Espeleólogos indignados
[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 177, 17 de Abril de 1998]
Mata do Solitário © Joana Santos
Um guarda da natureza do Parque Natural da Arrábida multou o Núcleo de Espeleologia da Costa Azul, quando realizava uma actividade de prospecção e fotografia, situação que foi qualificada pela autoridade em causa como uma actividade de “lazer” numa zona interdita ao público. Os espeleólogos estão indignados e já contestaram os autos. A actividade levantou antigas polémicas que parecem não ter fim, numa região onde espeleologia e conservação deviam andar de mãos dadas.
Durante trabalhos de prospecção e fotografia, três elementos do Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA) foram multados por um guarda da natureza do Parque Natural da Arrábida (PNA). Foi no dia 11 de Fevereiro passado, mais precisamente às 17 horas. A infracção consistiu na “circulação e actividade de lazer dentro da Mata do Solitário”, reserva integral onde o acesso ao público é proibido. Não se fazendo acompanhar da respectiva autorização, os elementos do NECA estavam em infracção perante o art. 5º (alínea A) do Decreto-Lei nº 622/76, de 28 de Julho, conjugado com o artº 8º da Portaria nº 26-F/80, de 9 de Janeiro. À partida, a aplicação da multa não levantaria dúvidas, mas parece não ter acontecido assim. Os espeleólogos estão indignados, pois afirmam que estavam a fotografar plantas para o Museu Oceanográfico do PNA, quando foram multados pelo próprio Parque. O NECA contactou de imediato Ricardo Paiva, director do PNA, de modo a esclarecer o sucedido. Segundo Francisco Rasteiro, do NECA, Ricardo Paiva afirmou que a actuação do guarda teria sido exagerada, mas que devia ter sido pedida autorização, por escrito, para a realização dos trabalhos na Mata do Solitário, autorização que teria sido concedida “sem problemas”, segundo o director do PNA. No dia seguinte, foi pedida autorização, mas como resposta, “o NECA apenas recebeu três autos de notícia”, refere Francisco Rasteiro.
Estudo, trabalho, recreio ou lazer?
Em carta datada de 12 de Fevereiro, foi requerida autorização “para a entrada de alguns membros activos do NECA na Mata do Solitário, a fim de fazerem um reconhecimento e uma inventariação da Lapa do Solitário”, afirma a fonte do NECA. Foi pedida, igualmente, a autorização para a realização de actividades de prospecção de cavidades e registo da vegetação circundante da Serra do Risco e do monte Formosinho. Na mesma carta informava-se ainda que o número de elementos por equipa de trabalho não ultrapassaria os quatro, avançando os nomes das seis pessoas envolvidas.
O auto de notícia (nº 6), endereçado a Francisco Rasteiro, em carta registada de 23 de Março, foi recebido com surpresa e indignação, bem como os outros dois autos, enviados aos restantes espeleólogos que se encontravam na Mata do Solitário. Uma surpresa que as excelentes relações entre o NECA e o PNA não faziam esperar. O NECA sempre deu todo o apoio ao PNA: ajudou o PNA em relação à protecção da Gruta do Zambujal, no que concerne à intenção de a fechar, participou em reuniões, fez visitas com o director “à entrada da gruta”, disponibilizou-se para efectuar a topografia da cavidade e realizou uma campanha de limpeza da Arrábida em 1997, em colaboração com o PNA. “Temos participado activamente na defesa do património natural do PNA”, salientou Francisco Rasteiro à FORUM AMBIENTE.
