29/02/2008
Um (mau) exemplo...
O Carso Algarvio
[Revista Ciência ● Série VI, nº 4, Maio 1993, pp. 35-40]
Desde o século passado que é salientada a importância de se efectuar um estudo do Algarve subterrâneo, sem que contudo tivesse sido alguma vez concretizado. A visão economicista que predomina nos dias de hoje, tendo como consequência a crescente deteriorização ambiental da região, faz com que esse estudo seja imperioso. Até quando nos podemos permitir a degradação rápida e irreversível de uma das regiões mais pitorescas do país?
Introdução
O Algarve apresenta diferenças marcantes que permitem a definição de três sub-regiões: a Serra, o Barrocal e o Litoral. A Serra algarvia, de relevos arredondados e vales profundos, é constituída essencialmente por xistos e grauvaques do Carbónico marinho, com excepção da zona ocidental correspondente à serra de Monchique - maciço alpino sub-vulcânico composto essencialmente por sienitos nefelícos. O Barrocal é constituído essencialmente por rochas carbonatadas mesozóicas, dispostas em elevações segundo alinhamentos este-oeste. O Litoral ou Beira-Mar, estreita faixa de aplanações a diversas cotas, é formado essencialmente por rochas detríticas cenozóicas.
A Orla Mesocenozóica Algarvia, a que corresponde o Baixo Algarve (Barrocal e Litoral) apresenta uma rede de drenagem superficial pouco desenvolvida, uma quase ausência de cursos de água de caudal permanente e a ocorrênci de perdas (sumidouros) e ganhos (exsurgência) (Esteves da Costa et al., 1985). A importância da drenagem criptorreica em detrimento da drenagem superficial, associada a uma geomorfologia peculiar, que surge essencialmente no Barrocal (campos de lapiás, dolinas, uvalas, polges, canhões, algares, etc.), permitir-nos-á falar em Carso Algarvio.
Relevo zoomórfico no megalapiás da vertente SE do Cerro da Cabeça (Cerro da Cabeça @ P. Cuiça, 1992).
O carso superficial ou epígeo
A partir da década de 60, o Algarve atravessou um rápido desenvolvimento urbano e agrícola, guiado e implementado pela indústria turística que ai surgiu, reactivado pela recente adesão de Portugal à Comunidade Europeia. Esse desenvolvimento teve como consequência uma degradação ambiental e paisagística, afectando sobretudo, e de início, o Litoral também atingiu o Barrocal.
Uma das mais belas zonas do carso algarvio que se encontra ameaçada pela intervenção humana é a Rocha da Pena (480 m). Trata-se do único relevo verdadeiramente vigoroso existente no Algarve, carso alcandorado, alongado no sentido este-oeste e em cujo cimo se encontram cerca de uma dezena de dolinas bem delineadas (Crispim, 1982), cavernas (Poço dos Mouros e Buraco da Caldeirinha), vestígios arqueológicos, vegetação endémica e uma avifauna de grande interesse (sendo de destacar a presença de noitibós e de águias).
Vistas panorâmicas da Rocha da Pena (480 m), o relevo mais vigoroso da Orla Mesocenozíca Algarvia (adaptado de M. Feio, 1951).
Outra situação, que por ser pontual não deixa contudo de ser importante, é a localização de pedreiras em locais de grande interesse geoespeleológico (a titulo de exemplo citam-se as pedreiras da Quinta do Escarpão e do Cerro da Cabeça).
O carso subterrâneo ou hipógeo
O carso algarvio apresenta em certas áreas inúmeras grutas. Essas formações encontram-se sujeitas a uma degradação, desde há anos, devido a incursões antrópicas, sendo fundamental a sua protecção.
O primeiro homem que chamou a atenção para importância do estudo das grutas algarvias - apesar de se circunscrever apenas à arqueologia - foi Estácio da Veiga que, tendo sido encarregue em 1877, pelo governo de então, do estudo geral das antiguidades do Algarve, propôs que fossem, antes de mais, estudadas as cavernas. O governo, temendo a demora e os custos que iriam comportar os trabalhos, idênticos aos que tinham sido efectuados por Schemerling e Dupont nas grutas da Bélgica, rejeitou a proposta. Uma enorme lacuna no conhecimento do Algarve subterrâneo ficou por desvendar!Desde a proposta de Estácio da Veiga até aos nossos dias, o estudo das grutas algarvias tem sido feito de uma forma inconstante e de certo modo improdutiva, à excepção de certos trabalhos pontuais realizados pela Sociedade Portuguesa de Espeleologia (SPE) e por alguns cientistas de diversos ramos do saber - essencialmente geólogos, geofísicos, geógrafos, biólogos e arqueólogos. De entre os trabalhos realizados será de destacar, por ser o único a abordar a globalidade do Carso algarvio, o de J. A. Crispim, Morfologia Cársica do Algarve, publicado em 1982.
O surgimento da espeleologia em Portugal (podemos considerar o seu início em 1948) pouco contribuiu para o conhecimento e estudo das cavidades algarvias por parte dos grupos que se criaram nessa região, devido essencialmente à ausência de um plano regional de trabalho e à falta de cooperação dos grupos, fracos em recursos económicos e quadros. A falta de cursos de espeleologia de nível académico, aliada a uma inexistência de legislação que foque as grutas do nosso país, implica que o baixo nível científico da generalidade dos espeleólogos provoque uma degradação das grutas. Uma mesma gruta é várias vezes visitada e “estudada” por diversos grupos de espeleologia que efectuam, em geral, a inventariação da cavidade, a qual difere em geral de grupo para grupo. Não raras vezes, devido à inconstância existencial desses grupos, esses inventários perdem-se ou estão inacessíveis à consulta, porque encerrados no olvideo das gavetas das suas sedes.
A espeleologia (termo criado por E. Riviére, em 1890, do grego antigo σπήλαιον ELL = gruta POR e λόγοσ ELL = tratado POR) sendo a ciência que se “consagra ao estudo das cavernas, da sua génese e da sua evolução, do meio físico que ela representa, do seu povoamento biológico actual ou passado, assim como dos meios ou das técnicas que são próprias ao seu estudo” (Gèze, 1965), foi desacreditada em certos meios científicos por esse nome estar associado à simples exploração e visita de cavernas. À componente desportiva da espeleologia que, sem dúvida, desempenha um papel importante e será um atractivo para aqueles que gostam de aventura, junta-se a componente científica, complexa e vasta, porque multidisciplinar, que exige uma bagagem extensa, nomeadamente no que concerne às ciências geológicas, da parte de quem se lhe dedica. Martel, que é considerado o fundador da espeleologia (1888) e foi um activo explorador de cavernas em toda a Europa, estabelece, desde logo, a vocação científica desse ramo do saber ao defini-lo como sendo “a História natural das cavernas”.
Se o baixo nível científico da generalidade dos “espeleólogos” em Portugal é incontestável, também é certo que os amantes da espeleologia podem realizar um trabalho proveitoso em prole dessa ciência. Os trabalhos de inventariação das formas endocársicas da região algarvia que são de extrema importância a diversos níveis, nomeadamente no respeitante a actuações de preservação ambiental, é uma área em que esses amantes do mundo subterrâneo poderiam desempenhar um papel importante.
A inventariação consiste essencialmente no nome, localização, topografia da cavidade e descrições sumárias de ordem geológica, hidrológica, climatológica, biológica, arqueológica ou outra. Trabalho de grande utilidade para o conhecimento do endocarso da região, só desempenhará a sua função se, por um lado, for realizado em cooperação entre grupos que sigam um mesmo método de trabalho, tentando distribuir os seus efectivos pelas diversas áreas do Barrocal de forma a abarcarem a totalidade do carso e, se por outro, os trabalhos forem publicados ou passíveis de consulta. No entanto, os trabalhos de inventariação efectuados por parte desses grupos terão, de certa forma, de se limitar a aspectos de toponímia, localização e topografia de cavidades.
Não se deverão efectuar recolhas de seres vivos, sob o pretexto de realização de um estudo bioespeleológico, pois a fauna cavernícola é pouco abundante, tendo um menor número de crias do que as formas epígeas análogas. O equilíbrio ecológico desses ecossistemas é extremamente vulnerável a qualquer perturbação exterior, sendo a captura de animais cavernícolas reservada a estudiosos especializados no assunto, caso contrário destruir-se-ão, em breve, esses seres ainda pouco conhecidos. Entre os animais que têm sido perturbados pelas incursões antrópicas a grutas contam-se os morcegos, grupo faunístico que tem diminuído de número, entre outros factores, devido a serem perturbados durante as épocas de criação (Março a Maio) e hibernação (Novembro a Março).
Do mesmo modo, não são admissíveis os “estudos arqueológicos”, com mudança de posição ou recolha de objectos, sondagens ou remobilizações do solo da cavidade, por provocar a alteração da estratigrafia dos materiais, levando à perda do contexto histórico aí existente.
Durante os trabalhos de prospecção, ao ser “descoberta” uma nova gruta, dever-se-á ter a prudência suficiente na sua exploração, evitando pisar eventuais vestígios existentes no solo da cavidade.
Não esqueçamos também que as cavernas algarvias poderão oferecer agradáveis surpresas no tocante a pinturas e gravuras rupestres, quando forem examinadas minuciosamente as paredes das suas galerias e salas, em especial as mais interiores ou de difícil acesso (M. Farinha dos Santos, 1985). A presença em algumas grutas do Algarve de material neo-eneolítico ou calcolítico (Gruta dos Matos, Gruta da Nora, o Abismo, Ladroeiras, etc.), de material de ocupação árabe (Ibne Ammar, Caverna dos Mouros, etc.) e a relativa abundância da estações neolíticas, requer que se façam os estudos arqueológicos necessários ao bom conhecimento da ocupação das cavernas da província em tempos remotos. No entanto, esses estudos terão de ser efectuados por pessoas devidamente habilitadas. Depósitos calcíticos ("medusas") da sala de entrada da Ladroeira Pequena (Cerro da Cabeça) (Ladroeira Pequena @ P. Cuiça, 1981).
Se alguns espeleólogos degradam as grutas sem intenção de o fazerem, a acção dos “curiosos” é muito mais grave e por vezes propositada: a obstrução de cavidades por meio de blocos; o arrancar de concreções; a perturbação e mesmo a morte de morcegos; os graffiti nas paredes; o lixo deitado ou deixado nas grutas - são alguns dos factores que mais degradam as formas endocársicas algarvias e os ecossistemas associados.
A afluência, ao longo dos anos, de grande número de pessoas a determinadas grutas - a que não estará alheio o facto de virem assinaladas em alguns mapas e guias turísticos - tem vindo a degradá-las de maneira rápida e irreversível. Sendo algumas delas locais de hibernação e/ou criação de morcegos (Gruta de Ibne Ammar, Igrejinha dos Soidos, Salustreiras, Arrifes, etc.) chegam a ser visitadas por centenas de pessoas durante ano (como é o caso das Salustreias), advindo daí graves prejuízos para a população de quirópteros.
A fim de proteger as populações de morcegos e as biocenoses do guano a elas associadas verifica-se a necessidade de regulamentar o acesso de pessoas às grutas de maior importância como abrigos de morcegos, estratégia que tem tido sucesso noutros países (Tuttle, 1986), ou mesmo proceder à colocação de gradeamentos que não prejudiquem a entrada e saída de morcegos e não alterem o clima da caverna, como sujere J. Palmeirim.
A situação actual do endocarso algarvio, leva-nos a afirmar que um conjunto de cavidades estão em risco de se tornarem “galerias estéreis”; entre elas, listamos as que se encontram mais ameaçadas: Caverna dos Mouros (Lapa da Pena, Poço dos Mouros, Algar dos Mouros), Gruta de Ibne Ammar (Gruta de Estombar), Igrejinha dos Soidos (Igejinha dos Mouros), Salustreira Grande (Solestreira Grande), Salustreira Pequena (Solestreira Pequena) e grutas do Cerro da Cabeça (Gruta da Senhora, Ladroeiras, Abismos, etc.).
Um dos casos de características mais graves é o que se verifica no Cerro da Cabeça (249 m). Nesse cerro localiza-se um megalapiás onde dominam os grandes dorsos de superfícies arredondadas, relevos cónicos e pedunculados, torres, blocos isolados, etc., distribuindo-se densamente em toda a elevação (Crispim, 1982).
Em jeito de conclusão
Face à realidade actual em que as palavras de ordem são “o progrésse, a requésa e o desenvolviménte” resta-nos apenas dar um esboço do que achamos ser o reverso da medalha, ou seja, a degradação ambiental e do tradicional. Para os que pensam ser esta uma visão pessimista acerca do presente-futuro da região algarvia (o que poderíamos generalizar talvez sem graves erros à aldeia global, viulgo Terra), uma visão contra-evolutiva, e portanto decadente, seja permitido afirmar-se que, pelos vistos, existem diversos conceitos de evolução. Talvez ao fim e ao cabo estejamos a abordar questões de gosto e, pelo que se diz, há gostos para tudo. Talvez haja que prefira a densidade e a consistência do monóxido de carbono à leveza do ar da montanha, uma paisagem de tubificações metálicas ou uma selva de betão à beleza naturae… sabe-se lá!
27/02/2008
15º Congresso Internacional
Durante o congresso realizar-se-ão três tipos de reuniões essenciais para o funcionamento da UIS: a assembleia-geral, o bureau e os departamentos, comissões e grupos de trabalho. Os departamentos da UIS centram-se nas seguintes temáticas: documentação, educação, protecção e gestão, exploração e investigação. As comissões incluem, por exemplo, bibliografia, mergulho espeleológico, espeleo-socorro, grutas glaciares e carso em regiões polares, paleocarsos e espeleocronologia. Os grupos de trabalho existentes são, entre outros, sobre o dicionário espeleológico e a protecção e conservação de concreções. A convenção anual da NSS irá decorrer em paralelo, tal como outras iniciativas.
IV Congresso Europeu
Vercors 2008 pretende ser, antes de mais, um ponto de encontro dos espeleólogos europeus, onde possam trocar ideias e experiências. Esta iniciativa inclui igualmente a I Encontro Europeu dos Fotógrafos e Realizadores de Espeleo, o VII Colóquio Europeu de Exploração Espeleológica, III EuroSpeleo Forum, etc..
II Congreso Andaluz
25/02/2008
Morcegos cavernícolas
Há evidência de perdas importantes para os quirópteros cavernícolas e razões para acreditar que o declínio das populações se vai acentuar no futuro breve. Entre as razões do declínio das populações de morcegos, para além da destruição dos biótopos de alimentação, da utilização de pesticidas e da perturbação dos abrigos, acrescenta-se a destruição de abrigos e, em alguns países, os estudos científicos.
A perturbação dos abrigos continua a ser apontada como a causa mais importante do declínio dos morcegos cavernícolas no nosso país. “Até muito recentemente as grutas portuguesas eram pouco perturbadas por visitantes. O baixo nível de escolaridade da população em geral permitia o estabelecimento de superstições que impediam a entrada nas grutas. Por outro lado, eram poucas as pessoas que dispunham do equipamento e conhecimentos necessários para as explorar. Mas esta situação alterou-se profundamente nos últimos anos, com o aumento do nível geral de escolaridade e com a proliferação de agrupamentos juvenis, que com frequência incluem a exploração de grutas nas suas actividades. (Palmeirim & Rodrigues, 1992)”
Nas últimas duas décadas a realidade socio-cultural do país sofreu profundas alterações e essa transformação não esteve alheada do meio espeleológico. A crescente sensibilização dos espeleólogos e o envolvimento de algumas associações nos estudos em curso é inegável, sendo a perturbação dos quirópteros desviada para outros públicos. “Algumas associações de espeleologia cultivam o respeito pelos morcegos cavernícolas e os seus membros evitam perturbar estes animais. No entanto, existem muitas outras organizações juvenis ou grupos de independentes que visitam com grande frequência algumas grutas, sendo o seu comportamento por vezes muito prejudicial.
A perturbação por visitantes é particularmente grave nas grutas com fácil acesso que abrigam grandes colónias de morcegos. É esta a situação das colónias do Algarve, que são por esta razão as mais ameaçadas do país (Palmeirim & Rodrigues, 1992).”
Os abrigos subterrâneos (naturais e artificiais), disponíveis para as espécies cavernícolas, são relativamente poucos e a sua destruição por parte do Homem tem consequências drásticas. A destruição de cavidades sem ser frequente não deixa de ocorrer e as consequências nefastas a diversos níveis são difíceis de negar.
Por último, em muitos países europeus as populações de morcegos cavernícolas foram gravemente afectadas por actividades de investigação mal conduzidas. A perturbação frequente de colónias e a manipulação descuidada de morcegos provocaram o abandono de algumas grutas, ou mesmo a morte de muitos indivíduos. Mas a mais destrutiva das actividades ligadas à investigação foi a anilhagem desadequada de grandes números de morcegos (Palmeirim & Rodrigues, 1992).
A fim de proteger as populações de quirópteros cavernícolas há necessidade de regulamentar o acesso de pessoas às grutas de maior importância como abrigo de morcegos. Mas para alterar a situação de ameaça dos morcegos é necessário não só proteger a espécie directamente, mas também preservar os seus abrigos e áreas de caça.
As espécies com hábitos cavernícolas são as mais ameaçadas, sendo a perturbação dos seus abrigos por visitantes considerada a principal causa desta situação (Rodrigues & Palmeirim, 1996). Para minimizar esta perturbação têm sido utilizadas diversas barreiras de protecção dos abrigos; os gradeamentos têm demonstrado ser a barreira mais eficaz no bloqueio da passagem de visitantes, mas a sua utilização nem sempre se tem mostrado positiva para as populações de morcegos. Essa situação foi atribuída a dois factores: a relutância de algumas espécies em atravessar essas barreiras e o aumento da predação na entrada, devido principalmente a alterações do comportamento de voo induzidas pela presença das grades. Por outro lado, o tempo tem mostrado, repetidamente, que essa solução não consegue resolver o problema do acesso de pessoas às grutas porque, invariavelmente, essas estruturas são vandalizadas. As possíveis alterações climáticas provocadas pela instalação dessas estruturas também devem ser tidas em consideração.
