, manifestaram igualmente o grande interesse na preservação da Gruta do Carvão. Luís Parreira, dessa associação terceirense, afirmou à FORUM AMBIENTE que é importante conservar o património espeleológico açoriano.
O valor da Gruta do Carvão reside sobretudo na grande variedade de aspectos geológicos, estruturas e fenómenos típicos do vulcanismo que aí se podem observar. É o caso de estruturas como as bolhas-de-gás ou fendas resultantes do arrefecimento da lava. No tecto da cavidade existem numerosas estalactites primárias (resultantes da solidificação de pingos de lava) e secundárias (fruto da deposição de materiais transportados pelas águas de escorrência).
A interpretação dos fenómenos geológicos inerentes à Gruta do Carvão é reconhecida pelos Amigos dos Açores. A musealização do espaço e a sua utilização priviligiada para acções de educação ambiental contam-se entre os objectivos dessa associação ecológica.



Uma gruta com história

A Gruta do Carvão é a cavidade vulcânica mais conhecida da Ilha de S. Miguel. No século XVI foi descrita por Gaspar Fructuoso, na obra “Saudades da Terra”. Em 1821, John White referiu a existência de uma gruta na zona dos Arrifes correspondente ao prolongamento para montante da Gruta do Carvão. George Hartung, em 1860, referiu-se igualmente a esta caverna. A Gruta do Carvão recebeu também a designação de “Gruta da Rua Formosa”, de acordo com Ernesto do Canto (1881). Em 1886, Walter Frederic Walker, para além de evidenciar a existência do prolongamento da Gruta do Carvão para norte da cidade de Ponta Delgada, descreveu algumas estruturas da cavidade. Emygdio da Silva, na obra “S. Miguel em 1893”, escreve “…é o mais notável dos túneis vulcânicos dos Açores…”.

© Forum Ambiente (1997)

Sem comentários: