26/02/2009

A Evolução de Darwin II

Na sequência da "posta" anterior e, igualmente, das comemorações do bicentenário do nascimento de Charles Darwin gostaríamos de destacar a Agenda Cultural da Câmara Municipal de Lisboa. No primeiro caso, porque ao longo do ano poderá informar-se acerca das actividades do Espaço Monsanto (Centro de Interpretação), nomeadamente no tocante às actividades “Na Mira da Mina”, entre outras numerosas e diversas iniciativas. No segundo caso porque a edição de Fevereiro (nº 219) é dedicada a Darwin. Para além da panóplia de informações úteis, a que já nos habituou, esta Agenda Cultural contém uma entrevista a João Caraça, director do Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian, sobre a exposição A Evolução de Darwin (p. 4-9), um artigo da autoria de Rui Cintra intitulado A evolução está na rua (p. 10-19) e uma pequena notícia sobre a exposição A Evolução de Darwin (p. 73). Por razões sobretudo estéticas, mas também de conteúdos, não resistimos a publicar esta “posta” sobre a Agenda Cultural publicada pela Câmara Municipal de Lisboa e reproduzir a sua bonita capa. Mas não fique por aqui, adquira este número e veja também o seu interior…

Monsanto Subterrâneo

A Divisão de Educação e Sensibilização Ambiental (DESA), parte integrante do Departamento de Ambiente e Espaços Verdes da Câmara Municipal de Lisboa, desenvolve anualmente um amplo conjunto de actividades, lúdicas e pedagógicas, dirigidas a diversos públicos. Sejam escolas ou pessoas a título individual, os objectivos centram-se invariavelmente na sensibilização para o desenvolvimento sustentável, na interpretação da natureza e/ou na educação ambiental. É nesse contexto que, durante o presente ano, a DESA realiza, todos os sábados e domingos dos segundos fins-de-semana de cada mês, visitas guiadas a minas de água, abertas ao público em geral. As escolas, dos 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário, poderão efectuar visitas em dias de semana. Ambos os tipos de visitas carecem de marcação prévia.
A iniciativa designada “Na Mira da Mina” numa primeira fase circunscreve-se à Mina de Água Teresa Saldanha e Sousa mas posteriormente estender-se-á a outras minas de água. As visitas iniciam-se no Espaço Monsanto (Centro de Interpretação), são enquadradas por Rui Marques (técnico da DESA) e os participantes são equipados devidamente, com capacete, galochas e iluminação.
Neste momento, a actividade “Na Mira da Mina” centra-se na descoberta da Mina de Água Teresa Saldanha e Sousa, situada no Espaço Biodiversidade do Parque Florestal de Monsanto. Após um primeiro momento de acolhimento e enquadramento, por parte de Rui Marques, os participantes exploram um percurso subterrâneo onde são abordadas várias temáticas, focando em particular a problemática da água e da geologia na Serra de Monsanto e sua envolvente, nomeadamente no que concerne à abertura de diversas minas de água. Actualmente conhecem-se 28 minas de água em Monsanto, das quais cinco são passíveis de serem visitadas.
Esta actividade constitui uma oportunidade única de conhecer outra faceta da Serra de Monsanto (o seu lado subterrâneo), devidamente enquadrado. Esta trata-se de uma iniciativa tão inusual e diferente quanto interessante e cativante. Vá e veja…
A realização das actividades está dependente das condições meteorológicas. Para mais informações ou marcação de visitas, contacte a DESA através do telefone 218 170 200 ou do e-mail desa@cm-lisboa.pt.

Mina de Água Teresa Saldanha e Sousa © Pedro Cuiça (2009)

[fotografia topo: Rui Marques/Mina de Água Teresa Saldanha e Sousa © Pedro Cuiça (2009)]

13/02/2009

Parabéns Martel

E visto que estamos em “maré” de comemorações, não devemos esquecer que no presente ano também se comemora o nascimento daquele que é considerado o pai da espeleologia: Édouard-Alfred Martel. De facto, este grande pioneiro da exploração e estudo das cavernas nasceu em Pontoise (França) no dia 1 de Julho de 1859, há 150 anos. Martel visitou milhares de grutas no seu país e muitas outras no estrangeiro, incluindo Portugal. Donc, félicitations Monsieur Martel...

A Evolução de Darwin

A exposição A Evolução de Darwin encontra-se aberta ao público, na Fundação Calouste Gulbenkian, desde ontem (dia 12 de Fevereiro) até dia 24 de Maio de 2009. O evento integra-se nas comemorações do bicentenário do nascimento de Charles Darwin e dos 150 anos da publicação de A Origem das Espécies.
A Evolução de Darwin trata-se de uma exposição sobre a história das concepções acerca da evolução das espécies desde o século XVIII até aos nossos dias. “A partir de uma recriação da viagem do Beagle, percebemos como Charles Darwin chegou à teoria da Evolução por Selecção Natural e convenceu o mundo de que todas as espécies evoluíram a partir de um ancestral comum.
Esta é sem dúvida uma das melhores exposições a nível mundial sobre Darwin e a evolução; uma iniciativa a não perder. Para mais informações, consulte a Galeria de Exposições Temporárias da Fundação Calouste Gulbenkian (aberta de terça a domingo das 10.00 às 18.00), o site da exposição ou utilize o telefone 217 823 523.


Outra iniciativa, que decorre em paralelo com a referida exposição, trata-se do Ciclo de Conferências A Evolução de Darwin que se inicia hoje, com a palestra À Descoberta da Árvore da Vida, apresentada por Niles Eldredge (do American Museum of Natural History de Nova Iorque), e se estende até Maio do presente ano. O programa do ciclo de converências também pode ser consultado no site da Fundação Calouste Gulbenkian.