Para além das medidas de protecção in situ de abrigos de morcegos, são igualmente de grande interesse os estudos, desenvolvidos por Luísa Rodrigues e Jorge Palmeirim, de quantificação do nível de perturbação de morcegos por parte de visitantes. Saliente-se que aquilo que tínhamos assinalado de forma empírica, em 1988, para a cavidade designada “Loulé III” (Rodrigues & Palmeirim, 1996) como sendo dos abrigos de morcegos mais perturbados do país, "com centenas de visitantes por ano", se veio a confirmar através de um registador digital, colocado entre 18 de Agosto de 1995 e 6 de Abril de 1996. Foram detectadas 100 visitas durante o período estudado, 62 das quais ocorridas em fins-de-semana ou feriados (Rodrigues & Palmeirim, 1996). Com taxas de frequência desta dimensão, a que se associam frequentes actos de vandalismo (que passaram pela destruição da vedação colocada à entrada da gruta ou graffitis no interior da mesma), é difícil promover uma conservação eficaz...
Bibliografia
PALMEIRIM, Jorge M. & RODRIGUES, Luísa (1992): Plano Nacional de Conservação dos Morcegos Cavernícolas;
Estudos de Biologia e Conservação da Natureza, nº 8, Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, Lisboa, pp. 166.
RAINHO, Ana et al. (1998): Morcegos das Áreas Protegidas Portuguesas (I);
Estudos de Biologia e Conservação da Natureza, nº 26, Instituto de Conservação da Natureza, Lisboa, pp. 166.
RODRIGUES, Luísa & PALMEIRIM, Jorge M. (1996): Avaliação do impacto do encerramento de cavidades para protecção de colónias de morcegos cavernícolas;
Morcegos e Gralhas
As gralhas-de-bico-vermelho e os morcegos cavernícolas: impacto antropogénico devido a incursões às grutas do nosso país
Outros animais que, a par das gralhas-de-bico-vermelho, têm sofrido as incursões antrópicas nas grutas do nosso país são os morcegos. Das 24 espécies de morcegos conhecidas em Portugal cerca de metade utilizam grutas naturais como abrigo, destacando-se entre elas duas famílias que, pela sua frequência, requerem uma particular atenção: a Vespertilionidae e a Rhinolophidae. A primeira comporta em Portugal cinco géneros e 18 espécies. Dessas espécies a Myotis myotis e a Myotis blythii são aquelas que em maior número ocorrem nas nossas grutas, formando aí grandes colónias (por vezes com milhares de indivíduos), quer na época de reprodução, quer na época fria quando estão em período de hibernação. No que respeita à família Rhinolophidae são quatro as espécies que estão descritas em Portugal. Tal como as espécies da família anteriormente referida, formam colónias em grutas; no entanto, em menor número do que essas, normalmente agrupando-se em pequenos “bandos”, encontrando-se muitas vezes apenas um a dois indivíduos o que acontece frequentemente com os machos (Palmeirim, 1985). Por esse motivo são espécies mais vulneráveis, estando mesmo uma delas - Rhinolophus ferrumequinum - citada no “Red Book”, publicação da União Europeia par a Conservação da Natureza onde se mencionam as espécies de morcegos ameaçadas de extinção.
Apesar de não se possuírem dados que permitam quantificar os reais decréscimos do número de quirópteros em Portugal, durante as últimas décadas as populações de morcegos cavernícolas têm vindo a diminui. As causas principais responsáveis pela diminuição das populações de morcegos no nosso país parecem ser, essencialmente, três. A primeira é a utilização excessiva de pesticidas na agricultura, que afecta os morcegos porque, para além de provocar uma diminuição dos insectos de que estes se alimentam, provoca uma acumulação de organocloretos no seu corpo que mesmo que não sejam letais, são certamente prejudiciais ao normal desenvolvimento do seu organismo. A segunda causa é a destruição do habitat, que vem na sequência de uma procura cada vez maior de terrenos de cultivo ou florestação, urbanização, empreendimentos turísticos, ou outros, sem que para tal se faça um ordenamento do território ou estudos de impacte ambiental sérios, ou seja, que coloquem os interesses ambientais à frente dos económicos. Sob o baluarte do desenvolvimento e do progresso todos os dias se rouba mais um pouco à natureza com vista à implantação de sistemas artificiais, optando-se quase sempre e infelizmente por soluções fáceis ou manifestos de ignorância. A destruição de abrigos como grutas, minas, casas abandonadas ou em ruínas e troncos de árvores envelhecidas, assim como a destruição dos locais de criação dos meios de subsistência dos morcegos, faz com que estes tenham, cada vez mais, uma maior dificuldade de sobrevivência. Por último, a terceira causa é a perturbação das colónias de quirópteros cavernícolas por parte de visitantes de ocasião e “espeleólogos”, sendo esse provavelmente o factor mais importante de declínio das populações de morcegos. Sabendo-se que as populações de quirópteros são particularmente frágeis devido à sua baixa taxa de reprodução, tendo em geral cada fêmea uma cria por ano e raras vezes duas crias, é licito pensar que as populações que tenham sido numericamente afectadas recuperem muito lentamente os seus efectivos.Na época de criação, a perturbação das colónias pode provocar uma alta mortalidade entre os juvenis, que caem do tecto no meio da confusão, ou mesmo levar ao abandono da gruta como local de criação.
Durante os meses quentes do ano os morcegos insectívoros acumulam energia no seu corpo de modo a sobreviverem à falta de alimento do Inverno, entrando em período de hibernação como vista a minimizarem os gastos energéticos. Se as reservas alimentares acumuladas não forem suficientes para toda a época fria, os morcegos incapazes de se alimentarem terão grandes probabilidades de morrer. Daí que, se a hibernação for frequentemente interrompida por pessoas, os morcegos ao serem levados a gastos energéticos não só desnecessários como prejudiciais, arriscam-se a não sobreviverem até à Primavera, época em que poderão novamente caçar no céu nocturno.
A perturbação das populações de morcegos toma proporções particularmente gravosas na província algarvia, devido ao fácil acesso que, em geral, as grutas dessa província apresentam.
A situação de ameaça de extinção em que se encontram muitas espécies de morcegos europeias torna imperativa a defesa das suas colónias contra as perturbações das suas grutas-abrigo mais importantes e significativas. O desaparecimento de uma colónia não é só grave para o património faunístico, como tem consequências difíceis de avaliar nos ecossistemas da região e das próprias grutas (onde se poderá verificar o colapso da comunidade de invertebrados cavernícolas). O guano de morcego que se acumula no interior das cavernas tem um grande interesse bacteriológico e além disso é o suporte de uma fauna particular, podendo-se considerar uma verdadeira biocenose do guano (guanóbios e guanófilos).
A fim de proteger as populações de morcegos e biocenoses do guano a ele associadas e visto que se verifica um aumento do número de “grupos de espeleologia”, sobretudo devido ao impulso dado pela criação da Federação Portuguesa de Espeleologia (FPE) e mudança de estatutos da Sociedade Portuguesa de Espeleologia (SPE), juntamente com o incremento de acções de divulgação dessa “modalidade”, há necessidade de regulamentar o acesso de pessoas às grutas de maior importância como abrigos de morcegos (assim como os algares em que se verifica nidificação da Gralha-de-bico-vermelho) estratégia que tem tido sucesso noutros países (segundo Tuttle, 1986).
Os estudos-base para a preparação de um plano de protecção dos morcegos cavernícolas de Portugal, em curso desde Janeiro de 1987, coordenados pelo professor Jorge M. Palmeirim, assim como os trabalhos que dedicam especial atenção à problemática da conservação da Gralha-de-bico-vermelho, iniciados em 1986, coordenados pelo biólogo João Carlos Farinha, permitirão que seja efectuada uma listagem das grutas que necessitam de protecção e determinar os períodos em que a mesma é necessária.
Uma das formas de evitar as visitas às grutas em épocas críticas de criação e/ou hibernação de morcegos (Março a Maio e Novembro a Março, respectivamente), seria o fecho das entradas das grutas de mais fácil acesso, mediante a utilização de grades que não afectassem a passagem desses animais e não alterassem o clima da gruta (segundo Tuttle, 1977). No caso da Gralha-de-bico-vermelho, cujo período de nidificação nos algares (da segunda quinzena de Março a finais de Maio), seria útil a vigilância das cavidade utilizadas por essas aves por parte das entidades competentes do PNSAC, conjuntamente com o incremento de campanhas de sensibilização das populações do Parque e dos “espeleólogos” frequentadores da zona referida no que diz respeito à protecção dessas aves. No entanto, e antes que se tomem as devidas medidas proteccionistas, fica a recomendação a quem frequente as grutas do nosso país para o cuidado que devem ter, nos meses de Novembro a Maio de não descerem algares frequentado pela Gralha-de-bico-vermelho.
Bibliografia
● CUIÇA, Pedro (1988): Morcegos - Perigo de Extinção;
Futuro, 23 (Ano II, 1988.12)
Gralha-de-bico-vermelho
Gralha-de-bico-vermelho: Uma Ave em Declínio
Actualmente, a Gralha-de-bico-vermelho encontra-se ameaçada no território português. Apesar das leis de protecção em vigor, continua a acentuar-se o seu declínio devido a causas várias e complexas. No passado já foram abundantes, no presente encontram-se dispersas e em pequenos bandos. Que futuro?
