Algarve Central © Pedro Cuiça (2008)
Há uns anos atrás era comum ouvir-se uma graçola sobre Portugal ser Lisboa e o resto ser paisagem. Frase que colocaria muitos dos nortenhos da Gloriosa furibundos ou os raríssimos independentistas do Reino do Algarve de cabelos em pé, entre outros susceptíveis regionalistas. De facto, essa frase traduzia simplesmente, de modo jocoso e caricatural (claro está), a realidade de um país ainda pouco urbanizado e maioritariamente rural… Bairrismos à parte, o que nos motiva esta posta é precisamente a paisagem. Mais precisamente, a importância da paisagem e a necessidade da sua preservação. Tema, aliás, que temos vindo a “bater” nesta sequência de postas de Verão dedicadas ao Allarve (perdão, ao Algarve) e, já agora, a todos aqueles que por aí andam a gozar férias. Para além de se entregarem a banhos de sol e de mar, entre outros, pode ser que arranjem um pouco de tempo para meditarem sobre as peculiaridades dessa região.
Não nos detendo sobre o curioso paradoxo de inúmeras pessoas criticarem o Algarve à exaustão (ele é o caos urbanístico, ele são as filas de trânsito, ruído, falta de água, preços inflacionados, mar poluído, praias concessionadas, ementas em inglês, etc., etc., etc.), certo mesmo é que, chegando o Verão (sobretudo o mítico mês de Agosto), todos lá vão “bater com os costados”. Portanto, passemos, então, à paisagem…
Sim, a paisagem: essa “coisa” que, para além de Lisboa, seria o resto de Portugal. O país é pequeno mas, só por isso, já se evidenciaria a suma importância da paisagem. No entanto, e para que não restem dúvidas sobre a importância da mesma, lembramos que até existe um curso universitário - arquitectura paisagista - dedicado exclusivamente à dita, tal como disciplinas tão específicas como a ecologia da paisagem. É certo, também, que hoje em dia já existem cursos universitários sobre tudo e mais alguma coisa, mas pronto, é mais um ponto a favor da paisagem, não é? Sempre ficamos mais descansados por saber que doutas mentes se debruçam sobre estas matérias :)
De forma simplista poderemos dizer que a paisagem é o território que abarcamos visualmente, que nos rodeia e é perceptível através da visão. A paisagem surge como o “resultado, observado pelo Homem, de um sistema complexo e dinâmico de muitos factores naturais e culturais (rocha-mãe, solos, água, relevo, clima, vegetação, uso do solo, estrutura fundiária, povoamento, caminhos e infra-estruturas, etc.), que se influenciam mutuamente e se modificam ao longo do tempo” (Pinto-Correia, 2005).
A paisagem não é, pois, moldada apenas por processos geo-bio-fisico-químicos, nem apenas por acções humanas. “Os processos físicos e as acções antrópicas em conjunto com o raciocínio humano moldam e criam a paisagem. As três dimensões (a geosfera física, a biosfera e a noosfera mental) estão intimamente relacionadas e influenciam-se mutuamente e são afectadas pelas dimensões temporais e espaciais.” (Tress et al., 2000 in Bastian, 2004).
A paisagem surge como um sistema dinâmico onde os diferentes factores, naturais e culturais, se influenciam entre si e evoluem em conjunto, resultando numa configuração particular de relevo, coberto vegetal, uso do solo e povoamento. A percepção da paisagem é, pois e antes de mais, estética e emocional. E, nesse contexto, surge como primordial para o nosso bem-estar mental, sem esquecer a importância de uma paisagem natural ou rural no que concerne à saúde física das pessoas, nomeadamente no tocante à qualidade do ar e à produção de alimentos saudáveis.
Será do conhecimento comum que o conceito de ruralidade diz respeito ao que é relativo, próprio ou pertencente ao campo ou à vida agrícola. No entanto, nos tempos que correm, o conceito de “rural” tende a desvincular-se do que é relativo às actividades agrícolas, na medida em que essas actividades têm vindo a registar uma crescente perda de importância, tanto económica como social, nas áreas rurais, enquanto outras funções, não produtivas, vão sendo valorizadas e assumem maior importância. Por outro lado, as diferenças entre as populações rurais e as urbanas começam também a esbater-se, aumentando a dificuldade de definir o que é urbano e o que é rural.
Actualmente, “o rural e o urbano só se distinguem por referência mútua” (Baptista, 1993), na medida em que parece ser evidente que estas duas realidades têm os seus limites cada vez menos bem definidos, podendo verificar-se que “as diferenças culturais (…) se esbateram e avançou-se na homogeneização dos saberes, hábitos e comportamentos (Baptista, 2000)”.
Numa perspectiva abrangente e holística, Antrop (2005) considera que a multifuncionalidade da paisagem diz respeito aos “usos simultâneos ou consecutivos de um pedaço de terra, sem serem feitas alterações fundamentais na estrutura ou morfologia da paisagem”. Ou seja, é possível o surgimento de outras actividades, a par das tradicionais agricultura e pastorícia, que valorizem o espaço rural sem o descaracterizar e/ou adulterar de forma mais ou menos irreversível. Portanto, não se trata de preservar os últimos dos moicanos ou ser contra o desenvolvimento e as alterações inerentes ao mesmo; trata-se simplesmente de ser contra a degradação paisagística, contra a delapidação do património geológico, contra a diminuição da biodiversidade ou contra a homogeneização cultural. O mundo é composto de mudança e, por isso, não se deve (nem pode) parar o desenvolvimento, mas que seja um desenvolvimento sustentável. Um desenvolvimento que tenha em vista, antes de tudo o mais, a qualidade de vida das populações e a preservação/conservação da natureza.
Algarve Central © Pedro Cuiça (2008)
Algarve Central © Pedro Cuiça (2008)
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