Genoma dos neandertais


Svante Pääbo, director do departamento de Antropologia Genética do Instituto Max Planck, anunciou oficialmente, ontem (dia 12 de Fevereiro), no congresso da Associação Americana para o Avanço da Ciência, em Chicago (USA), que a sua equipa conseguiu fazer aquilo que andava há anos a tentar: ler o genoma dos neandertais, “esses homens das cavernas que viveram na Europa e partes da Ásia ao mesmo tempo que os primeiros Homo sapiens sapiens (os nossos avós) – e que se extinguiram, ninguém sabe porquê, há 30 mil anos”.
Os antropólogos e geneticistas do Instituto Max Planck, na Alemanha, e da firma 454 Life Sciences Corp., uma filial do grupo suíço Roche especialista nas técnicas de sequenciação genética, sedeado nos Estados Unidos, sequenciaram mais de três mil milhões de pares base de ADN extraídos de ossos sub-fósseis de três neandertais, provenientes da Gruta de Vindija (Croácia). Para o conseguir, desenvolveram métodos específicos e utilizaram novas técnicas elaboradas especialmente para este projecto de modo a ter a certeza de que estavam realmente a sequenciar o genoma dos neandertais – e não o dos microorganismos que tenham colonizado os ossos, nem o dos próprios técnicos que fizeram a sequenciação. Os humanos actuais e os neandertais partilham entre 99.5 e 99.9 por cento do ADN.
O primeiro “esboço” do genoma dos neandertais ontem apresentado corresponde a cerca de 60 por cento da totalidade do património genético dos neandertais. O trabalho não acabou, mas já revelou novidades. Uma delas, anunciada por Pääbo à BBC News, é que, segundo os resultados preliminares, “não há razão para não terem falado como nós”. Os neandertais tinham a mesma variante que nós de um gene chamado FOXP2, que está associado à linguagem e à fala – ao passo que, por exemplo, os chimpanzés não partilham essa variante do gene. Mas a questão principal que se coloca é a de saber se os neandertais se terão ou não cruzado com os Homo sapiens sapiens.
A sequenciação deste genoma fóssil deverá ajudar a identificar as alterações genéticas que permitiram que os humanos saíssem de África, há 100 mil anos, e se espalhassem pelo mundo. Mas há um enigma que Pääbo não acredita que vá ser resolvido pelos genes: o da extinção dos neandertais. “Não me parece que tenha sido devido ao seu genoma,” disse. “Teve claramente a ver com o ambiente ou com os humanos modernos.

Crânio de Homo neanderthalensis descoberto, em 1908, na gruta de la Chapelle-aux-Saints (França).

12/02/2009

XX Jornadas SEDECK



As XX Jornadas Científicas da SEDECK - Sociedad Española de Espeleologia y Ciências del Karst realizam-se, de 3 a 5 de Abril, em Lekunberri (Navarra).




Programa em castelhano e em basco

"Viernes 3 de Abril / Apirilak 3 Ostirala
20:00h. Recepción en el Hotel Ayestarán (Lekunberri) / Harrera Ayestaran Hotelean

Sábado 4 de Abril / Apirilak 4 Larunbata
9:00h. Entrega de documentación / Dokumentazio banaketa.
9:15h. Bienvenida y presentación de las Jornadas / Ongi etorria eta Jardunaldien aurkezpena. Ana Isabel Ortega (Presidenta de la SEDECK / SEDECKeko Lehendakaria)
Eneko Agirre (Gerente Cuevas de Astitz S.L. / Astitzko Kobak S.M.-ko Gerentea)
9:30h. El contexto geológico de la cueva de Mendukilo: la Sierra de Aralar / Mendukiloko kobaren testuinguru geologikoa: Aralarko Mendizerra. Mª Isabel Millán (Dpto. de Estratigrafía y Paleontología, Facultad de Ciencia y Tecnología UPV / EHUko Zientzia eta Tecnología Fakultateko, Estratigrafia eta Paleontologia Departamentua)
10:10h. Exploraciones Subterráneas en el Aralar Navarro / Lur azpiko esplorazioak Nafarroa aldeko Aralarren. Grupo Espeleológico Satorrak / Satorrak Espeleologi Taldea
10:50h. Quirópteros de la Sierra de Aralar / Aralar Mendizerrako kiropteroak. Juan Tomas Alcalde (Biólogo especialista en quirópteros / kiropteroetan espezializaturiko Biologoa) 11:30h. Pausa-Café / Geldialdia – kafea
12:00h. El yacimiento de oso de las cavernas (Ursus spelaeus Ros.-Hein.) de la cueva de Amutxate (Aralar-Navarra) / Amutxate leizeko kobazuloetako hartzen (Ursus spelaeus Ros.-Hein.) aztarnategia (Aralar-Nafarroa). Trinidad de Torres, José Eugenio Ortiz (Dpto. de Ingeniería Geológica. E.T.S.I. Minas. Universidad Politécnica de Madrid / Madrideko Unibertsitate Politeknikoko Ingenieritza Geologikoko Departamentua).
12:40h. Tres años de estudios microclimáticos en la Cueva de Mendukilo – Navarra / Hiru urtetako ikerketa mikroklimatikoak Mendukiloko leizean – Nafarroa. Vladimir Otero Collazo, Jabier Les Ortiz de Pinedo, Rakel Malanda Ruiz (Sociedad de Ciencias Espeleológicas Alfonso Antxía / Alfonso Antxia Zientzia Espeleologikoen Elkartea)
13:20h. Hidroquímica y Microbiología en la Cueva de Mendukilo / Mendukiloko leizearen Hidrokimika eta Mikrobiologia. Nagore Irazábal (Sociedad de Ciencias Espeleológicas Alfonso Antxía / Alfonso Antxia Zientzia Espeleologikoen Elkartea)
14:00h Pausa - Comida / Geldialdia - Bazkaria
16:00h Visita guiada a la Cueva de Mendukilo / Mendukiloko leizera bisita gidatua 18:00h Cueva de Mendukilo: de establo de montaña a cueva turística, laboratorio subterráneo y aula de educación ambiental. Eneko Agirre (Biólogo y Gerente Cuevas de Astitz S.L. / Astitzko Kobak S.M.-ko Gerentea eta Biologoa)
18:40h Debate – Mesa redonda / Mahai ingurua – Eztabaida.
20:30h Cena en la sidrería Martintxonea / Afaria Martintxonea Sagardotegian.

Domingo 5 de Abril / Apirilak 5 Igandea
10:00h Excursión al nacedero de Aitzarrateta y la sima de Lezegalde (actividad espeleológica)/ Aitzarratetako iturburura irteera, Lezegaldeko leize edo osina ikuskatuz (jarduera espeleologikoa)."

Para mais informações, consulte o site da SEDECK.

Bicentenário de Darwin


Charles Darwin nasceu precisamente há 200 anos (no dia 12 de Fevereiro de 1809) e este famoso naturalista inglês publicou o seu não menos famoso livro A Origem das Espécies há 150 anos.
Depois de uma infância durante a qual terá preferido a “vida campestre” e coleccionar "bichos" em vez da escola (consta que terá sido um aluno medíocre!), Darwin entrou para o curso de Medicina, em 1825, mas saiu pouco depois desgostoso com as autópsias e as cirurgias. Após essa primeira experiência académica foi estudar teologia para Cambridge e foi aí que conheceu John Henslow, que acabaria por ser decisivo na sua carreira de naturalista.
Quando embarcou, em 1831, no navio HMS Beagle, para uma viagem científica à volta do mundo Charles Darwin não imaginava que isso iria mudar radicalmente o curso da sua vida e, muito menos, intuir a revolução que daí resultaria no domínio das Ciências da Terra e da Vida. A sua influência, como não poderia deixar de ser, também atingiu a espeleologia...



No dia em que se comemora o bicentenário do nascimento de Charles Darwin vão ser lançados vários livros e organizados diversos eventos sobre esse naturalista inglês. O Pavilhão do Conhecimento, na Expo (Lisboa), assinala a data, hoje às 10.30 a.m., colocando em prática a receita do bolo preferido de Darwin. A receita, da autoria da sua mulher, Emma Darwin, foi optimizada para que o bolo pudesse ser levado para o campo sem se desfazer.
Quem tem Medo de Charles Darwin? É o tema da primeira sessão do 4º Ciclo de Conversas na Aldeia Global que começa hoje, às 21.30, na Biblioteca Municipal de Oeiras. A Fundação Calouste Gulbenkian associa-se às homenagens com a exposição A Evolução de Darwin, inaugurada também no dia hoje. Henriqueta, a Tartaruga de Darwin é o livro de José Jorge Letria, lançado hoje, que dá a conhecer às crianças a vida do autor de A Origem das Espécies, pela voz de uma tartaruga centenária das Ilhas Galápagos.
As iniciativas ocorrem um pouco por todo o país...

Material individual

Quando é organizada uma saída de campo confrontamo-nos recorrentemente com a frase “os participantes deverão possuir material individual” ou algo de semelhante! No entanto, não é raro surgirem praticantes com material diferente daquele que é aconselhado/tipificado ou, então, é o recomendado mas empregue de forma menos correcta… Acerca deste tema será interessante consultar o artigo de Sergio García-Dils de la Vega, Director da Escola Espanhola de Espeleologia e membro da Cavex Team, sobre “Equipo personal de progresión vertical del espeleólogo”, publicado na revista Subterrânea nº 29, onde se analisa a problemática do material individual e se faz referência a erros frequentes.

[Fonte: blog do EC/DC; fotografia: Sergio García-Dils de la Vega © Pedro Cuiça (Cantábria, 2007)]

Arrábida

O carso da Arrábida
Dar novos mundos ao mundo

Cordilheira da Arrábida © Pedro Cuiça (1996)

A espeleologia, ciência-desporto que estuda as cavernas, encerra uma componente rara nos dias de hoje: a descoberta. Com efeito, ainda é possível ter a imensa alegria de descobrir novas cavidades, salas de grande beleza ou galerias inexploradas. O Carso da Arrábida não é excepção e o Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA) assim o tem demonstrado. A descoberta de grutas na Cadeia da Arrábida tem sido frequente. Salientam-se, entre outras, a Garganta do Cabo, Gande Falha, Lapa das Conchas, Lapa das Areias, Lapa Verde, Gruta do Vale da Figueira Brava, Algar da Cobra e Lapa do Mosquito. Aliás, a geomorfologia cársica, o predomínio da drenagem subterrânea e a rica toponímia da região (Calhau da Cova, Cova da Mijona, Cova da Raposa, Praia da Cova, etc.) sugerem a existência de inúmeras formas endocársicas. As grutas são cavidades naturais de dimensões e morfologia variáveis que se formam geralmente por acção das águas de escorrência, em diversas rochas. Desde túneis de lava às grutas de gelo, até às cavernas em rochas graníticas, gessíferas ou areníticas, existe uma ampla variedade de tipos de cavidades. No entanto, as rochas carbonatadas (calcários, dolomias, etc.) são, por excelência, o meio onde as cavernas expressam o seumaior desenvolvimento, complexidade e abundância. As características físico-químicas das rochas condicionam os processos erosivos (alteração e transporte) responsáveis pela génese da grande maioria das grutas. A solubilidade do carbonato de cálcio - sob a forma de bicarbonato de cálcio - em presença de águas com dióxido de carbono e/ou ácidos (normalmente orgânicos) em solução é uma propriedade das rochas carbonatadas que explica o relevo peculiar associado a essas litologias: a geomorfologia cársica. Aqui reside a diferença fundamental entre um calcário relativamente puro (rico em carbonato de cálcio) e um granito ou mesmo um arenito de cimento carbonatado. Em condições favoráveis, a arenização de rochas graníticas, por alteração dos feldspatos (minerais constituintes dessas rochas), poderá originar depressões pseudocársicas (“dolinas” e “uvalas”) e formas lapiáres menores (caneluras, escudelas de dissolução, etc.). No entanto, as rochas cuja meteorização (ou alteração) produz um resíduo sólido considerável apresentam as fracturas colmatadas com tendência para a impermeabilização do terreno e consequente domínio da escorrência superficial.
Pelo contrário, nas rochas carbonatadas, em que os resíduos de descalcificação representam uma pequena quantidade do volume total de rocha dissolvida, ocorre um alargamento das fracturas (diáclases, falhas e/ou juntas de estratificação) com consequente aumento da permeabilidade e drenagem subterrânea (ou criptorreica). Constatamos, pois, que a litologia desempenha um papel primordial quando se procede à prospecção de uma determinada região. Na Cadeia da Arrábida, os calcários cristalinos do Lusitaniano e/ou as dolomias cristalinas com intercalações de calcário do Bajociano serão as litologias onde, potencialmente, poderão surgir um maior número de cavidades ou as de maior desenvolvimento. Será igualmente de destacar que à morfologia cársica sobrepõe-se a morfologia costeira, responsável pela formação de diversas furnas: Lapa do Bugio, Lapa do Piolho ou da Furada, Lapa do Fumo, etc.. As arribas sobranceiras ao litoral, franjadas de baías fechadas por alterosos promontórios, constituem locais preferenciais para a descoberta de cavernas. A prospecção e descoberta de cavidades são fundamentais para a inventariação do património espeleológico de uma região. Património que urge conhecer para preservar. O Museu Nacional de História Natural (MNHN) tem vindo a conceber e propor um grande projecto à escala nacional de musealização in situ de ocorrências passíveis de serem consideradas monumentos naturais ao abrigo da legislação em vigor (Dec.-Lei nº 19/23, de 23 de Janeiro). As grutas, testemunhos do percurso histórico do nosso planeta, constituem, sem dúvida, geomonumentos que deverão ser preservados. Mas, para a sua efectiva protecção, antes de mais, será necessário saber quantas são, onde se situam e quais as suas características. Sem esse trabalho apenas se poderão efectuar intervenções pontuais, como será o infeliz exemplo da Gruta do Zambujal. Dar novos mundos ao mundo será, pois, uma tarefa de grande importância. Para que não se repitam os erros do passado!

