01/09/2008

Espeleótopos

Património espeleológico
Longe da vista, longe da protecção

[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 184, 5 de Junho de 1998]

Gruta do Zambujal (Arrábida) © Francisco Rasteiro (1995)

As grutas, as rochas e as montanhas têm direitos? A legislação é omissa e o tema torna-se cada vez mais actual, enquanto que os testemunhos da história da Terra são destruídos impunemente. A Gruta do Zambujal constitui um exemplo bem elucidativo. Infelizmente não é um caso isolado, pois os exemplos são muitos.

Os espaços naturais que não estão abrangidos por legislação específica, o caso dos geomonumentos ou geo-recursos culturais (em que se inserem as grutas), necessitam de urgente enquadramento legal. Reivindicação que, não sendo nova, continua a aguardar melhores dias. Entretanto, já foram classificadas diversas ocorrências, ao abrigo da legislação existente, como Monumentos Naturais ou Sítios, mas a protecção revela-se frequentemente ineficaz. Um problema tão importante quanto a falta de legislação específica prende-se precisamente com a conservação, valorização e dinamização das ocorrências. O controlo, nomeadamente pela administração local, do uso e gestão correctas das cavidades, baseado idealmente em legislação específica, será uma medida a implementar. No entanto, na sua ausência, torna-se premente o conhecimento das cavernas em que é necessária uma rápida intervenção conservacionista.
O desenvolvimento, divulgação e aplicação de normas legais sobre a conservação do endocarso constituirá, certamente, o passo a dar no sentido de obviar a delapidação do mundo subterrâneo. Devido à manifesta ineficácia demonstrada, nessa matéria, pela Federação Portuguesa de Espeleologia (FPE), entidade que deveria liderar o processo, resta aos cidadãos, em geral, e aos investigadores, em particular, a defesa dos “espeleótopos”. Este processo enquadra-se perfeitamente na ideia de Exomuseu da Natureza, proposta pelo Museu Nacional de História Natural (MNHN) da Universidade de Lisboa.

Não basta classificar
Descoberta em 1978, a Gruta do Zambujal (Sesimbra) suscitou um interesse pouco usual. Foram colocados guardas junto às entradas, para evitar a vandalização do espaço, e requeridos os pareceres dos geólogos Georges Zbyszewski e Veiga Ferreira, bem como da Associação Portuguesa de Investigação Espeleológica (APIE). Os pareceres foram unânimes - tratava-se da maior gruta a sul do Tejo, uma autêntica “pérola” da espeleologia portuguesa, uma cavidade realmente impar no tocante à espectacularidade, profusão e raridade das concreções aí existentes. A Gruta do Zambujal, num processo inédito e invulgarmente rápido, foi a primeira cavidade a beneficiar do estatuto de Sítio Classificado de interesse espeleológico (Decreto-lei nº 140/79, de 21 de Maio).
O grande interesse que esta cavidade despertou, quer na comunidade científica, quer na opinião pública, augurava uma nova era para as grutas e carsos do país. No entanto, não passou de um literal fiasco. Passados alguns anos, as grades que bloqueavam as entradas foram forçadas e as incursões antrópicas começaram a deixar as suas marcas. Por outro lado, a actividade extractiva, a menos de 500 metros de distância (o que contraria o disposto no Decreto-lei nº 89/90), revelou igualmente a urgente necessidade de se efectivar a conservação desse geomonumento.
A Gruta do Zambujal situa-se fora da jurisdição do Parque Natural da Arrábida (PNA). Mas, apesar de não ter sido delegada competência a esta área protegida para a gerir, o PNA tem acompanhado o processo desde Maio de 1995. A estratégia do PNA consiste no encerramento urgente da gruta, permitindo contudo o acesso à colónia de morcegos, pois a cavidade constitui abrigo de morcegos-de-peluche (Miniopterus schereibersii) e alguns morcegos-ratos-grandes (Myotis myotis). O processo de encerramento, previsto para Junho de 1998, está dependente do levantamento topográfico da gruta, da elaboração de um estudo de estabilização geotécnica e da execução do “projecto de saneamento da entrada”. Os atrasos no processo permitem assim prever seguramente que o encerramento não se irá concretizar na data indicada.
Após o encerramento da gruta, será equacionada a sua utilização turística, dependente do estudo de estabilização geotécnica e do estudo de viabilidade económica para a sua exploração, bem como a sua utilização no âmbito científico e cultural. O estudo de viabilidade económica deverá considerar a recuperação do espaço da pedreira (prevendo-se o estabelecimento de percurso pedonal, de um auditório ao ar livre, de um espaço de apoio aos visitantes e de um restaurante), assim como a possibilidade de construção de um aldeamento turístico. Saliente-se que as visitas à gruta não se devem processar durante os meses de Outubro a Março e no restante período do ano, as visitas devem compatibilizar-se com os disparos efectuado nas pedreiras que se encontram na zona envolvente. Adivinha-se, pois, incompatibilidades dedifícil gestão!
A Gruta do Zambujal já não é a “pérola” de há 20 anos atrás. Com grande parte das concreções destruídas e parcialmente entulhada por blocos, a sua utilização turística encontra-se seriamente comprometida. Duas décadas depois da classificação, a Gruta do zambujal continua à mercê da burocracia e ineficiência das entidades responsáveis, entre as quais se inclui o Instituto d Conservação da Natureza (ICN), que alega invariavelmente carência crónica de meios. O património espeleológico é que não se compadece com os atrasos verificados. No fim de tudo isto, talvez o concelho de Sesimbra perca um pólo de desenvolvimento local e o país uma das mais belas grutas conhecidas em território pátrio.


Gruta do Zambujal (Arrábida) © Francisco Rasteiro (1995)

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