Incursões de Verão
[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 141, 8 de Agosto de 1997]
Algarão da Bita (Algarve) © Pedro Cuiça (1996)
Sol, calor, praia e mar. A tradicional imagem de marca do Algarve que faz com que muitos continuem a escolher este destino de férias. No entanto, a degradação do Litoral provocou acesas críticas à qualidade do turismo da região. A alternativa volta-se agora para a Serra e para o Barrocal algarvios. Será que se irão repetir os erros do passado?
Desde há uns anos que o Algarve tem sido vítima de um fenómeno bastante sui-generis. Durante o Verão é invadido por turistas nacionais e estrangeiros em busca das míticas praias e da fama granjeada como destino de eleição. O resto do ano ficam-se a carpir os males da região. As infindáveis filas de trânsito para chegar até à praia (com o ruído e o stress inerentes), a descaracterização de diversos núcleos urbanos (de que Quarteira constitui um caso paradigmático) e da paisagem (sobretudo no Litoral). O certo é que todos os anos o fenómeno repete-se e invariavelmente o mês de Agosto é o período eleito pela maioria dos veraneantes.
Quem se encontra “a-banhos” no Algarve geralmente desconhece as riquezas escondidas no Barrocal e na Serra da região. Aqueles que se encontram a gozar as férias frequentemente ficam-se pelas tórridas praias e pelos neóns das noites do Litoral algarvio.
No entanto, como as marcas da modernidade já fizeram das suas, nesse Litoral sobre-explorado, a Serra e, sobretudo, o Barrocal começaram a atrair os investigadores. O turismo rural, o ecoturismo, as actividades de ar livre e outras novas formas de abordagem do meio surgem nesses terrenos ainda pouco explorados e cada vez mais constroem-se casas nas colinas do Barrocal e nas serras do Caldeirão e de Monchique, alterando marcadamente a paisagem.
Quem percorre a Via do Infante certamente já deu conta da proliferação de casas que se encontram indiscriminadamente distribuídas pelas vertentes e linhas de cumeada.
O Cerro da Bita (119 m), situado a sul da Via do Infante, constitui um bom exemplo das pressões económicas e demográficas que se fazem sentir no “Algarve profundo”. Na beira da estrada que liga Moncarapacho a Estoi (EN 516), no Algarve Central, a cerca de três quilómetros a poente da aldeia de Moncarapacho, essa pequena elevação passaria desapercebida, a não ser pela presença de antenas e marco geodésico no cimo da mesma. No entanto, nesse local localiza-se um lapiás de pequena extensão mas de grande beleza e uma gruta com desenvolvimento considerável (tendo em conta a extensão das cavidades do distrito).
De facto, a vertente norte e parte das encostas leste e oeste do Cerro da Bita encontram-se decoradas por bonito lapiás. Entre os afloramentos desenvolve-se um denso matagal que atinge, em certos locais, metro e meio de altura. Em contraste, nas restantes vertentes o lapiás não aflora e o matagal dá lugar a vegetação esparsa onde se destaca o tomilho.
O Algarão da Bita e o lapiás que aflora no local não seriam dignos de noticia, pois existem diversos exemplos semelhantes na região, não fosse o facto de estarem a ser cercados pelo progresso. A oeste da Bita implantou-se uma urbanização semelhante a tantas outras por demais conhecidas no litoral, no topo do serro edificaram-se antenas e construções de apoio (a juntar ao tradicional vértice geodésico ai existente) e uma estrada rasga o monte até ao seu topo, a sul a EN 516 marca o limite e a norte encontra-se uma casa e infra-estruturas agrícolas a poucos metros da gruta e lapiás.
Por outro lado, a actividade humana manifesta-se pela presença de detritos, destruição de vegetação e afloramentos, perturbação da fauna e ruído. A entrada da Gruta da Bita encontra-se parcialmente obstruída por um grande bloco aí colocado por mão humana, junto da entrada uma pintura sobre a rocha anuncia o código de inventário que lhe foi atribuído pelo Centro de Estudos Espeleológicos e Arqueológicos do Algarve (CEEAA) e o interior está bastante vandalizado.
As acções que se empreenderam na Bita e terrenos envolventes já se fazem sentir há vários anos tornando-se difícil, para aquele que não tenha presenciado a evolução do local, ordená-las temporalmente.
Também seria tarefa de somenos interesse. O importante será constatar o ritmo crescente a que as transformações se processaram, o que não augura um futuro animador quer para o lapiás, quer para o Algarão da Bita. Aliás, o importante será extrapolar estas conclusões para a região, pois algo de semelhante se passa um pouco por todo o lado. As pressões estão aí para ficar.
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