Pedro Cuiça
in Maravilhas Subterrâneas da Costa Azul
(Núcleo de Espeleologia da Costa Azul, 1998, pp. 18-19)

11/02/2009

Um urso especial

Trinidad de Torre, que actualmente é uma das maiores sumidades sobre fauna pré-histórica europeia, quando ainda era um jovem estudante interessado por espeleologia e paleontologia, encontrou, em 1971, um enorme crânio de urso das cavernas (Ursus spelaeus). “Fue una bestia de pelo pardo, afilados colmillos, fino olfato,oído duro y patas zambas sobre las que levantaba sus 600 kilos hasta alcanzar los tres metros de altura, que se echó a morir de puro viejo hace 150 000 años en una caverna cerca de lo que hoy es Patones, al noroeste de Madrid.” [Cueva del Reguerillo de Patones]
Ontem Trinidad de Torre ofertou esse crânio de Ursus spelaeus ao Museo Arqueológico Regional (MAR) da Comunidade de Madrid, sito em Alcalá de Henares. Trata-se mais precisamente do maior exemplar encontrado na Península Ibérica e pertencente à colónia mais meridional de que se tem conhecimento na Europa. A partir de agora será uma das “estrelas” da sala do museu dedicada aos animais que conviveram com o Homem durante a pré-história.

[Fonte: Pedro P. Hinojos in Andalucia Explora]

Cueva del Viento

Tenerife (Canárias) © Pedro Cuiça (2005)

A Cueva del Viento, situada em Icod de los Vinos, na ilha de Tenerife (Canárias), é mundialmente conhecida e alvo de inúmeras referências bibliográficas. Com cerca de 18 quilómetros de desenvolvimento, trata-se do maior túnel de lava conhecido em território da União Europeia e um dos maiores do planeta.
O complexo subterrâneo da Cueva del Viento-Sobrado formou-se a partir de escoadas de lava extruídas pelo vulcão Pico Viejo e constitui, pela sua extensão, complexidade e fauna cavernícola, uma cavidade ímpar. O acesso ao complexo esteve condicionado durante vários anos mas a sua abertura ao público verificou-se em 2008. A cavidade apesar de amplamente conhecida, nomeadamente através de abundante sinalética de trânsito automóvel e não só, não podia ser visitada porque se encontrava encerrada ao público...
A abertura deveu-se ao esforço conjunto do “consejero” do Organismo Autónomo de Museus y Centros del Cabildo, Francisco Garcia Talavera, e do “concejal” de Medio Ambiente y Patrimonio Histórico Artístico del Consistorio icodense, Agustín Díaz”. Após efectuados os trabalhos com vista à abertura ao público, nomeadamente no que concerne à limpeza da cavidade, o projecto foi implementado com sucesso.
O Ayuntamiento de Icod de los Vinos informou, no dia 22 de Janeiro deste ano, que a Cueva de los Vientos foi visitada por 2359 pessoas durante 2008, enquanto 3136 se limitaram a passar pelo centro de visitantes, situado em Los Piquetes. Portanto, a cavidade e o centro de visitantes acolheram quase 5500 pessoas durante os primeiros seis meses de funcionamento. Nos meses de Junho, Julho e Agosto, período em que a entrada na gruta foi gratuita, registaram-se 1143 visitantes, enquanto que nos meses de Setembro a Dezembro se computaram 1216 visitas. Ou seja, uma média de 337 visitas por mês… Os turistas provenientes da península, os alemães e os ingleses foram aqueles que mais visitaram a cavidade. Mas os residentes também estiveram representados em grande número. O elevado interesse que a cavidade despertou levou as administrações insulares e locais a ampliar o número de grupos que visitam a cavidade, passando de duas a três visitas diárias, num máximo de 15 pessoas por grupo. Segundo a Ideco, a empresa pública do Cabildo de Tenerife que gere este recurso natural em conjunto com o Ayuntamiento de Icod de los Vinos, a iniciativa em curso é “bastante positiva, já que se conseguiu ter um elevado número de visitas por mês, convertendo assim a Cueva del Viento num importante atractivo turístico da cidade e da ilha”. A prova provada de que "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", bastando para isso que haja vontade política ou falta dela!
Actualmente fazem-se três visitas guiadas, às 10, às 12 e às 14 horas. É fundamental efectuar a marcação previamente através do telefone 922 815 339 ou e-mail info@cuevadelviento.
Para mais informações consulte o site oficial da Cueva del Viento: http://www.cuevadelviento.net/.

Icod de los Vinos (Canárias) © Pedro Cuiça (2005)

Icod de los Vinos (Canárias) © Pedro Cuiça (2005)

Icod de los Vinos (Canárias) © Pedro Cuiça (2005)

Tenerife (Canárias) © Pedro Cuiça (2005)

Gruta do Frade

Espeleologia
Grutas no “segredo dos deuses”


[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 250, 28 de Setembro de 1999]

Gruta do Frade (Arrábida) © Francisco Rasteiro (2000)

A cordilheira da Arrábida encerra grutas de espectacular beleza e raridade. Um mundo que o Núcleo de Espeleologia da Costa Azul se tem encarregado de dar a conhecer. A última descoberta deixou atónitos esses descobridores da escuridão.

A espeleologia, ciência-desporto que estuda e explora as cavernas, possui uma componente rara nos dias de hoje: a descoberta. Com efeito, ainda é possível ter a imensa alegria de descobrir novas cavidade, salas de grande beleza ou galerias inexploradas. No final do milénio, quando o Homem já explorou os pólos, as profundezas oceânicas e o espaço extraterrestre, o mundo subterrâneo continua a proporcionar surpresas aos descobridores do reino das trevas. O Carso da Arrábida não foge à regra e o Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA) assim o tem demonstrado, com a descoberta de novas grutas.
Geralmente são cavidades de pequenas dimensões e pouco concrecionadas, mas a última descoberta dos espeleólogos sesimbrenses foi verdadeiramente excepcional. Se a Gruta do Zambujal era a pérola da espeleologia, a sul do Tejo, a cavidade agora descoberta é um autêntico tesouro.

Dar novos mundos ao mundo
A exploração da gruta data de há três anos atrás, mas o NECA já conhecia a sua existência devido a prospecções efectuadas de barco ao longo da costa. A entrada da cavidade situa-se perto do nível médio das águas do mar e, já na altura da primeira exploração, suscitou a surpresa dos espeleonautas.
Uma corrente de ar, detectada numa diminuta passagem, despertou a curiosidade dos espeleólogos que resolveram levar para a frente a desobstrução. A necessidade de usar martelo pneumático, a instalação de cabos-de-aço, com roldanas para o transporte de material e o difícil acesso à cavidade fizeram com que os trabalhos fossem sendo adiados.
A desobstrução realizada no dia 21 de Junho último iria revelar um conjunto de salas e galerias drapejadas de concreções de pureza e beleza inauditas. Um complexo subterrâneo intacto, porque encerrado até hoje ao Homem, e que os espeleólogos já exploraram numa extensão que o torna no Maio existente a sul do Tejo. A maior cavidade e certamente a mais bela.
Segundo Francisco Rasteiro, o desenvolvimento total até agora explorado ronda os dois quilómetros de extensão, por entre complexa rede de galerias e cerca de duas dezenas de salas (algumas com lagos de água salgada e sifões).
A descoberta manteve-se secreta devido à imprescindível necessidade de preservar o achado de eventuais destruições como aconteceu na Gruta do Zambujal. Secretismo que ainda se mantém: por motivos conservacionistas optamos por não divulgar o nome e a localização do novo tesouro da Arrábida.
As grutas, testemunhos do percurso histórico do nosso planeta, constituem geomonumentos que deverão ser preservados. Mas, para a sua efectiva protecção, antes de mais, será necessário saber quantas são, onde se situam e quais as suas características. Dar novos mundos ao mundo será pois uma tarefa de grande importância. Para que se conserve o património geológico e se preservem os testemunhos da história do planeta azul.