Decorre actualmente na Divisão de Investigação e Estudos Ecológicos do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, um trabalho que dedica especial atenção à ecologia e problemática da conservação da Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax Linnaeus 1758) em Portugal. Os trabalhos em curso, iniciados em 1986, a cargo do biólogo João Carlos Farinha, são de fundamental importância dado essa espécie ser relativamente rara no nosso país e estar em rápido declínio ao nível da Europa Ocidental, encontrando-se protegida pelas Directivas comunitárias 79/409/CEE e 85/411/CEE.
A Gralha-de-bico-vermelho
A Gralha-de-bico-vermelho pertence à ordem Passeriformes e à família Corvidae (sendo a relação entre o género Pyrrhocorax com os outros géneros da família Corvidae pouco clara). Os corvídeos são um grupo de aves de grande sucesso, numeroso e diversificado, tendo algumas espécies aproveitado as oportunidades criadas pelo homem (aumento das áreas de cultivo e urbanas, diminuição antropogénica de aves de rapina e outros predadores) para aumentarem as suas populações, podendo, por vezes, constituir verdadeiras pragas.
Na Europa, a família Corvidae está representada por doze espécies encontrando-se oito em Portugal, incluindo a Gralha-calva que pode ser observada no Inverno em algumas regiões do norte do país. Os corvídeos existentes em Portugal são o Gaio (Garrulus glandarius), Corvo (Corvus corax), Pega-azul (Cyanopica cyanus), Pega-rabilonga (Pica pica), Gralha-preta (Corvus corone), Gralha-de-nuca-cinzenta (Corvus monedula), Gralha-calva (Corvus frugilecus) e Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax). Dentro das espécies de corvídeos que naturalmente podemos encontrar em Portugal, a Gralha-de-bico-vermelho distingue-se pelo seu bico vermelho, longo e curvo, característico das aves adultas (os juvenis apresentam o bico amarelo e mais curto), a plumagem é negra com reflexos azul-esverdeados e as patas vermelhas.
Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) adulta, em cativeiro (Trás-os-Montes) (Moncorvo @ J. C. Farinha, 1986).
Actualmente, segundo Varie (1959), a Gralha-de-bico-vermelho está representada por sete subespécies, com áreas geográficas definidas, podendo haver a sua coexistência em certas zonas, sendo a subespécie existente em Portugal a Pyrrhocorax pyrrhocorax erythrorhamphus Veillot. As variações que as subespécies apresentam envolvem diferenças pequenas no que diz respeito ao tamanho, proporções e brilho da plumagem. No nosso país, a Gralha-de-bico-vermelho mede cerca de 38 cm de comprimento no estado adulto. Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) jovenil, nas mãos de um dos investigadores da Divisão de Investigação e Estudos Ecológicos do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza (PNSAC @ J. C. Farinha, s/d).
Os seus locais de alimentação são, regra geral, áreas de estrato herbáceo rasteiro, quer sejam sistemas agrícolas extensivos ou prados seminaturais ocupados pelo gado. Alimentam-se no solo utilizando o bico, longo e curvo, para escavar, virar pedras e remexer no interior dos excrementos de gado, sendo a sua dieta relativamente especializada: escaravelhos, gafanhotos, formigas, aranhas, etc., ingerindo por vezes sementes e grãos. Embora se alimente em bando, as gralhas-de-bico-vermelho são geralmente reprodutores solitários, que acasalam para toda a vida.
Durante a época de nidificação apenas os indivíduos não reprodutores utilizam os dormitórios comunitários. Os pares costumam nidificar por vezes a grande distância uns dos outros, utilizando para o efeito fendas, buracos e cavernas situadas em escarpas ou algares nas zonas cársicas; no entanto, quando não existem formações naturais, como as referidas, podem ocupar minas abandonadas, casas em ruínas, etc.
A construção do ninho demora cerca de duas semanas, sendo o seu início na segunda quinzena de Março. A Gralha-de-bico-vermelho põe entre três a cinco ovos, sendo o mais comum quatro, durando a incubação um pouco menos de três semanas. A partir de Abril, o macho inicia visitas, espaçadas de 20 a 60 minutos, ao ninho, para alimentar a fêmea ocupada com a incubação. No início de Maio ambos os elementos do casal podem ir para as áreas de alimentação regressando frequentemente ao ninho para prover as crias recém nascidas. As pequenas gralhas-de-bico-vermelho só começam a fazer as primeiras experiência de voo a partir do mês de Maio, acompanhando mais tarde os progenitores até às áreas de alimentação.
Distribuição geográfica
A Gralha-de-bico-vermelho está condicionada à existência de habitats adequados à sua alimentação e que permitam a sua nidificação. Na Europa, a sua distribuição está restringida a áreas costeiras e montanhosas; é observada em algumas ilhas escocesas, Irlanda, País de Gales, nas costas da Bretanha, no Maciço Central francês, Pirinéus, Alpes, nas penínsulas mediterrâneas (Ibéria, Itália e Grécia), ilhas de Creta, Sardenha e Sicília.
Nas Canárias ocorre somente na Gran Canária; aparecendo ainda no Norte de África, nas montanhas do Atlas (Marrocos e Argélia) e numa colónia isolada na Etiópia.
Na Ásia Central, a espécie para ser mais abundante e comum, encontrando-se em regiões em que as condições são semelhantes às existentes na Europa no último período glaciário, o Würm. A sua presença é contínua desde a Turquia, Cáucaso e Irão, através dos montes da Cordilheira de Elbruz até ao Afeganistão, passando pelo Turquestão até atingir os 53º N nas montanhas do Altai. Encontram-se também na Cordilheira dos Himalaias, montanhas da China e Manchúria, atingindo o Mar Amarelo.
No que diz respeito à sua distribuição em altitude a espécie em causa pode atingir, em certas regiões como nos Himalaias, cotas muito elevadas, nidificando entre os 2400 e os 3500 m, tendo sido descrita a sua presença no Monte Everest a, pelo menos, 6096 m.
Entre o Verão e o Inverno, em áreas elevadas de montanha, esta espécie ocorre em diversas altitudes podendo descer para níveis inferiores durante o Inverno; no entanto, é considerada uma espécie sedentária não se conhecendo verdadeiros movimentos migratórios, pelo menos na sua área de distribuição europeia. Nessa área de distribuição a Gralha-de-bico-vermelho encontra-se actualmente fragmentada, o que nem sempre se verificou como se demonstra pela área de ocorrência dos restos fósseis (segundo Guillou, 1981). No último período glaciário esta espécie ocupava a Europa Central e grande parte do Norte de África; no entanto, com a posterior desertificação do Sahara e o aparecimento de florestas na Europa, as populações de Gralha-de-bico-vermelho foram forçadas a refugiarem-se nas montanhas ou a permanecer em falésias marinhas.
A Gralha-de-bico-vermelho em Portugal
Entre 1986 e 1988, João Carlos Farinha estimou a população de gralhas-de-bico-vermelho, no nosso país, em cerca de 700 a 800 indivíduos; distribuídos por oito núcleos principais: Peneda-Gerês, Douro-Internacional, Serra da Estrela, Planalto de Idanha-a-Nova, Costa Sudoeste e Serras d’Aire e Candeeiros. Presentemente não se encontram verdadeiras colónias em Portugal, sendo a sua distribuição frgmentada e restrita, embora já tenha sido abundante, nomeadamente, em todo o Maciço Calcário Estremenho.
No nosso artigo iremos apenas referir as populações existentes na Costa Atlântica e no Maciço Calcário Estremenho devido à relativa importância das colónias aí existentes e da característica assaz importante de utilizarem algares para nidificação (pelo menos no maciço referido).
Na costa oeste portuguesa, a norte do Tejo, não se conhecem actualmente populações de Gralha-de-bico-vermelho, havendo apenas dois espécimes provenientes de Colares no Museu Bocage (da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) e observações passadas. Em 1924, Tait observou duas gralhas-de-bico-vermelho nas falésias da linha de costa entre Cascais e o Cabo da Roca e, em 1945, Coverley refere que um amigo avistou pares nidificando nas falésias marinhas da Praia da Adraga. Não se sabe se esses pares estariam relacionados com a gruta existente na dita praia.
Na costa sudoeste ou Vicentina, segundo Palma (1984), a espécie aparece localizada e pouco abundante, sendo observados ocasionalmente alguns casais ou pequenos grupos isolados ao longo da costa oeste até ao Cabo Sardão. Todos os ninhos dos casais cuja nidificação J. Carlos Farinha (1988) confirmou encontram-se em fendas, buracos ou cavernas situadas nos alcantilados costeiros.
A população actual de gralhas-de-bico-vermelho, na costa sudoeste, é de cerca de 40 indivíduos, no entanto registos passados apontam para muito maior presença dessa espécie na zona referida. Variados autores referem a existência de grande número de corvos no Cabo Sacro, cabo esse que passou a designar-se de S. Vicente na altura em os restos mortais desse santo, aí depositados, foram trasladados para a Sé de Lisboa. Não esqueçamos que a lenda em torno de S. Vicente nos diz que dois corvos o acompanharam, desde o referido cabo até à cidade de Lisboa, na caravela que transportou os seus restos mortais, daí resultam os corvos existentes na caravela do brasão dessa cidade.
