Dar novos mundos ao mundo
Cordilheira da Arrábida © Pedro Cuiça (1996)
A espeleologia, ciência-desporto que estuda as cavernas, encerra uma componente rara nos dias de hoje: a descoberta. Com efeito, ainda é possível ter a imensa alegria de descobrir novas cavidades, salas de grande beleza ou galerias inexploradas. O Carso da Arrábida não é excepção e o Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA) assim o tem demonstrado. A descoberta de grutas na Cadeia da Arrábida tem sido frequente. Salientam-se, entre outras, a Garganta do Cabo, Gande Falha, Lapa das Conchas, Lapa das Areias, Lapa Verde, Gruta do Vale da Figueira Brava, Algar da Cobra e Lapa do Mosquito. Aliás, a geomorfologia cársica, o predomínio da drenagem subterrânea e a rica toponímia da região (Calhau da Cova, Cova da Mijona, Cova da Raposa, Praia da Cova, etc.) sugerem a existência de inúmeras formas endocársicas. As grutas são cavidades naturais de dimensões e morfologia variáveis que se formam geralmente por acção das águas de escorrência, em diversas rochas. Desde túneis de lava às grutas de gelo, até às cavernas em rochas graníticas, gessíferas ou areníticas, existe uma ampla variedade de tipos de cavidades. No entanto, as rochas carbonatadas (calcários, dolomias, etc.) são, por excelência, o meio onde as cavernas expressam o seumaior desenvolvimento, complexidade e abundância. As características físico-químicas das rochas condicionam os processos erosivos (alteração e transporte) responsáveis pela génese da grande maioria das grutas. A solubilidade do carbonato de cálcio - sob a forma de bicarbonato de cálcio - em presença de águas com dióxido de carbono e/ou ácidos (normalmente orgânicos) em solução é uma propriedade das rochas carbonatadas que explica o relevo peculiar associado a essas litologias: a geomorfologia cársica. Aqui reside a diferença fundamental entre um calcário relativamente puro (rico em carbonato de cálcio) e um granito ou mesmo um arenito de cimento carbonatado. Em condições favoráveis, a arenização de rochas graníticas, por alteração dos feldspatos (minerais constituintes dessas rochas), poderá originar depressões pseudocársicas (“dolinas” e “uvalas”) e formas lapiáres menores (caneluras, escudelas de dissolução, etc.). No entanto, as rochas cuja meteorização (ou alteração) produz um resíduo sólido considerável apresentam as fracturas colmatadas com tendência para a impermeabilização do terreno e consequente domínio da escorrência superficial.
Pelo contrário, nas rochas carbonatadas, em que os resíduos de descalcificação representam uma pequena quantidade do volume total de rocha dissolvida, ocorre um alargamento das fracturas (diáclases, falhas e/ou juntas de estratificação) com consequente aumento da permeabilidade e drenagem subterrânea (ou criptorreica). Constatamos, pois, que a litologia desempenha um papel primordial quando se procede à prospecção de uma determinada região. Na Cadeia da Arrábida, os calcários cristalinos do Lusitaniano e/ou as dolomias cristalinas com intercalações de calcário do Bajociano serão as litologias onde, potencialmente, poderão surgir um maior número de cavidades ou as de maior desenvolvimento. Será igualmente de destacar que à morfologia cársica sobrepõe-se a morfologia costeira, responsável pela formação de diversas furnas: Lapa do Bugio, Lapa do Piolho ou da Furada, Lapa do Fumo, etc.. As arribas sobranceiras ao litoral, franjadas de baías fechadas por alterosos promontórios, constituem locais preferenciais para a descoberta de cavernas. A prospecção e descoberta de cavidades são fundamentais para a inventariação do património espeleológico de uma região. Património que urge conhecer para preservar. O Museu Nacional de História Natural (MNHN) tem vindo a conceber e propor um grande projecto à escala nacional de musealização in situ de ocorrências passíveis de serem consideradas monumentos naturais ao abrigo da legislação em vigor (Dec.-Lei nº 19/23, de 23 de Janeiro). As grutas, testemunhos do percurso histórico do nosso planeta, constituem, sem dúvida, geomonumentos que deverão ser preservados. Mas, para a sua efectiva protecção, antes de mais, será necessário saber quantas são, onde se situam e quais as suas características. Sem esse trabalho apenas se poderão efectuar intervenções pontuais, como será o infeliz exemplo da Gruta do Zambujal. Dar novos mundos ao mundo será, pois, uma tarefa de grande importância. Para que não se repitam os erros do passado!
Pedro Cuiça
in Maravilhas Subterrâneas da Costa Azul
(Núcleo de Espeleologia da Costa Azul, 1998, pp. 18-19)
Sem comentários:
Enviar um comentário