10/02/2009

A simbólica


As simbólicas pré-histórica e proto-histórica, se bem que muito imprecisas na sua significação, são os estádios primordiais de uma simbólica mais avançada, mais complexa, que se manifesta depois nos textos dos livros sagrados e consequentemente na arte religiosa das civilizações históricas.

Aarão de LACERDA
in O Fenómeno Religioso e a Simbólica (1924)

09/02/2009

Vuvu 2010 Cave Project

L’expédition « Vuvu 2010 cave project » s’inscrit dans la tradition des grandes explorations sur le massif des Nakanaï, qui ont permis la découverte de cavités mythiques, telles Naré, Kavakuna, Minyé et Muruk -premier gouffre dépassant les 1000 m de profondeur dans l'hémisphère sud… La zone de la Matali river laisse présager la découverte d’un gigantesque réseau de plus de 15 km de développement et 800 m de profondeur. N’en déplaise aux aventuriers du petit écran qui n’ont de cesse de répéter que tout a été découvert sur la planète, les spéléologues de l’expédition « Vuvu 210 cave project » vont de nouveau démontrer que le monde souterrain réserve encore de superbes découvertes d’espaces vierges !

Jean-Paul SOUNIER

[Fonte: Profundezas]
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06/02/2009

Uncommon places

Costa Vicentina © João Mariano

Costa Vicentina
Land, sea and immensity

From Odeceixe to Cape St Vicent is one of the most beautiful stretches of the Portuguese coast. The St Vicent coast rises in proud hills, carved out of the mighty promontories and enclosed bays, bordered by beaches of sand and rock. Rocky tones face the watery depths of blue and the emerald green of the ocean floor.
In this meeting between land and sea, where the elements are locked in eternal struggle, we bear witness to the immensity of time and space. The sea stretching far out of view, restricted only by the line of the horizon, is the vastness of space itself. Rocks tell tales of different worlds lost in the mists of time: other shores, other creatures, other climes…

Where the land ends…
In the north of the St Vicent coast, old rocks rise up which geologists date from the Palaeozoic era (544 to 245 million years ago). There is argillaceous schist and grauwacke (such as on the beaches at Odeceixe and Castelejo). There are also limestone, quartzite and other lithological formations. The fossils of creatures who lived in these strange, far off Palaeozoic worlds appear frequently. Petrified witnesses of habitats, forgotten over the passage of countless ages when species now extinct were abundant.
Produced by long, gigantic tensions, the rocks are generally distorted, fractured and metamorphosed (such as those between Baia dos Tiros and Odeceixe). These distortions are frequently chance occurrences, the tops having been lopped off by the intense erosion that took place during the Permian age (290 to 245 million years ago). The Palaeozoic lands, just like the Mesozoic that appear to the south, are crossed by numerous lines of igneous rock (visible in the enclosing schist and grauwacke on Murração beach as well as in other areas). Veins, at times, related with the connection of the solid sub-volcanic rock of Monchique.
The Mesozoic rocks (245 to 65 million years old) are supported by those of the Palaeozoic in clear angular discordance (good examples of this can be seen on the beaches at Telheiro or Ponta Ruiva). The grés de Silves (‘Silves sandstone’) are the oldest Mesozoic lithologies. These rocks, from the Triassic period (245 to 208 million yers old), have left sediments in various environments. They change with time, forming new rocks, species become extinct and new ones appear…
Continental sandstone flourishes (shown by deposition conditions in a semi-arid climate), evaporates as well as other rocks of transitional environments (from lagoons or estuaries), limestone from clearly marine environments and even basalt proving that there has been volcanic activity. In the Carrapateira, tufts and volcanic agglomerations can be found probably connected to the opening up of the Atlantic ocean.
During the Jurassic (208 to 145 million years ago) and Cretaceous (145 to 65 million years ago) periods, as well as the beginning of the Miocene period (24 million years ago), sedimentation went on in aquatic environments (from the coastal and/or transitional shelf). Limestone and dolomite rocks were deposited, at times with a strong earthy influence. After the Pliocene era (5.3 to 1.8 million years ago), the sea withdrew from what is today the Algarve.
During Würm (80 to 10 thousand years ago), the sea would have been a hundred metres lower than its current level and, in the previous glacial periods, the fall would have been even more significant. These cold periods are connected to the volumetric increase of the polar glaciers and the fall of the average level of the oceans. In the warm, interglacial periods, the water level rose due to the thaw, flooding the continent as can seen from the end of the Würm glaciation up to the present day. The variation of the average sea water level created various raised beaches or marine terraces (such as in the Carrapateira area or Cape St Vicent). The shelf erosion, which extended along the whole coast in a 5 km wide strip (only interrupted by the drying up of the main water courses), was created in just this way.
The shelf often lies bare, but not always. It is generally covered by a thin film of sedimentary deposits (as at Carrapateira or Vila do Bispo): sand and small pebbles either smooth or rough. These are sediments that appeared as solid dunes (those between Dornas and Pedra do Cavaleiro, for example) or the sand of raised beaches (such as the surface of the erosion at Cape St Vicent).

