25/02/2008

Morcegos e Gralhas

[Revista Ciência ● Série VI, nº 2, Março 1992, pp. 36-42]

As gralhas-de-bico-vermelho e os morcegos cavernícolas: impacto antropogénico devido a incursões às grutas do nosso país

Outros animais que, a par das gralhas-de-bico-vermelho, têm sofrido as incursões antrópicas nas grutas do nosso país são os morcegos. Das 24 espécies de morcegos conhecidas em Portugal cerca de metade utilizam grutas naturais como abrigo, destacando-se entre elas duas famílias que, pela sua frequência, requerem uma particular atenção: a Vespertilionidae e a Rhinolophidae. A primeira comporta em Portugal cinco géneros e 18 espécies. Dessas espécies a Myotis myotis e a Myotis blythii são aquelas que em maior número ocorrem nas nossas grutas, formando aí grandes colónias (por vezes com milhares de indivíduos), quer na época de reprodução, quer na época fria quando estão em período de hibernação. No que respeita à família Rhinolophidae são quatro as espécies que estão descritas em Portugal. Tal como as espécies da família anteriormente referida, formam colónias em grutas; no entanto, em menor número do que essas, normalmente agrupando-se em pequenos “bandos”, encontrando-se muitas vezes apenas um a dois indivíduos o que acontece frequentemente com os machos (Palmeirim, 1985). Por esse motivo são espécies mais vulneráveis, estando mesmo uma delas - Rhinolophus ferrumequinum - citada no “Red Book”, publicação da União Europeia par a Conservação da Natureza onde se mencionam as espécies de morcegos ameaçadas de extinção.
Apesar de não se possuírem dados que permitam quantificar os reais decréscimos do número de quirópteros em Portugal, durante as últimas décadas as populações de morcegos cavernícolas têm vindo a diminui. As causas principais responsáveis pela diminuição das populações de morcegos no nosso país parecem ser, essencialmente, três. A primeira é a utilização excessiva de pesticidas na agricultura, que afecta os morcegos porque, para além de provocar uma diminuição dos insectos de que estes se alimentam, provoca uma acumulação de organocloretos no seu corpo que mesmo que não sejam letais, são certamente prejudiciais ao normal desenvolvimento do seu organismo. A segunda causa é a destruição do habitat, que vem na sequência de uma procura cada vez maior de terrenos de cultivo ou florestação, urbanização, empreendimentos turísticos, ou outros, sem que para tal se faça um ordenamento do território ou estudos de impacte ambiental sérios, ou seja, que coloquem os interesses ambientais à frente dos económicos. Sob o baluarte do desenvolvimento e do progresso todos os dias se rouba mais um pouco à natureza com vista à implantação de sistemas artificiais, optando-se quase sempre e infelizmente por soluções fáceis ou manifestos de ignorância. A destruição de abrigos como grutas, minas, casas abandonadas ou em ruínas e troncos de árvores envelhecidas, assim como a destruição dos locais de criação dos meios de subsistência dos morcegos, faz com que estes tenham, cada vez mais, uma maior dificuldade de sobrevivência. Por último, a terceira causa é a perturbação das colónias de quirópteros cavernícolas por parte de visitantes de ocasião e “espeleólogos”, sendo esse provavelmente o factor mais importante de declínio das populações de morcegos. Sabendo-se que as populações de quirópteros são particularmente frágeis devido à sua baixa taxa de reprodução, tendo em geral cada fêmea uma cria por ano e raras vezes duas crias, é licito pensar que as populações que tenham sido numericamente afectadas recuperem muito lentamente os seus efectivos.Na época de criação, a perturbação das colónias pode provocar uma alta mortalidade entre os juvenis, que caem do tecto no meio da confusão, ou mesmo levar ao abandono da gruta como local de criação.
Durante os meses quentes do ano os morcegos insectívoros acumulam energia no seu corpo de modo a sobreviverem à falta de alimento do Inverno, entrando em período de hibernação como vista a minimizarem os gastos energéticos. Se as reservas alimentares acumuladas não forem suficientes para toda a época fria, os morcegos incapazes de se alimentarem terão grandes probabilidades de morrer. Daí que, se a hibernação for frequentemente interrompida por pessoas, os morcegos ao serem levados a gastos energéticos não só desnecessários como prejudiciais, arriscam-se a não sobreviverem até à Primavera, época em que poderão novamente caçar no céu nocturno.
A perturbação das populações de morcegos toma proporções particularmente gravosas na província algarvia, devido ao fácil acesso que, em geral, as grutas dessa província apresentam.
A situação de ameaça de extinção em que se encontram muitas espécies de morcegos europeias torna imperativa a defesa das suas colónias contra as perturbações das suas grutas-abrigo mais importantes e significativas. O desaparecimento de uma colónia não é só grave para o património faunístico, como tem consequências difíceis de avaliar nos ecossistemas da região e das próprias grutas (onde se poderá verificar o colapso da comunidade de invertebrados cavernícolas). O guano de morcego que se acumula no interior das cavernas tem um grande interesse bacteriológico e além disso é o suporte de uma fauna particular, podendo-se considerar uma verdadeira biocenose do guano (guanóbios e guanófilos).
A fim de proteger as populações de morcegos e biocenoses do guano a ele associadas e visto que se verifica um aumento do número de “grupos de espeleologia”, sobretudo devido ao impulso dado pela criação da Federação Portuguesa de Espeleologia (FPE) e mudança de estatutos da Sociedade Portuguesa de Espeleologia (SPE), juntamente com o incremento de acções de divulgação dessa “modalidade”, há necessidade de regulamentar o acesso de pessoas às grutas de maior importância como abrigos de morcegos (assim como os algares em que se verifica nidificação da Gralha-de-bico-vermelho) estratégia que tem tido sucesso noutros países (segundo Tuttle, 1986).
Os estudos-base para a preparação de um plano de protecção dos morcegos cavernícolas de Portugal, em curso desde Janeiro de 1987, coordenados pelo professor Jorge M. Palmeirim, assim como os trabalhos que dedicam especial atenção à problemática da conservação da Gralha-de-bico-vermelho, iniciados em 1986, coordenados pelo biólogo João Carlos Farinha, permitirão que seja efectuada uma listagem das grutas que necessitam de protecção e determinar os períodos em que a mesma é necessária.
Uma das formas de evitar as visitas às grutas em épocas críticas de criação e/ou hibernação de morcegos (Março a Maio e Novembro a Março, respectivamente), seria o fecho das entradas das grutas de mais fácil acesso, mediante a utilização de grades que não afectassem a passagem desses animais e não alterassem o clima da gruta (segundo Tuttle, 1977). No caso da Gralha-de-bico-vermelho, cujo período de nidificação nos algares (da segunda quinzena de Março a finais de Maio), seria útil a vigilância das cavidade utilizadas por essas aves por parte das entidades competentes do PNSAC, conjuntamente com o incremento de campanhas de sensibilização das populações do Parque e dos “espeleólogos” frequentadores da zona referida no que diz respeito à protecção dessas aves. No entanto, e antes que se tomem as devidas medidas proteccionistas, fica a recomendação a quem frequente as grutas do nosso país para o cuidado que devem ter, nos meses de Novembro a Maio de não descerem algares frequentado pela Gralha-de-bico-vermelho.


Bibliografia
● CUIÇA, Pedro (1988): Morcegos - Perigo de Extinção;
Futuro, 23 (Ano II, 1988.12)

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