15/12/2009

A Franga dos Ovos de Ouro (II)

Estava eu, há alguns dias, a pregar a boa nova de que os “burocratas do ambiente” teriam visto a luz face à mudança de perspectiva anunciada no Decreto-Lei nº 108/2009, de 15 de Maio, quando fui confrontado com a Portaria nº 1245/2009, de 13 de Outubro, cuja aplicação estava a causar grande polémica no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG). Moral da história, a boa nova não terá passado de uma breve ilusão!? Passo a explicar, segundo o Decreto-Lei nº 108/2009 o licenciamento das actividades de animação turística passou a estar centralizado a nível nacional (num “balcão único”) e a aplicar-se exclusivamente a empresas. Voilà, até que enfim! Após vários anos a tentar demonstrar que colocar no mesmo saco empresas e associações era um erro crasso, como estabelecia o Decreto-Lei nº 204/2000, de 1 de Setembro, lá foi reconhecida essa evidência e substituída essa “pérola” da legislação pátria. Esse Decreto-Lei nº 204/2000 é, pasme-se (!), considerado “hoje desajustado da realidade”. Antes tarde do que nunca.
Mas regressemos ao que aqui nos traz. Se por um lado o Decreto-Lei 108/2009 acabou com a necessidade das associações se licenciarem, a Portaria nº 1245/2009 veio estabelecer uma “Tabela de taxas” para “Actividades associadas a turismo, visitação e desporto” cujo valor base é de 200 euros e cujo montante pode ascender aos 1000 euros. Se forem afectados meios humanos da Área Protegida acresce aos valores indicados mais 20 euros por cada hora de afectação. Ora daí não viria mal ao mundo caso os planos de ordenamento não considerassem a generalidade das actividades de ar livre sujeitas a autorização. Como é óbvio, as regras são diferentes para cada Área Protegida portanto vamos centrar-nos no caso concreto do PNPG, cujo Plano de Ordenamento se encontra precisamente agora em discussão pública.
O Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês, adiante designado "POPNPG", encontra-se em discussão pública de 21 de Outubro a 2 de Dezembro. Durante esse período, os interessados, mais afoitos, poderão apresentar as observações e as sugestões que julgarem pertinentes, caso estejam dispostos a ultrapassar as costumeiras burocracias (leia-se dificuldades) com que parelhos processos costumam brindar os cidadãos e acreditem que isso irá servir para alguma coisa. Para começar podem devorar a informação incluída num alteroso monte de folhas A4 (ou estragar a vista numa leitura on-line de tamanha dimensão) e inteirar-se dos respectivos conteúdos.O período de discussão pública prevê ainda a realização de sessões públicas de esclarecimento. Já se realizaram duas nos dias 11 e 12 de Novembro, respectivamente, na Sala Multiusos em Montalegre e no Auditório Municipal de Ponte da Barca. Hoje realiza-se mais uma sessão pública de esclarecimento, às 18 horas, no Centro de Animação Termal do Gerês. Caso tenha interesse, também poderá assistir ou participar em tal espectáculo nos dias 20 e 25 de Novembro, na Porta do PNPG de Lamas de Mouro ou no Auditório do Centro Municipal de Informação e Turismo de Arcos de Valdevez, respectivamente.
Bien, sem prejuízo dos diversos aspectos positivos do POPNPG (que também os tem), gostaria de salientar, para atalhar caminho, o cavalo de batalha dos praticantes de actividades de ar livre: as actividades sujeitas a autorização (Artigo 8º - Actividades Condicionadas).
Segundo o ponto o) do Artigo 8º: “A prática de actividades desportivas e recreativas não motorizadas, designadamente alpinismo, escalada ou montanhismo, e de actividades turísticas susceptíveis de deteriorarem os valores naturais, nomeadamente quando integrem mais de 15 participantes, bem como a realização de eventos desportivos ou recreativos, excepto em equipamentos existentes, como campos de futebol, piscinas, centros hípicos ou pavilhões polidesportivos.” Portanto, conforme se pode depreender do acima exposto, a prática de canyoning, porque é uma actividade desportiva não motorizada (tal como a espeleologia), estará sujeita a autorização.
Na verdade, a confusão que graça entre as actividades enquadradas em designações tão dispares (para não dizer “disparatadas”) quanto “turismo activo”, “turismo de aventura”, “turismo de natureza” e, até, “oferta de experiências” (ora esta!) não revela mais do que um upgrade do negócio que se tem vindo a estabelecer, nos últimos anos, em torno das Áreas Protegidas. As empresas pagarão agora o licenciamento num “balcão único” e as associações ou até grupos informais de amigos ou familiares passam a pagar, no mínimo, os tais 200 “euritos” por cada pedido de autorização. O melhor mesmo será instalar um parque aquático no PNPG (à semelhança de "campos de futebol, piscinas, centros hípicos ou pavilhões polidesportivos”) onde os praticantes possam praticar canyoning mais em conta e, sobretudo, de modo a que não se sintam coagidos a pagar uma taxa injusta ou, a não fazê-lo, se sintam uns fora da lei. Por último, será necessário lembrar que os cidadãos até pagam impostos e, supostamente, até terão direitos, nomeadamente aqueles que estão consignados na Constituição da República?

(in blogue Ilinx, 18 de Novembro de 2009)

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