Costa Vicentina © João Mariano

…The sea begins
The waters are wild, in their constant activity, their erosive action goes on
ad eternum. The waves that clash against the coast, smashing on stone, or the currents an tides that modify the rocks express themselves in continuous meteoric and transporting actions. Água mole em pedra dura… tanto bate até que fura! (Gentle water on stone drips many a day… in time that stone will wear away!)
Erosion occurs due to wave action, above all due to strong winds and, to a lesser extent, tides. This is in spite of other factors being involved in the erosive process: dissolution, the impact of spray or biological activity. Erosion is particularly intense during storms, when huge waves are repeatedly thrown against the coast. The violence of the sea reaches its height in the months during the equinoctial storms. The waves batter the hills, due to the stormy winds of the western quadrant, with the waters leaping more than 60 metres into the air. The meeting of tempestuous waves and rocks reaches hundreds of tonnes per square metre. The blast can be heard more than 10 km away. It is on such occasions that the power of water can be best felt, its capacity to mould the coastline, to sculpt the stone and make it ‘wear away’. The efficacy of the wild waters, their mechanical action, is made possible by the erosive effect of the broken up detritus (sand, pebbles and blocks) and added to by chemical erosion which makes itself felt, above all, in the carbonated rocks (limestone and dolomites). The action of the water, the digging away, works primarily at the foot of the cliffs, in the region between by high and low tide, which is dug out by the waves. The attack, whether tame or furious, of the Atlantic waves creates steep cliffs, where the cornices are barely developed or even no-existent. Differential erosion, however, also leads to arches (such as at Caixões, between Carrapateira and Vila do Bispo), exhumed veins (the so-called mata-cães, literally ‘dog-killers’) or caverns (like those Gralheiras, near the beach at Amoreira). These modulations are the result of the digging which normally develops along the weak surfaces of rocks (fractures or veins).
The diverse needles, towers and rock islands that are often to be seen along the coast also bear witness to the erosive action of the water. Separated from land by the rapid advance of the sea, these growths are hard reliefs that, as the name indicates, are most resistant to erosion. The Pedra da Galé, that extends from Pontal da Carrapateira to the east, is only one example among many.
Immediately to the south, there are various small islands such as Pedra de Valverde, Ilha do Forno, Pedra da Manteiga, Pedra do Cavaleiro and Pedra da Gaivota. The áreas where a great number of hard ‘islets’ can be found stretches from Ponta da Atalaia to Ponta da Arrifana and from Pontal da Carrapateira to Ponta do Telheiro. The water, that great sculptor, is also responsible for zoomorphic and anthropomorphic forms as well as other stone carvings. All along the rugged coastline, there are narrow “rocky beaches”, at the foot of the slopes, or more extensive areas, at the mouth of waterlines. Some re-entrances have been closed by coastal barriers and blocked (Praia da Bordeira, for example), and are the source of grater and lesser fears.
The Cape St Vicent coast still enables us to (re)connect with the former Earth, to find the elements in its ancestral purity and liberty. The clash of the waves in meeting the slopes or the breath of the wind in the whirlpool. Sounds of a land which is blurred with the sea in a picturesque panorama of water and rock. They move, feel, hear and see! The Cape St Vincent coast is an invitation for eyes to see.


Costa Vicentina © João Mariano
Costa Vicentina © João Mariano


LUGARES pouco comuns - Uncommon places (2000)
Photographs by: João Mariano
Texts: João Mariano (Uncommon places) e Pedro Cuiça (Costa Vicentina – Land, sea and immensity)


LUGARES pouco comuns

Costa Vicentina © João Mariano

Costa Vicentina
Terra, mar e imensidão

De Odeceixe ao Cabo de S. Vicente desenvolve-se um dos mais belos troços do litoral português. A Costa Vicentina surge em arribas altaneiras, recortada por imponentes promontórios e apertadas baías, bordejada por praias de areia e de calhau. Tons de rocha face ao azul das águas profundas ou ao verde-esmeralda dos baixos fundos.
Nesse encontro entre a terra e o mar, onde se verifica uma eterna luta dos elementos, revela-se a imensidão do espaço e do tempo. O mar que se estende até perder de vista, tendo apenas a linha do horizonte como limite, traduz a grandiosidade do espaço. As rochas revelam histórias de ambientes diferentes que se perdem nas brumas do tempo: outros litorais, outros seres vivos, outros climas…

Costa Vicentina © João Mariano

Onde a terra acaba…
Na zona norte da Costa Vicentina afloram velhas rochas que os geólogos atribuem à Era Paleozóica (544 a 245 milhões de anos atrás), sobretudo xistos argilosos e grauvaques (como nas praias de Odeceixe ou do Castelejo), mas também calcários, quartzitos e outras litologias. Os fósseis dos seres que viviam nesses estranhos e longínquos mundos do Paleozóico surgem com alguma frequência. Testemunhos petrificados de habitats, esquecidos pela passagem de tempos incomensuráveis, em que pululavam espécies hoje extintas.
Resultado de prolongadas e gigantescas tensões, as rochas apresentam-se geralmente muito dobradas, fracturadas e metamorfizadas (como entre a Baia dos Tiros e Odeceixe). São dobras frequentemente caprichosas cujos topos foram cortados pela intensa erosão que actuou durante o Pérmico (290 a 245 milhões de anos atrás). Os terrenos paleozóicos, tal como os mesozóicos que afloram a sul, são atravessados por numerosos filões de rochas ígneas (visíveis nos xistos e nos grauvaques encaixantes da praia do Murração, assim como noutros locais). Filões, por vezes, relacionados com a instalação do maciço subvulcânico de Monchique. As rochas da Era Mesozóica (com 245 a 65 milhões de anos) assentam sobre as paleozóicas em evidente discordância angular (como na praia do Telheiro ou na Ponta Ruiva). Os “grés de Silves” são as litologias mais antigas do Mesozóico. Essas rochas, do Período Triásico (com 245 a 208 milhões de anos), sedimentaram-se em ambientes diversos. Mudam-se os tempos, formam-se novas rochas, extinguem-se espécies, surgem novos seres… Afloram arenitos continentais (evidenciando condições de deposição sob clima semi-árido), evaporitos e outras rochas de ambientes de transição (lagunares ou estuarinos), calcários de ambientes francamente marinhos ou até basaltos a atestar a ocorrência de vulcanismo. Na área da Carrapateira encontram-se tufos e aglomerados vulcânicos provavelmente relacionados com a abertura do oceano Atlântico.
Durante os períodos Jurássico (208 a 145 milhões de anos atrás) e Cretácico (145 a 65 milhões de anos), bem como no início da Época Miocénica (há cerca de 24 milhões de anos), a sedimentação decorreu em ambientes aquáticos (de plataforma litoral e/ou de transição). Depositaram-se rochas calcárias e dolomíticas, por vezes com forte influência terrígena. A partir do Pliocénico (há 5.3 a 1.8 milhões de anos) o mar retirou-se do actual território algarvio.
Durante o Würm (há 10 a 80 mil anos) o mar estaria uma centena de metros abaixo do nível actual e, nas anteriores glaciações, a descida terá sido ainda mais significativa. Esses períodos frios estão associados ao aumento volumétrico dos glaciares polares e à descida do nível médio das águas oceânicas. Nos quentes períodos interglaciários as águas subiram devido ao degelo, voltando a inundar o continente, tal como se verifica desde o final da glaciação würmiana até à actualidade. A variação do nível médio das águas do mar gerou diversas praias levantadas ou terraços marinhos (como na área da Carrapateira ou do cabo de S. Vicente ). A plataforma de abrasão, que se estende ao longo do litoral numa faixa de cinco a vinte quilómetros de largura (apenas interrompida pela dissecação dos principais cursos de água), foi gerada desse modo.
A plataforma apresenta-se muitas vezes nua, mas nem sempre. Está geralmente coberta por uma delgada película de depósitos sedimentares (como na Carrapateira ou em Vila do Bispo): areias, pequenos seixos muito bem rolados ou cascalheiras. Sedimentos que surgem sob a forma de dunas consolidadas (como entre Dornas e Pedra do Cavaleiro) ou de areias de praias levantadas (como na superfície de abrasão do Cabo de S. Vicente).