Em 1872, Rey refere a abundância de gralhas-de-bico-vermelho num vale a oeste de Vila do Bispo, sugerindo a nidificação de cerca de 30 a 40 casais. Coverley (1945) diz-nos que essa espécie é relativamente comum no Cabo de S. Vicente e na vizinhança de Sagres, mas que não se conhece a sua presença muito para leste deste último local, sendo completamente ausente no Cabo Carvoeiro (Algarve). Esta última afirmação é contrária à de Tait (1924) que supunha que a nidificação da Gralha-de-bico-vermelho ocorresse também na faixa costeira sul. Não existem referências de observações da espécie no Barrocal algarvio, nomeadamente na parte oeste dessa sub-região, apesar da existência de numerosas cavernas e algares que podem sugerir a possível nidificação dessas aves (ex. Buraco do Corvo).
Apesar da costa sudoeste estar sob estatuto de Paisagem Protegida desde 1987, as populações de Gralha-de-bico-vermelho têm tendência para diminuir devido à grande afluência de turistas e pescadores, que em geral levam os carros até junto dos pesqueiros no topo das falésias marinhas. O diploma que criou a Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina originou a criação de serviços oficiais com a finalidade de zelarem pela conservação da natureza e gerirem os recursos naturais da respectiva área. No entanto, consta que aqueles serviços governamentais não possuem instalações em Sagres, em Vila do Bispo ou em qualquer outra localidade dos concelhos abrangidos pela Costa Vicentina, ficando-nos a dúvida de até que ponto essa protecção/conservação será efectiva.
No Maciço Calcário Estremenho encontram-se colónias de gralhas-de-bico-vermelho ou referências às mesmas na Serra de Sicó e Alvaiázere, Serra de Montejunto e Serras d’Aire e Candeeiros.
Nas serras de Sicó e Alvaiázere confirmou-se a sua presença há alguns anos atrás, quando essas aves utilizavam os algares para nidificarem, sendo actualmente inexistentes nessa zona.
Na Serra de Montejunto ocorre ocasionalmente, tendo-se verificado a sua nidificação em algares até há pouco tempo; Tait (1924) refere também a sua nidificação nas ruínas do Convento da Serra.
As serras d’Aire e Candeeiros são um dos núcleos principais de nidificação da Gralha-de-bico-vermelho em Portugal, apesar de também aí esta espécie ter vindo a sofrer um acentuado declínio nos últimos anos. A sua nidificação ocorre predominantemente em algares, onde essas aves desfrutam de um microclima favorável à sua reprodução e encontram protecção contra todo o tipo de “predadores”, excepto o homem. Os algares funcionam como incubadoras naturais onde a temperatura e a humidade relativa se poderão considerar constantes, em torno de valores óptimos. A testemunhar a importância da Gralha-de-bico-vermelho nas serras d’Aire e Candeeiros e a sua relação com o s algares temos uma série de cavidades naturais desse tipo com nomes indubitavelmente ligados a essas aves: Algar das Gralhas 1, Algar da Gralhas 3, Algar das Gralhas, etc.
Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax), adulta, sobre um lapiás da Serra dos Candeeiros, junto ao algar designado pelos investigadores por 0024 (PNSAC @ J. C. Farinha, 1988).
As características troglófilas da Gralha-de-bico-vermelho, ou seja, a sua tendência natural de utilização de grutas e algares para nidificação/reprodução, fazem dela uma das poucas espécies de aves com esse comportamento. Os trabalhos efectuados pelo biólogo J. Carlos Farinha com o apoio da Divisão e Quadros do Parque Nacional das Serras d’Aire e Candeeiros na zona em causa, permitiram detectar cerca de 20 ninhos, não devendo a população total ultrapassar em muito a centena de indivíduos; sendo de registar a descoberta no Algar da Malhada de Dentro de 15 indivíduos sub-fósseis, conservados por depósitos calcíticos, a cerca de 65 m de profundidade.
Sub-fóssil de Gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax), conservado em depósitos calcíticos, no Algar da Malhada de Dentro (Serra de Aire), a cerca de 65 metros de profundidade (Malhada de Dentro @ J. C. Farinha, 1988).
Da análise das colónias desta ave nas serras d’Aire e Candeeiros fica-nos a apreensão, face ao impacte ambiental que a construção da recente auto-estrada que atravessa esse Parque Natural, terá sobre as suas frágeis populações.
Diminuição das populações
Ao lermos as referências acerca da Gralha-de-bico-vermelho, no nosso país, constatamos a diminuição rápida da espécie, de uns anos a esta parte, e a sua actual raridade e dispersão.
As causas que têm contribuído para a diminuição das populações desta ave são várias e complexas, no entanto enumeramos cinco que pela sua importância são incontestavelmente determinantes desse decréscimo:
1) A progressiva mecanização do espaço rural com o consequente aumento da área agrícola, utilizando-se para esse efeito terrenos que até então foram exclusivamente para a pastagem do gado. Na ausência da pastorícia tradicional, a cobertura vegetal desenvolve-se rapidamente impendindo ou dificultando as gralhas-de-bico-vermelho de prospectrem devidamente o solo, no qual se alimentam de insectos.
2) O turismo, com a sua actividade de “transumância” de pessoas, é responsável pela perturbação dos locais de reprodução e alimentação da espécie em causa, o que assume partícula gravidade, sobretudo na Costa Sudoeste. No período de reprodução, as gralhas adultas procuram o alimento relativamente perto do ninho; se a presença de pessoas e veículos for frequente, pode forçá-las a procurar alimento em áreas mais afastadas e mesmo desfavoráveis. O número de vezes que a fêmea incuba ou as crias são alimentadas pode ser, então, substancialmente reduzido, conduzindo ao abandono do ninho por parte do casal.
3) O abate de gralhas-de-bico-vermelho por parte dos agricultores. Durante a maior parte do ano essas aves reúnem-se em bandos juntamente com outrs espécies, por exemplo a Gralha-de-nuca-cinzenta (Corvus monedula) que causa, por vezes, prejuízos à agricultura. Os agricultores raramente distinguem as duas espécies, acabando assim por abater um número considerável de gralhas-de-bico-vermelho. Além disso, associadas com a morte e a desgraça, devido à cor escura da maioria dos corvídeos, essas aves têm sido muito perseguidas pelo homem.
4) A captura de gralhas-de-bico-vermelho para fins ornamentais, devido essencialmente ao seu elevado desenvolvimento psíquico e rara beleza.
5) A prática de certas actividades de ar livre, como a espeleologia e o montanhismo, em áreas ocupadas pelas gralhas-de-bico-vermelho (locais de nidificação ou dormitórios), podem levar ao abandono das posturas pelos casais e forçarem a sua deslocação para zonas menos favoráveis.
Protecção/Conservação
Se queremos manter em Portugal os actuais níveis populacionais da Gralha-de-bico-vermelho e as suas áreas de distribuição, existe uma necessidade premente de se encontrarem soluções para conciliar os requisitos de habitat com as causas focadas anteriormente, responsáveis pela sua diminuição. Em especial no respeitante às fortes motivações económicas geralmente associadas às modernas actividades agrícolas do espaço comunitário.
A existência de áreas de pastoreio pouco intensivo é o elemento primordial para a conservação da Gralha-de-bico-vermelho; as pequenas manchas de cultivo, de restolho, rotações prolongadas para pastagem, pousios e “áreas inúteis” (como terrenos pedregosos, áreas não cultivadas e existência de formigueiros nas pastagens) são os locais de alimentação dessas aves.
Todas as características do sistema de pastoreio pouco intensivo se perdem com a intensificação e modernização da agricultura.
O governo e as organizações da área ambiental devem reconhecer a Gralha-de-bico-vermelho como indicadora de “ambiente de alta qualidade”, sendo necessário definir, especialmente nas áreas costeiras e montanhosas onde a espécie habita, prioridades e integrar os requisitos dessas aves na sua actividade de ordenamento do território nacional. Dando grande atenção ao ordenamento da actividade de pastorícia; localização das estradas de acesso ao público, de acordo com os locais de nidificação, dormitórios e áreas de alimentação; e acesso a grutas e algares ocupados pela Gralha-de-bico-vermelho.
Os trabalhos em curso na Divisão de Investigação e Estudo Ecológicos do Serviço de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, coordenados por J. Carlos Farinha, em que se está a fazer um estudo detalhado da espécie, censo da população e estimativa dos efectivos reprodutores, análise da causas de declínio e aconselhamento especializado a planos de ordenamento em curso, permitirão elaborar um plano de conservação e protecção da Gralha-de-bico-vermelho. Plano esse de extrema necessidade porque urge agir face à diminuição da populações dessa ave, no nosso território, sob pena da espécie se extinguir.
24/02/2008
Morcegos Cavernícolas
Morcegos: Perigo de Extinção
Fotografia: P. Casaleiro
Está a realizar-se, desde Janeiro de 1987, estudos base para a preparação de um plano de protecção dos morcegos cavernícolas de Portugal. Estudos esses coordenados pelo professor Jorge M. Palmeirim do Departamento de Zoologia e Antropologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em estreita colaboração com Luísa Rodrigues do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza.