O NECA considera “muito salutar a vigilância eficaz da área d PNA, nomeadamente nas suas áreas de reserva integral”, mas a consternação face à atitude do Parque é marcante. Aliás, foi endereçada ao director do PNA uma carta, datada de 31 de Março, contestando as multas aplicadas e pedindo que estas fossem reconsideradas. A contestação prende-se com o valor da multa e também com a “forma ambígua com que se desenrolou o processo”, esclarece a fonte do NECA, pois entre o valor de 1500 a 30 mil escudos, foi aplicada uma multa de 5 mil escudos a cada um dos espeleólogos, em vez de lhes ser aplicada a multa de valor mínimo. “Dá-nos a sensação de já sermos reincidentes, mas não sabemos bem em quê”, desabafou Francisco Rasteiro, acrescentando que devia ter havido “mais pedagogia na atitude do PNA (aviso registado e repreensão)”. Para os espeleólogos é ainda estranho que, estando quatro pessoas do NECA na Mata do Solitário, só três tenham sido autuadas. A indignação aumenta ainda mais porque os elementos do NECA estavam a efectuar fotografias sobre a vegetação da Arrábida, “encomendadas pelo Museu Oceanográfico do PNA” e o reconhecimento de uma cavidade, actividades que o PNA considerou tratar-se de “lazer”. Indignação também pelos inúmeros problemas que se encontram por resolver e pelos diversos atropelos à lei, quase sempre ignorados: pedreiras a menos de 500 metros de distância de sítios de grande interesse cultural, camiões invariavelmente sem cobertura, derrames de óleos para a rede subterrânea, lixo na Mata do Solitário,…
Pontos quentes
A Gruta do Zambujal passou, no ano transacto, para a alçada do PNA (ver jornal FORUM AMBIENTE nº 159, de 12 de Dezembro de 1997). Contudo, o Sítio Classificado da Gruta do Zambujal continua desprotegido. Segundo Francisco Rasteiro, foi dito pelo director do PNA que até ao final de Fevereiro deste ano o caso da Gruta do Zambujal estaria resolvido e que as pedreiras não avançariam para oeste. Mas não foi isso que aconteceu. As pedreiras estão em laboração e, até hoje, pouco ou nada foi feito para salvaguardar a Gruta do Zambujal.
O plano de ordenamento turístico da Arrábida estaria em consulta pública no início de 1998 (ver jornal FORUM AMBIENTE nº 158, de 5 de Dezembro de 1997), integrado na reclassificação do Parque. A primeira e a segunda fases do estudo de ordenamento já se encontram concluídas, mas os trabalhos pararam, aguardando os resultados do programa nacional de turismo de natureza. Na reclassificação do PNA, o Cabo Espichel iria fazer parte do Parque, mas a Gruta do Zambujal e o vale da ribeira do Cavalo, bem como as zonas sensíveis do ponto de vista da construção clandestina, estavam, à partida, excluídas.
O NECA manifestou-se contra a destruição da base oeste da Serra do Risco pelas pedreiras (ver jornal FORUM AMBIENTE nº 137, de 11 de Julho de 1997), enquanto que “a única coisa que o PNA fez foi proibir as pessoas de irem à Serra do Risco”, esclarece Francisco Rasteiro. A área assinalada como reserva geológica em antigos panfletos do Parque está interditada para que os visitantes não incomodem a fauna e a flora, ou talvez, para que não vejam o que a indústria extractiva anda a fazer. O NECA soube, através de um funcionário da pedreira, que irão “cavar” toda essa área em cerca de 60 metros de profundidade. Se as pessoas “estragam e incomodam”, o que fazem as pedreiras?
O plano de recuperação paisagística das pedreiras devia ter sido entregue até ao final de Novembro de 1997. Nesse mês limite, o director do PNA afirmou que o prazo se alargava até Dezembro. Questionado pelo NECA em Fevereiro de 1998, o director referiu que a recuperação estava a cargo da Secretaria de Estado dos Recursos Naturais. “Hoje ninguém sabe o que se passa. A única coisa que se vê são os buracos cada vez maiores. E a recuperação onde está?”, pergunta Francisco Rasteiro.
A FORUM AMBIENTE tentou saber a posição do director do PNA, Ricardo Paiva, mas este esteve incontactável até ao fecho da edição. Até hoje, ainda não houve resposta ao pedido de autorização de 12 de Fevereiro, bem como à contestação de 31 de Março. Com certeza, a polémica não irá ficar por aqui, pois são demasiados, os hot-spots que impedem a cooperação entre o NECA e o PNA.
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