Costa Vicentina © João Mariano

… o mar começa
As águas revoltas, no seu permanente dinamismo, persistem ad eternum a sua acção erosiva. As vagas que embatem de encontro à costa, desagregando a pedra, ou as correntes e as marés, que remobilizam materiais rochosos, expressam-se em contínuas acções de meteorização e de transporte. Água mole em pedra dura… tanto bate até que fura!
A abrasão deve-se à ondulação, sobretudo a originada por ventos fortes e, em menor grau, às marés, apesar de outro factores interferirem nos processos erosivos: dissolução, impacto do spray ou acções biológicas. A abrasão é particularmente intensa durante os temporais, quando se geram ondas enormes que se lançam em sucessivos assaltos sobre a costa. A violência do mar atinge a sua maior expressão durante os meses das tempestades equinociais. O forte embate das ondas de encontro às arribas, devido aos ventos tempestuosos do quadrante oeste, faz saltar as águas até mais de 60 metros de altura. O choque das ondas tempestuosas de encontro às rochas atinge as dezenas de toneladas por metro quadrado. A rebentação pode-se ouvir a mais de 10 quilómetros de distância do litoral. É nessas ocasiões que se desfruta a melhor percepção do poder das águas, da sua capacidade de modelar a linha de costa, de esculpir a “pedra dura”. A eficácia das águas revoltas, da sua acção mecânica, é favorecida pelo efeito abrasivo dos detritos arrastados (areias, seixos e blocos) e incrementada pela erosão química, que se faz sentir sobretudo nas rochas carbonatadas (calcários e dolomias).
A acção das águas, o trabalho de sapa, faz-se sentir sobretudo na base das arribas, na região compreendida entre a preia-mar e a baixa-mar, onde se exprime sob a forma do cavado da onda. O ataque, ora manso ora furioso, das vagas atlânticas gera íngremes penhascos, onde as cornijas de sapa estão pouco desenvolvidas ou mesmo ausentes. Mas a erosão diferencial também origina arcos (como o de Caixões, entre Carrapateira e Vila do Bispo), filões exumados (os designados “mata-cães”) ou furnas (como a da Gralheiras, junto à praia da Amoreira). Estes modelados são o resultado da sapa que se desenvolve preferencialmente ao longo de superfícies de fraqueza da rocha (fracturas ou filões).
As diversas agulhas, torres e ilhéus de rocha que surgem amiúde ao longo da costa também constituem um testemunho da acção erosiva das águas. Separados de terra pelo rápido avanço do mar, estes afloramentos são relevos de dureza que, como o nome indica, resistiram melhor à erosão. A Pedra da Galé, que prolonga o Pontal da Carrapateira para ocidente, é apenas um exemplo entre muitos. Logo a sul destacam-se diversas ilhotas como a Pedra de Valverde, a Ilha do Forno, a Pedra da Manteiga, a Pedra do Cavaleiro ou a Pedra da Gaivota. Os sectores onde se encontra grande número de “ilhotas” de dureza estendem-se da Ponta da Atalaia até à Ponta da Arrifana e do Pontal da Carrapateira até à Ponta do Telheiro. A água, esse grande escultor, também é responsável pelas formas zoomórficas, antropomórficas ou outras talhadas na pedra.
Ao longo da costa escarpada sucedem-se estreitas “praias de calhau”, na base dos penhascos, ou areais mais extensos, na foz das linhas de água. Algumas reentrâncias estão fechadas por cordões litorais e entulhadas (como na Praia da Bordeira), acompanhadas por medos e medões.
Esta costa, dita Vicentina, ainda permite a (re)ligação à Terra antiga, encontrar os elementos na sua pureza e liberdade ancestrais. O embate das ondas de encontro aos penhascos ou o sopro dos ventos no seu corrupio. Sons de uma terra que se confunde com o mar em pitorescas panorâmicas de pedra e de água. Vão, sintam, oiçam e vejam! A Costa Vicentina é um convite a ver com olhos de ver.

Costa Vicentina © João Mariano

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LUGARES pouco comuns - Uncommon places (2000)
Fotografia: João Mariano
Textos: João Mariano (Lugares pouco comuns) e Pedro Cuiça (Costa Vicentina - Terra, mar e imensidão)



05/02/2009

Caça na Pena

Rocha da Pena
Factos (s)em Palavras

[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 314, 19 de Dezembro de 2000]

O Ano Novo está a chegar e com ele as rapinas que irão passar o Inverno e Primavera na Rocha da Pena. Um Sítio Classificado que aguarda melhores dias.

Rocha da Pena (Algarve) © Pedro Cuiça (2006)

A presença de caçadores e de veículos todo-o-terreno no topo da Rocha da Pena (Algarve) vem, mais uma vez, questionar a conservação desse Sítio Classificado. A Forum Ambiente esteve na Rocha da Pena, no fim-de-semana de 9-10 de Dezembro, onde constatou a presença de caçadores e de veículos motorizados no topo dessa elevação. O acesso usado foi a estrada que sobe da Peninha ao topo da “Rocha”.
Os disparos começaram, nas redondezas, mal o dia nasceu e prosseguiram, numa intensa cadência, até já bem avançada a manhã. E qual não foi o espanto ou o susto daqueles que escolheram o Sítio Classificado da Rocha da Pena para irem passear quando o “contacto com a natureza” foi bruscamente interrompido por fortes disparos de caçadeira!
Os alcantilados rochosos representam para muitas espécies de aves a tranquilidade e a segurança de que necessitam para construírem o ninho, chocarem os ovos e criarem os filhotes. A Rocha da Pena não é excepção e a perturbação das populações de rapinas que aí nidificam tem sido considerada, nomeadamente o eventual impacte da prática da escalada.

