12/07/2011

Nas Profundezas do Sensível

Ainda acerca das Éticas e Estéticas da Terra, da relação do Humano com o Não-Humano, consigo mesmo, com o outro e com a Natureza como um todo de que se faz parte, é fundamental tentar uma aproximação ao pensamento antigo, às origens do sentir/pensar dos nossos ancestrais e, nesse particular, sobre as suas concepções do mundo, nomeadamente no que concerne ao mundo subterrâneo... Sobre essa temática, a obra de David Abram "A Magia do Sensível - Percepção e Linguagem num mundo mais do que humano", editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, revela perspectivas interessantíssimas e catapulta-nos para realidades "muito à frente" (ou atrás?). No capítulo 6, sobre "Tempo, Espaço e o Eclipse da Terra" convém destacar, no contexto das "Profundezas do Sensível", algumas passagens acerca do mundo sub-terra.


"A Emergência é uma das mais sagradas e mais amplamente difundidas crenças entre os nativos da América do Norte de hoje, embora seja particularmente evidente no Sudoeste. Na sua estrutura, a lenda da emergência do povo vindo de debaixo do chão, subindo geralmente por um caniço ou por uma árvore, imita a emergência do solo do milho e outras plantas cultivadas pelas tribos horticultoras do Sudoeste. O povo que sobe dessas profundezas em busca do sol e da chuva é como o milho crescendo através do solo. Mas a Emergência está também aparentada com o processo pelo qual todos os mamíferos, incluindo os humanos, nascem para este mundo emergindo da escuridão do ventre de suas mães para a vastidão da terra aberta. (...)
As cerimónias mais sagradas das tribos que habitam os pueblos têm lugar nos kivas, as câmaras subterrâneas, ou parcialmente subterrâneas, também chamadas "ventres" por grande parte do povo pueblo. Entra-se na kiva descendo por uma escada que passa por um buraco no tecto e, depois da cerimónia, sai-se da kiva subindo para a mesma abertura, a mesma sipapu, voltando a experimentar - e renovando - a emergência primordial ao sair do mundo subterrâneo - tocas, cavernas, canhões, pequenas depressões do solo e até pedras - são consideradas sipapu pelos povos pueblo, e recordam-lhes assim a sua origem debaixo do chão que agora os sustenta. Deste modo, a experiência individual do nascimento é relacionada com a emergência colectiva da vida de debaixo do chão. Similarmente, a morte dos homens, para os povos orais, é não somente um acontecimento pessoal, mas também uma transformação para reentrar na terra, um processo pelo qual a sensibilidade individual se abre para fora indo ao encontro do campo de sensações envolvente e mais-do-que-humano." (Abram, 2007; p. 224-225)

"Assim, nas palavras de Hehaka Sapa, ou Alce Negro, dos Sioux Oglala:

Tudo o que o Poder do Mundo faz é feito em círculo. ... O Vento, o seu maior poder, rodopia. As aves fazem os ninhos em círculos, porque a religião delas é a mesma que a nossa. O Sol nasce e põe-se em círculo. A Lua faz o mesmo, e ambos são redondos. ... Até as estações formam um grande círculo na sua mudança e voltam sempre mais uma vez para onde estavam. A vida do homem é um círculo de infância a infância e é assim em todas as coisas em que a energia se move. ..." (Adam, 2007; p. 190)


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