Os estudos em causa, não sendo os primeiros do género realizados no nosso país, são no entanto de manifesta importância, na medida em que visam um maior conhecimento da biologia populacional dos morcegos cavernícolas com vista à sua protecção.
Muita gente poderá perguntar qual o interesse do estudo dos morcegos, esses animais tão repelentes e inúteis. Esse posicionamento face aos quirópteros*, não nos admira pois não obstante os morcegos serem de grande utilidade para o Homem têm sido, desde há muito, objecto das mais cruéis e das mais inexplicáveis perseguições.
Moisés colocava-os na categoria de animais impuros, cuja carne o povo de Deus não devia tocar. A antiguidade pagã foi procurar neles o tipo repugnante das Harpias**. Na Idade Média acreditou-se que os morcegos personificavam o espírito do mal e desde logo foram considerados companheiros inseparáveis de bruxas, sendo mesmo denominados, naqueles tempos, de “pássaros de bruxas”. Quem não associa os morcegos aos filmes de terror do Conde Drácula que se transforma nessas “estranhas criaturas” e suga o sangue às donzelas? Ou às asas de morcego tradicionalmente presentes nas representações do diabo?
Se a visão que os antigos possuíam acerca dos morcegos se pode compreender face às características do tipo de conhecimento da época é contudo inconcebível que, nos nossos dias, ainda maltratem esses animais por simples desconhecimento, ou ainda que imperem ideias do tipo “os morcegos são ratos voadores”, concepção que se reflecte em várias línguas. Por exemplo, no México são por vezes apelidados de “ratones voladores”, na Alemanha são os operacionais “fledermaus” (ratos voadores) e em França “chauve-sauris” (ratos carecas).
*Ordem de mamíferos a que pertencem os morcegos.
**As harpias são génios alados da geração pré-olímpica, filhas de Taumante e Electra, em número de duas (Aelo, “Borrasca”, e Océpete, “Voa Depressa”). Seres monstruosos e ferozes, eles personificavam as tempestades e a morte, capazes de atormentar os humanos com as suas longas garras e rostos medonhos.
Os Chiroptera
Os quiróptetos, vulgarmente denominados “morcegos”, são os únicos mamíferos voadores, encontrando-se em todas as regiões do globo com excepção das zonas frias e certas ilhas. Ao falarmos acerca dessas peculiares criaturas não nos podemos esquecer que representam cerca de um quarto dos mamíferos terrestres, havendo inúmeras características e hábitos entre as cerca de mil espécies conhecidas.
As suas asas são formadas por uma membrana alar (patágio) cujos suportes consistem nos braços e cinco longos dedos. Possuem uma protecção em forma de quilha no esterno, à qual estão ligados os músculos com os quais bate as asas. Tal como as aves apresentam várias modificações destinadas a diminuir o peso do corpo: os ossos da cauda adelgaçaram-se até se tornarem finos como palha e apesar de possuírem dentes, a sua cabeça é curta e muitas vezes têm o nariz achatado (por ex. Rhinolophus), para evitar que o focinho pese no ar.
Actualmente, todos os morcegos são nocturnos e provavelmente sempre o foram, pois as aves dominavam os ares durante o dia. Para voar à noite os morcegos tiveram de desenvolver um sistema de navegação através de ultra-sons, um método ultra-sofisticado de localização por meio de eco, semelhante em princípio ao radar. No entanto, o radar utiliza ondas electromagnéticas de rádio enquanto o sonar usa ondas sonoras com uma frequência bastante acima do limite auditivo do ouvido humano. Um morcego quando em voo, guiado pelo sonar, utiliza sons da ordem das 50 a 200 mil vibrações por segundo, emitidas em estalitos breves de 20 a 30 vezes por segundo. O ouvido é tão apurado e sensível que ele pode, a partir do eco que cada sinal produz, determinar a posição não apenas dos obstáculos, como também da sua presa, que pode estar a voar a alta velocidade.
A maioria dos morcegos recebe o eco de um sinal antes de emitir o seguinte. Quanto mais próximo o morcego estiver de um objecto, menos tempo demora o eco, de modo que ele pode aumentar o número de sinais emitidos ao sentir que se aproxima da presa e persegui-la com crescente exactidão ao acercar-se para o ataque.
O sucesso na caça, porém pode significar uma cegueira momentânea, pois se a boca estiver ocupada a mastigar um insecto, o morcego não pode usar o sonar de modo normal. Algumas espécies, no entanto, contornaram essa dificuldade emitindo sinais pelo nariz, pelo que passaram a apresentar uma variedade de grotescas excrescências nasais que servem para concentrar a amplitude do som emitido agindo como megafones. Os ecos sendo detectados pelas orelhas obrigaram a que estas também adquirissem uma estrutura elaborada e complexa; possuem na base do bordo externo um lóbulo mais ou menos acentuado que se designa por “antitrago” e mostram com frequência, saindo do seu interior, um apêndice cutâneo de forma e tamanho variáveis a que se dá o nome de “trago”, sendo capazes de em certas circunstâncias se torcerem para melhor capturarem os sinais reflectidos. A aparência de muitos morcegos é, por essas razões, mais grotesca que qualquer imagem do demónio tirada de um manuscrito medieval; no entanto, essas características morfológicas não têm qualquer significado mítico ou religioso, sendo só e apenas “apetrechos” do seu precioso e evoluído equipamento de voo.
Ao contrário da maioria dos mamíferos, os morcegos não possuem uma temperatura corporal constante. Quando em voo podem apresentar temperaturas da ordem dos 42ºC, contudo após o poiso a temperatura do corpo desce rapidamente até aos 10ºC no período de digestão, para em seguida se manter intermédia entre os dois valores.
Como no Inverno o número de insectos decresce consideravelmente os morcegos insectívoros hibernam de Outubro a Abril, tendo de armazenar alimentos durante o Verão e Outono para chegar ao início do período de letargia com cerca de três vezes mais peso que o habitual. Durante a hibernação a temperatura corporal e ritmo cardíaco dos quirópteros decrescem até valores extremamente baixos. No entanto, o seu “profundo sono” pode ser interrompido, vendo-se ocasionalmente indivíduos voando, nos dias de bom tempo de Inverno, em busca de insectos ou então mudando-se para grutas-abrigo de temperatura mais agradável. Os voos de Inverno são, contudo, uma aventura perigosa visto que os morcegos gastarem energias essenciais à permanência em hibernação, com consequente diminuição de peso, arriscam-se a morrer por falta de energia.
Apesar da maioria dos morcegos se alimentar de insectos, os quirópteros possuem um vasto regime alimentar podendo, segundo as espécies, serem: insectívoros, nectaríferos e poliníferos, frugívoros, carnívoros, piscívoros ou hematófagos. Alguns descobriram que o néctar e o pólen são muito nutritivoros (por ex. Eidolom helvum) e aperfeiçoaram a sua técnica de voo de modo a poderem pairar no ar, como os beija-flores, recolhendo o néctar que extraem com a língua fina e comprida. Algumas plantas utilizam mesmo os morcegos como agentes de polinização, do mesmo modo que um grande número se serve dos insectos para o mesmo fim. Alguns cactos, por exemplo, só abrem à noite as suas grandes flores, resistentes e descoradas, pois no escuro as cores não têm significado. O perfume que exalam é, porém, intenso e as pétalas projectam-se bem acima da armadura de espinhos do caule, permitindo que os morcegos se aproximem sem ferirem as membranas alares (patágios).
Os morcegos de maiores dimensões são frugívoros (por ex. Pteropus giganteus). Conhecidos também como “raposas-voadoras”, receberam essa designação não só pelo seu tamanho - as asas podem atingir por vezes 1.5 m de envergadura - mas também pelo seu pêlo castanho-avermelhado e o seu focinho semelhante ao das raposas. Possuem olhos grandes e orelhas pequenas, não utilizando o sonar para o voo. Não vivem em grutas, como a maioria dos seus parentes insectívoros, mas no cimo das árvores, onde se penduram em grupos numerosos e ruidosos. A sua silhueta é diferente da de uma ave, pois não apresentam uma cauda projectada do corpo e o seu voo é bastante diferente do voo quebrado e difícil dos morcegos insectívoros; as suas asas batem regularmente mantendo-se numa trajectória firme e determinada pelo seu nocturno.
Outros morcegos alimentam-se de carne (por ex. Megaderma lyrra). Alguns atacam aves nos seus poleiros, rãs, lagartos pequenos e invertebrados, havendo mesmo notícia de uma espécie que se alimenta de morcegos. Também existem morcegos que se alimentam de peixes (por ex. Noctílio leporinus). Ao entardecer percorrem as lagoas, lagos e mesmo mares em busca de presas, as quais capturam com o auxílio das suas garras em forma de gancho e matam com uma poderosa dentada.
Os morcegos hematófagos (por ex. Desmodus rotundus), normalmente conhecidos por “morcegos-vampiros”, atingiram um elevado grau de especialização. Os seus dentes da frente têm a forma de duas navalhas triangulares e a sua saliva contém uma substância anticoagulante, de modo que quando as suas vítimas começam a sangrar o sangue continue a fluir durante o tempo necessário, antes que se forme um coágulo. Normalmente os morcegos-vampiros escolhem mamíferos adormecidos, vacas ou mesmo homens, instalando-se ao lado do ferimento previamente produzido e lambem o sangue até ficarem saciados.