Um rochedo excepcional
As serranias, lapiás, arribas costeiras, ravinas e outros locais de difícil acesso eram tradicionalmente pouco frequentados pelo Homem. No entanto, o grande incremento das actividades de ar livre, que se verificou nos últimos anos, começa a reflectir-se na qualidade desses locais de grande beleza paisagística e riqueza natural. A conservação da natureza possibilitada pela inacessibilidade do terreno já não se mantém, devido ao grande incremento das actividades “fora de portas”, nomeadamente pela construção de (novas) vias de comunicação que facilitam o acesso. A Rocha da Pena não esteve alheia a este desenvolvimento e é raro o fim-de-semana em que não é visitada por diverso grupos de praticantes de actividades de ar livre ou simples amantes dos passeios na natureza.
A Rocha da Pena apresenta, pelas suas características ímpares, um vasto potencial para a prática de várias actividades de ar livre. Se algumas dessas actividades não serão compatíveis com a preservação do meio ambiente (por exemplo, desportos motorizados ou caça), outras poderão ser praticadas de forma integrada, valorizando as próprias potencialidades do local (pedestrianismo ou escalada). No entanto, as diversas actividades de ar livre terão de passar por uma ponderação, na perspectiva do que se entende por desenvolvimento sustentado, para que o diálogo entre os diversos intervenientes contribua para uma gestão coerente e equilibrada do património natural.

Rocha da Pena (Algarve) © Luís Miguel (2007)



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Um património a preservar


A Rocha da Pena (480 m), o único relevo verdadeiramente vigoroso existente no Algarve, localiza-se no limite setentrional do Barrocal, a norte da estrada Alte-Salir (concelho de Loulé). Trata-se de um carso alcandorado, talhado em calcários dolomíticos do Lias (Jurássico inferior), orientado segundo este-oeste, ultrapassando 50 metros de altura na vertente sul. A vegetação varia desde formações pioneiras sobre rocha nua e litossolos a diversos estágios de maquis e garrigue. Flora característica do Barrocal, constituída por antigas associações florísticas mediterrânicas.
O Sítio Classificado da Rocha da Pena foi criado em 1991 (Decreto-Lei nº 392/91, de 10 de Outubro), reconhecendo-se assim a importância da conservação desse património natural, um dos biótopos do programa comunitário CORINE (Coordination, Information, Environment) e área incluída no PROTAL como “Zona de Protecção da Natureza”.

[parte da Carta Militar na escala 1/25 000, folha nº 588 - Salir (Loulé)]

04/02/2009

Iniciação à espeleologia

O Grupo Protecção Sicó (GPS) vai levar a efeito o 5º Curso de Iniciação à espeleologia, nível II segundo o modelo de formação da Federação Portuguesa de Espeleologia (FPE). A acção de formação, que decorrerá de 21 de Fevereiro a 5 de Abril, tem a duração de 10 dias (5 fins-de-semana). Para mais informações, contacte o GPS através do e-mail gps.sico@gmail.com.

[Fonte: GPS]

Não há longe, nem distância

Um dos trabalhos efectuados pelo Grupo de Estudos Técnicos da Escola Francesa de Espeleologia (École Française de Spéléologie - EFS) centrou-se na análise da força de choque sofrida por um espeleólogo consoante o tipo de longe e nós utilizados, para distintos factores de queda.
Ainda que esse estudo já tenha sido efectuado há algum tempo, será conveniente divulgá-lo, que mais não seja por se constatar que ainda existem bastantes espeleólogos que desconhecem o mesmo ou, então, simplesmente o ignoram.
Como diz o presidente do EC/DC, Nino Santos del Riego, no blogue dessa associação: “Curioso, hace un montón de años tiré mis cabos de anclaje en 8mm. con cuerda dinámica, y con el tiempo, hemos vuelto a los orígenes.” Pois é, nem mais. Parece que agora é a vez das Spelegyca e sucedâneos!
Os interessados poderão consultar o estudo original no site da EFS ou um resumo do mesmo realizado pelo Espeleosocorro Cántabro (ESOCAN).

[Fonte: EC/DC]

Caveman, oh!, oh!, oh! (III)

Caves occupy incongruous positions in both our culture and our science. The oldest records of modern human culture are the vivid cave paintings from southern France and northern Spain, which are in some cases more than 30,000 years old (Chauvet, et al. 1996). Yet, to call someone a “caveman” is to declare them primitive and ignorant. Caves, being cryptic and mysterious, occupied important roles in many cultures. For example, Greece, a country with abundant karst, had the oracle at Delphi and Hades the god of death working from caves. People are both drawn to and mortified by caves. Written records of cave exploration exist from as early as 852 BC (Shaw, 1992). In the decade of the 1920’s, which was rich in news events, the second biggest story (as measured by column inches of newsprint) was the entrapment of Floyd Collins in Sand Cave, Kentucky, USA. This was surpassed only by Lindbergh’s flight across the Atlantic (Murray and Brucker, 1979).

Ira D. Sasowsky and John Mylroi
in Studies of Cave Sediments - Physical and Chemical Records of Paleoclimate (2007)

03/02/2009

História da Espeleologia

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior vai lançar um programa de estímulo ao desenvolvimento da história da ciência em Portugal. Programa que terá uma componente específica dedicada aos últimos 100 anos, motivada pela aproximação do Centenário da República. Esta "iniciativa estratégica" terá o seu arranque público em Julho, durante o Encontro Nacional de História da Ciência em Portugal, segundo refere um documento de trabalho do referido Ministério divulgado no fim-de-semana passado.
O programa, dirigido aos investigadores, às instituições académicas e científicas, e à sociedade em geral, tem também por objectivo a valorização do património cultural e científico do país. Em causa, segundo o Ministério de Mariano Gago, estará a preservação, classificação e estudo de acervos documentais e arquivos de ciência, a formação avançada de novos investigadores, o reforço e articulação em redes de grupos e instituições científicas e o desenvolvimento de programas de investigação.
"A História da Ciência é uma componente fundamental do próprio desenvolvimento da ciência" - lê-se no documento referido acima. "O nível científico já alcançado em Portugal exige, para se ampliar e consolidar, um conhecimento sistemático do nosso próprio desenvolvimento científico e tecnológico, e das suas condições históricas."
O programa específico para aprofundar o conhecimento e a divulgação da história da ciência e do desenvolvimento científico nos últimos cem anos, chamado "100 anos de República, 100 anos de Ciência", será realizado em articulação com a Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República.
Esta será uma excelente oportunidade para surgir um trabalho acerca da história da espeleologia em Portugal. Se é certo que já foram elaborados pequenos historiais acerca da prática dessa actividade no país, nomeadamente no tocante aos trabalhos publicados no domínio da arqueologia ou da bio-espeleologia, falta manifestamente um trabalho de fundo que reúna os conhecimentos dispersos acerca da espeleologia portuguesa.
Nesse âmbito, aproveitamos para divulgar um pequeno mas muito interessante historial da espeleologia, que se encontra na net, da autoria de Falcão Machado: Prolegómenos da Espeleologia Portuguesa (Comunicação para o I Encontro de Espeleologia da Península de Setúbal, de 10 a 13 de Junho de 1976).

[Fonte: Agência Lusa; Fotos: © CEEAA (anos 70, séc. XX)]