22/02/2008

Grutas Algarvias

[Jornal O Algarve ● Ano 81, nº 4063, 8 a 14/09/1988, pp. 1 e 9]

Destruição das Grutas Algarvias

A afluência, ao longo dos anos, de grande número de indivíduos a certas grutas algarvias - a que não estará alheio o facto de virem assinaladas em alguns mapas e guias turísticos - tem vindo a degradá-las de maneira rápida e irreversível. Sendo algumas delas local de hibernação e/ou criação de morcegos (Gruta de Ibne Ammar, Igrejinha dos Soidos, Salustreiras, Lapa da Pena e Arrifes) chegando a ser visitadas por centenas de pessoas durante o ano - como é o caso das Salustreiras -, advindo daí graves prejuízos para população de quirópteros, é urgente que se tomem as necessárias medidas de protecção.
Durante as últimas décadas as populações de morcegos cavernícolas das regiões temperadas têm, em geral, vindo a diminuir, sendo a causa principal dessa diminuição a perturbação dos abrigos por parte de visitantes de ocasião. Este problema tem particular importância na província algarvia devido ao facto das cavernas habitadas por morcegos serem, na sua grande maioria, de muito fácil acesso; as populações de quirópteros encontrando-se concentradas nas poucas grutas que reúnem os requisitos ambientais favoráveis tornam-se particularmente frágeis, facto agravado pela baixa natalidade que caracteriza esses animais.
A diminuição do número de morcegos de uma gruta pode provocar o colapso da fauna associada ao guano (guanóbios e guanófilos) originando-se a destruição de todo um ecossistema de características únicas. Além da perturbação dos morcegos verifica-se uma delapidação na generalidade das cavidades algarvias, sendo os casos de características mais graves as que se verificam nas grutas atrás referidas e no Cerro da Cabeça (249 m).
Nesse cerro encontra-se um megalapiás onde dominam os grandes dorsos de superfícies lisas e arredondadas, relevos cónicos e pedunculados, torres, blocos isolados, arcos, etc., distribuindo-se densamente em toda a elevação. Os dorsos e as torres estão separados por fendas estreitas entulhadas de calhaus, que por vezes formam pias de fundo rochoso e cheio de blocos ,ou, então, por corredores (bogaz). Frequentemente as pias escavadas no lapiás prolongam-se em profundidade por algares, geralmente de boca estreita e obstruídos por blocos (Algar do Próximo), mas por vezes de dimensões suficientemente grandes formando profundas cavidades (Algar Medusa).
No Cerro da Cabeça encontram-se as grutas mais profundas conhecidas no Algarve; tendo-se inventariado cerca de uma centena de cavidades nessa elevação, o que só por si evidencia a importância da mesma. O elevado estado de degradação em que se encontram as grutas do Cerro da Cabeça, assim como a destruição das instalações de apoio aos espeleólogos (casa de abrigo e miradouro), juntamente com a acção d pedreira situada a SE dessa elevação e as consequências da possível abertura da Gruta da Senhora ao turismo, perspectivam a perda de uma das mais belas zonas cársicas do Algarve.
Quando, em 1877, Estácio da Veiga foi encarregue, por parte do governo de então, do Estudo Geral das Antiguidades do Algarve, propôs que fossem, antes de mais estudadas as cavernas. O governo, temendo a demora e os custos que iriam comportar os trabalhos, idênticos aos que tinham sido efectuados por Schemerling e Dupont nas grutas da Bélgica, rejeitou a proposta.
Anos mais tarde, Ataíde Oliveira escrevia na Monografia de Estombar: “ficam aqui recomendadas para quando alguma vez haja governos neste paiz que comprehendendo o alto interesse que em todas as nações cultas está inspirando o estudo das cavernas, saibam dar por bem empregue o tempo e o dispêndio que reclamam estes estenuantes trabalhos, que tantas revelações hão ministrado com relação às raças e ao grau de civilizações dos mais remotos povos.” Sendo as grutas uma das características mais vincadas do Barrocal algarvio , apesar da pouca importância que as autoridades regionais e centrais até agora lhe têm dedicado, é premente que se estimule e apoie o estudo das mesmas implementando a sua protecção; com vista a evitar a destruição a que têm sido sujeitas e no futuro não se optar por soluções fáceis no tocante à construção civil e obras públicas que provoquem a degradação do Carso algarvio e a poluição dos aquíferos cársicos associados.
O surgimento tardio da espeleologia em Portugal (podemos considerar o seu início no ano de 1948) pouco contribuiu para o conhecimento e estudo das cavidades algarvias. Os grupos que se criaram na região, devido essencialmente à ausência de um plano regional de trabalho, à falta de conhecimentos e aos fracos recursos económicos, sofreram desde sempre de uma inconstância existencial de que resultaram a perda dos estudos dos mesmos, porque encerrados no olvido das gavetas das suas sedes. A falta de uma licenciatura ou bacharelato em espeleologia, aliada a uma inexistência de legislação que proteja as grutas do nosso país, implica que o baixo nível científico da generalidade dos espeleólogos e as incursões de curiosos tenham e estejam a degradar o “Algarve Subterrâneo”.
A situação actual em que se encontram algumas das cerca de 300 grutas conhecidas no Algarve leva-nos a afirmar que, se não houver uma abordagem séria do problema, arriscamo-nos a que, quando houver governos neste país que compreendam o alto interesse, que em todas as nações cultas está inspirando o estudo das cavernas, já não existem cavidades em condições de se empreenderem estudos. Seria uma situação triste e manifesto de ignorância.

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