Os morcegos cavernícolas de Portugal
As 24 espécies de morcegos que se conhecem no nosso país (Palmeirim, em publ.), mais de um terço dos mamíferos da nossa fauna, são na totalidade insectívoros. Pouco se conhece acerca das espécies Myotis mystacinus [Morcego-de-Bigodes], Nyctalus lasiopterus [Morcego-Arborícola-Grande], Nyctalus noctula [Morcego-Arborícola], Pipistrellus nathusii [Morcego-de-Nathusius], Pipistrellus savii [Morcego-de-Savi] e Myotis bechsteinii [Morcego-de-Bechstein] porque são bastante raras não sendo vistas no nosso território há já alguns anos. As Barbastella barbastellus [Morcego-Negro], Plecotus auritus [Morcego-Orelhudo-Castanho], Nyctalus leisleri [Morcego-Arborícola-Pequeno], Myotis nattereri [Morcego-de-Franja] e Myotis emarginatus [Morcego-Lanudo] são localizadas pontualmente e a Myotis bechsteinii [Morcego-de-Bechstein] é muito rara. Apesar da Tadarida teniotis [Morcego-Rabudo] se encontrar em pequeno número pensa-se, contudo, que seja uma espécie mais comum do que os dados de que se dispõe levariam à primeira vista a pensar. As espécies mais abundantes são a Pipistrellus pipistrellus [Morcego-Anão], Pipistrellus kuhlii [Morcego-de-Khul], Plecotus austriacus [Morcego-Orelhudo-Cinzento], Myotis daubentonii [Morcego-de-Água] e Eptesicus serotinus [Morcego-Hortelão]. Contudo também se encontra no nosso país consideráveis populações de Rhinolophus ferrumequinum [Morcego-de-Ferradura-Grande], Rhinolophus hipposideros [Morcego-de-Ferradura-Pequeno], Rhinolophus mehelyi [Morcego-de-Ferradura-Mourisco], Myotis myotis [Morcego-Rato-Grande], Myotis blythii [Morcego-de-Brandt] e Miniopterus schereibersii [Morcego-de-Peluche].
A fauna de morcegos da Península Ibérica parece não incluir nenhumas formas endémicas, o que contrasta com o alto grau de endemismo observável nas formas não voadoras dos grupos de mamíferos da península (Almaça, 1971). Além disso, a relativa riqueza da fauna de quirópteros de Portugal reflecte uma falta de isolamento da Península Ibérica em relação ao número de espécies ao caminharmos de nordeste da península para sudoeste, ou seja, não ocorre efeito peninsular nas populações de morcegos ibéricos.
Tal como noutros países europeus, onde existem morcegos, a fauna de quirópteros de Portugal é dominada por espécies palearticas. Contudo a não existência de espécies setentrionais, como a Vespertilio murinus [Morcego-Bicolor] e a Eptisicus nilssoni [Morcego-Hortelão-do-Norte], e a presença de muitas espécies meridionais dá à fauna de quirópteros do nosso país um carácter marcadamente meridional.
Apesar das relativamente pequenas proporções do nosso território verifica-se um claro gradiente na composição da fauna de morcegos, de norte para sul, e da relativa abundância das várias espécies; é assim que certas espécies estão representadas em pequeno número em certas regiões tornando-se mais representativas ao caminharmos para sul ou para norte.
Cerca de metade das 24 espécies de morcegos conhecidas em Portugal utilizam grutas naturais como abrigo, entre elas destacam-se duas famílias que pela sua frequência requerem uma particular atenção: a Vespertilionidae e a Rhinolophidae. A primeira comporta em Portugal cinco géneros e 18 espécies. Das 18 espécies a Myotis myotis e a Myotis blythii são aquelas que em maior número ocorrem nas nossas grutas, formando aí grandes colónias (por vezes com milhares de indivíduos), quer na época de reprodução, que se prolonga entre os meses de Março a Maio, quer na época fria quando estão em período de hibernação.
No que respeita à família Rhinolophidae são quatro as espécies que estão descritas em Portugal; tal como as espécies da família anteriormente referida formam colónias em grutas, no entanto, em menor número do que essas. Normalmente agrupam-se em pequenos “bandos” de três a seis indivíduos, encontrando-se muitas vezes apenas um a dois indivíduos o que acontece frequentemente com os machos (Palmeirim, 1985). Por esse motivo são espécies mais vulneráveis, estando mesmo uma delas - Rhinolophus ferrumequinum - citada no “Red Book” (publicação que menciona as espécies de morcegos ameaçadas de extinção).
Extinção?
Durante as últimas décadas as populações de morcegos cavernícolas das regiões temperadas têm, em geral, vindo a diminui. Em Portugal não se possuem informações detalhadas sobre as populações de morcegos do nosso território, ao contrário do que sucede em muitos outros países da Europa, não tendo sido realizados trabalhos que permitam quantificar os reais decréscimos do número de quirópteros. No entanto, as observações, mais ou menos sistematizadas, que se têm vindo a empreender ao longo dos anos, sobretudo por parte de investigadores ligados ao Departamento de Antropologia e Zoologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, dão quase a “certeza” de que os seus efectivos têm vindo a decrescer consideravelmente.
As causas da diminuição das populações de morcegos são inúmeras e variadas, contudo, no nosso país, parecem ser três os factores de principal importância e responsabilidade no decréscimo dessas populações. O primeiro factor, o uso e abuso de pesticidas na agricultura, afecta os morcegos na medida em que além de provocarem uma diminuição daquilo de que estes se alimentam, faz com que ao alimentarem-se de insectos contaminados acumulem nos seus tecidos quantidades de organocloretos que, se não forem letais, são com certeza prejudiciais ao seu normal desenvolvimento.
Usualmente no topo das pirâmides alimentares e necessitando de grandes quantidades de alimento, os morcegos insectívoros facilmente acumulam organocloretos (Esher, Wolfe & Koch, 1980), por exemplo, nos Estados Unidos encontram-se altas concentrações de resíduos de pesticidas em morcegos mortos analizados pelo Nature Conservancy’s Monks Wool Experimental Station. Experiências laboratoriais vieram demonstrar que quantidades similares às encontradas nesses morcegos são suficientes para lhe causar a morte.
O paradoxal de toda esta história é que a protecção dos quirópteros pode contribuir para a diminuição das populações de determinados insectos prejudiciais à agricultura. Os morcegos tendo como base alimentar inúmeras espécies de insectos, particularmente borboletas nocturnas (cujos estados larvares se tornam, por vezes, pragas catastróficas para certas culturas) podem eliminar algumas toneladas desses artrópodes numa só noite. Brosset e Deboutteville (1986) referem que um morcego consome diariamente um número de insectos aproximadamente igual ao seu peso, contudo o homem continua a usar os pesticidas em vez da luta biológica. De facto, existem numerosos pesticidas destinados a combater as pragas que afectam a agricultura, no entanto, os seus efeitos sobre os ecossistemas são de difícil controlo e, por vezes, catastróficos, podendo mesmo alguns dos constituintes desses produtos chegarem às populações humanas, através da sua alimentação, causando-lhes eventuais prejuízos de saúde.
O segundo factor, destruição do habitat, vem na sequência de uma procura cada vez maior de terrenos de cultivo ou florestação, urbanização, empreendimentos turísticos ou outros, sem que para tal se faça um ordenamento do território. Sob o baluarte do desenvolvimento e do progresso todos os dias se rouba mais um pouco à natureza com vista à implantação de sistemas artificiais, obtendo-se quase sempre e infelizmente por soluções fáceis ou manifestos de ignorância. Assim se assiste à redução de muitos habitats naturais e roturas nos ecossistemas respectivos, com consequências directas nas numerosas espécies que ai vivem.
A redução da área de muitos habitats está certamente a afectar a população de quirópteros. A destruição de abrigos como grutas, minas, casas abandonadas ou em ruínas e troncos de árvores envelhecidas, assim como a destruição dos locais de criação dos meios de subsistência dos morcegos, faz com que destes só os mais aptos ganhem a luta pela vida, ficando para trás os fracos, doentes ou mal alimentados.
O terceiro, e último factor, a perturbação das colónias de quirópteros cavernícolas por parte de visitantes de ocasião e “espeleólogos” desinformados, é provavelmente o factor mais importante de declínio das populações de morcegos. Sabendo-se que as populações de quirópteros são particularmente frágeis devido à sua baixa taxa de reprodução, tendo em geral cada fêmea uma cria por ano e raras vezes duas crias, é licito pensar que as populações que tenham sido numericamente afectadas recuperem muito lentamente os seus efectivos.
Daí que as perturbações com consequente diminuição do número de morcegos sejam de extrema importância e gravidade, podendo levar inclusivamente, se forem persistentes e duradouras, à ruptura das colónias de quirópteros com consequente abandono das grutas-abrigo constantemente importunadas.
Na época de criação, a perturbação das colónias pode provocar uma alta mortalidade entre os juvenis, que caem do tecto no meio da confusão, ou mesmo levar ao abandono da gruta como local de criação.
Durante os meses quentes do ano os morcegos insectívoros acumulam energia no seu corpo de modo a sobreviverem à falta de alimento do Inverno, entretanto então no período de hibernação como vista a minimizarem os gastos energéticos. Se as reservas alimentares acumuladas não forem suficientes para toda a época fria os morcegos incapazes de se alimentar terão grandes probabilidades de morrer. Daí que se a hibernação for frequentemente interrompida, por visitantes de ocasião e pseudo-espeleólogos, os morcegos ao serem levados a gastos energéticos desnecessários e prejudiciais arriscam-se a não sobreviverem até à Primavera, época em que poderão novamente caçar no céu nocturno.
Se as incursões no mundo subterrâneo levadas a efeito por curiosos são prejudiciais, por se cometerem inúmeros erros devido a puro desconhecimento, há no entanto incursões com fins puramente destrutivos, que se devem repudiar convictamente. Podendo-se compreender que, por exemplo, na Catalunha se cacem morcegos para confeccionar iguarias gastronómicas é, contudo, incompreensível e condenável que se matem esses inofensivos animais pelo simples prazer sádico de matar.
A perturbação das populações de morcegos toma proporções particularmente gravosas na província algarvia. A afluência, ao longo dos anos, de grande número de pessoas a certas grutas dessa região - a que não estará alheio o facto de virem assinaladas em alguns mapas e guias turísticos e serem de fácil acesso - tem vindo a degradá-las de um modo rápido e irreversível. Sendo algumas delas local de hibernação e/ou criação de morcegos (Gruta de Ibne Ammar, Igrejinha dos Soídos, Salustreiras, Lapa da Pena e Arrifes), chegando a ser visitadas por centenas de pessoas durante o ano - como é o caso das Salustreiras - tem-se verificado uma diminuição sensível dos efectivos das populações de morcegos cavernícolas do Algarve.
Protecção dos morcegos
Das 24 espécies de morcegos conhecidas em Portugal cerca de metade utilizam grutas naturais como abrigo (Palmeirim). A população de algumas dessas espécies encontrando-se concentradas nas poucas grutas que reúnem os requisitos ambientais necessários, chegando a formar colónias com milhares de indivíduos, torna-se particularmente vulnerável.
A situação de ameaça de extinção em que se encontram muitas espécies europeias torna imperativa a defesa das colónias contra a perturbação das grutas-abrigo mais importantes e significativas.
O desaparecimento de uma colónia não é só grave para o património faunístico, como tem consequências, difíceis de avaliar, nos ecossistemas da região e das próprias grutas (onde se poderá verificar o colapso da comunidade de invertebrados cavernícolas). O guano que se acumula no interior das cavernas, prova do sucesso alimentar dos morcegos, tem um grande interesse bacteriológico e além disso é a base, o suporte, de uma fauna particular; podemos mesmo considerar uma verdadeira biocenose do guano. Nessa biocenose encontramos os guanófilos que se alimentam de guanóbios. Com o desaparecimento da colónia de morcegos, acaba o fornecimento de guano, regularmente depositado no solo da cavidade, com a subsequente extinção dos invertebrados do guano (guanóbios e guanófilos).
Em Portugal, ainda que haja evidência de perdas importantes para os morcegos cavernícolas, existem boas populações de várias espécies consideradas ameaçadas a nível europeu. Estão entre elas Myotis myotis, Myotis blythii, Miniopterus schereibersii, Rhinolophus hipposiderus e Rhinolophus mehelyi (segundo o prof. J. Palmeirim). A fim de proteger essas populações e visto que se verifica um aumento do número de grupos de espeleologia, sobretudo devido ao impulso dado pela criação da Federação Portuguesa de Espeleologia, há necessidade de regulamentar o acesso de pessoas às grutas de maior importância como abrigos de morcegos, estratégia que tem tido sucesso noutros países (Tuttle, 1986). Porém para maximizar a eficácia das medidas conservacionistas, há que conhecer a biologia populacional das espécies a proteger e em especial os seus movimentos.
Esta necessidade pode ser ilustrada com Myotis schereibersii espécie que parece estar dividida em populações bem definidas cujos indivíduos se reúnem sempre na mesma gruta durante a época de criação. Com a aproximação do Inverno, a colónia desloca-se para uma ou mais grutas que reúnam as condições necessárias para a hibernação. Para proteger uma população de Myotis schereibersii é portanto necessário conhecer o seu ciclo anual de movimentos. Só assim se poderão proteger as grutas que ocupam ao longo do ano durante as épocas apropriadas.
Estudos em Portugal
Os estudos base para a preparação de um plano de protecção dos morcegos cavernícolas de Portugal, coordenados pelo prof. Jorge M. Palmeirim, têm como objectivo primordial adquirir conhecimentos sobre a biologia populacional dos morcegos do nosso país com vista à sua salvaguarda.
Com o trabalho em curso os responsáveis pelo projecto pretendem ficar na posse dos dados necessários que permitam elaborar um plano viável e com a máxima eficiência se tomem as medidas de conservação e protecção ajustadas. Para tal, estão em curso, desde Janeiro de 1987, uma série de estudos de campo e de gabinete para determinar quais as grutas mais importantes para as colónias de criação e de hibernação, quais as épocas críticas de cada gruta e qual o tamanho passado e presente de cada colónia.
Os resultados do projecto em curso permitirão que seja feita uma listagem das grutas que necessitam de protecção e determinar os períodos em que esta é necessária; além disso, as anilhagens que se estão a efectuar, com posterior recaptura de grande número de morcegos poderá, a médio prazo fornecer dados sobre as taxas de sobrevivência das espécies em estudo (Humphrey e Cope, 1976; Stevensons e Tuttle, 1981), estes dados poderão ser úteis, não só no planeamento de novas acções de conservação mas também na avaliação das acções implementadas.
Uma das formas de evitar as visitas em épocas críticas de criação e/ou hibernação seria o fecho das entradas das grutas de mais fácil acesso, mediante a utilização de grades que não afectassem a passagem dos morcegos e não alterassem o clima da gruta (Tuttle, 1977). Essas grutas permaneceriam abertas durante o período em que as visitas humanas não prejudicassem seriamente as populações de morcegos, podendo-se inclusivamente colocar à entrada uma placa metálica com indicações acerca da cavidade, das causas do seu fecho e, se possível, as datas de encerramento e abertura.
Até que se tomem as devidas medidas de protecção e considerando que as populações de quirópteros têm vindo a ser sistematicamente reduzidas quer pelo abate directo de indivíduos e a perturbação de colónias quer por outras diversas razões e considerando que os quirópteros são um grupo de animais com papel importante no equilíbrio natural dos ecossistemas, bem como um potencial científico pela sua diversidade de espécies e hábitos, é necessário que os espeleólogos, como amantes do mundo subterrâneo, evitem perturbar e não deixem perturbar as grutas-abrigo.
Em Portugal os quirópteros estão protegidos pelo Decreto-Lei nº 354-A/74 sem que, no entanto, na prática se verifique o disposto na referida lei. Será que os quirópteros estão ao “Deus-dará” ou ainda continuamos nos tempos das harpias e dos “pássaros das bruxas”?
Bibliografia
● Diane ACKERMAN: A reporter at large;
New Yorker, Fev. 29, 1988.
● Deodália DIAS & Maria João RAMOS: Inventário da Fauna de Quirópteros do Algarve, proposta para a sua protecção;
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● Deodália DIAS: Os Morcegos;
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● Jorge M. PALMEIRIM: Estudos Base para a preparação de um plano de protecção dos morcegos cavernícolas em Portugal (Proposta de trabalho de investigação);
Departamento de Zoologia e Antropologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
● J. M. PALMEIRIM: Status of Bats in Portugal;
Departamento de Zoologia e Antropologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
● J. M. PALMEIRIM: Important Habitats and Roosts;
Departamento de Zoologia e Antropologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
● J. M. PALMEIRIM: Comunicação proferida no I Congresso Nacional de Espeleologia organizado pela Federação Portuguesa de Espeleologia (1 a 3 de Abril de 1988
● J. M. PALMEIRIM: Bat Conservation and Management;
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● R. E. STEBBINGS: Conservation Measures for Bats
● Pedro CUIÇA: Este Algarve Subterrâneo ou a Critica da Destruição do Carso Algarvio;
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● Pedro CUIÇA: O Algarve Subterrâneo em Perigo;
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● Pedro CUIÇA: Destruição das Grutas Algarvias;
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● David ATTENBOROUG: Adaptação do corpo dos morcegos à vida no ar;
in A Vida na Terra, Reader’s Digest.
● Decreto-Lei nº 354-A/74, de 14 de Agosto
● Norbert CASTERET: Veinticinco Años entre Murciélagos;
in Mi Vida Subterranea, Ed. Bruguera, S.A..
● Maria Manuela da GAMA: Morcegos de Portugal - Chaves para a sua identificação;
in Mamíferos de Portugal.
[Será de referir que a forma pouco usual de apresentar a bibliografia foi uma opção dos editores da revista. Reproduzimos apenas as imagens que entregámos para publicação.]