19/03/2012
O caso curioso
16/03/2012
O processo evolutivo da espécie humana
Este texto trata-se de uma reflexão sobre o hipotético processo evolutivo da espécie humana, com base no texto de opinião de Paulo Mota, publicado no blogue De Rerum Natura, sobre as declarações proferidas por James Watson, co-descobridor da estrutura da molécula de DNA (1953), numa entrevista ao Sunday Times, publicada no dia 14 de Outubro de 2007.
“A Humanidade não entrou na história da vida de uma forma estrondosa. Os primeiros homens [não] tinham nada de impressionante. Eles esgueiraram-se, na Natureza, pela porta traseira (Hublin & Seytre, 2009: 45)”. Mas, apesar da raridade dos dados disponíveis, não existem hoje dúvidas de que o continente africano é o berço da humanidade. Tal como não existem dúvidas, por via de diversas evidências de evolução, de que o Homem actual é o resultado de um processo evolutivo. Conhecem-se duas espécies do género Homo que terão vivido entre 2.45-1.55 milhões de anos (Ma), o H. rudolfensis e o H. habilis (o hábil inventor da pedra lascada) que, mais tarde, desapareceram e deram lugar ao H. erectus (ou H. ergaster). A expansão das estações arqueológicas onde foram encontrados fósseis com menos de 1.7 Ma mostra que os Homininos já não se encontravam confinados a um pequeno nicho ecológico: tendo explorado novos territórios, ultrapassaram as fronteiras da savana e saíram de África (Hublin & Seytre, 2009: 51).
Há cerca de 1.5 Ma a espécie H. erectus (ou H. ergaster) expandiu-se até à Ásia e, depois, para a Europa. Durante milhares de anos diversas barreiras geográficas (desertos, glaciares e mares interiores) separaram as populações, permitindo a especiação. No norte da Europa surgiu uma espécie adaptada ao frio: o H. neandertalensis. Entretanto, na África sub-tropical desenvolveu-se uma espécie adaptada ao calor: o H. sapiens. Há cerca de 100 mil anos esta espécie expandiu-se até ao Médio Oriente e há 45 mil anos o aquecimento climático proporcionou-lhe um caminho até à Europa. Este fraccionamento da espécie H. erectus em duas espécies-filhas, semelhantes, é um exemplo típico de microevolução.
O estudo do ADN mitocondrial confirmou que as linhagens que deram origem ao Homem Moderno e ao Homem de Neandertal há cerca de meio milhão de anos que divergiram, tal como os fósseis o tinham sugerido. O isolamento geográfico não conduz, por si só, à formação de novas espécies mas, ao permitir uma divergência genética das populações isoladas, contribui para o processo da evolução. O ponto de partida será a geração de variações através de mutações, que são mudanças aleatórias na composição química dos genes, nas posições dos genes nos cromossomas e no número dos próprios cromossomas. Quando um novo mutante ou uma nova combinação de alelos raros ou preexistentes consegue superiorizar-se ao alelo comum, “normal”, há tendência para alastrar pela população ao longo de muitas gerações e, com o tempo, torna-se a nova forma genética (Bacelar-Nicolau & Azeiteiro, 2001: 106). O genótipo é alterado e, em consequência, gera-se um fenótipo diferente. Será igualmente de salientar, de entre os modos de selecção natural, a importância que terá desempenhado a selecção direccionada resultante das mudanças ambientais, provocadas pelas alterações climáticas, e das migrações das populações para novos habitats com diferentes condições ambientais.
O estudo do DNA mitocondrial sugeriu também que todos os humanos modernos tiveram uma origem recente (há cerca de 150 mil anos) no seio de uma população bastante pequena que vivia na África (Sabbatini, 2001 in Paradela et al., s/ data; Hublin & Seytre, 2009:90). O pequeno tamanho desse primeiro povoamento (cerca de 15 mil indivíduos) teve um “efeito fundador”: sendo a sua variabilidade genética excepcionalmente fraca, algumas características presentes na população-mãe de África ficaram marcadas na sua descendência.
Muitas características morfológicas e comportamentais dos seres humanos são determinadas por um conjunto de genes, como a cor da pele e, até, eventualmente a inteligência (Sternberg et al., 2005 in Paradela et al., s/ data). Um modelo para explicar a herança da cor da pele em humanos classifica os indivíduos em cinco fenótipos básicos: negro, mulato escuro, mulato médio, mulato claro e branco. Essa classificação seria controlada por dois pares de genes, cada par composto por dois alelos, sendo que um dos alelos de cada par seria mais activo na produção de melanina em detrimento do outro (King, 1999 in Paradela et al., s/ data). Entretanto, existem outros modelos que afirmam a correlação de três ou mais genes, com os seus respectivos alelos, originando fenótipos diferentes. A determinação dos genes ligados à inteligência é ainda mais incerta e controversa, uma vez que não se sabe quantos e quais são atribuíveis a essa “característica” (Rees, 1993 in Paradela et al., s/ data).
O Homem de Cro-Magnon, tal como é conhecido o primeiro representante da nossa espécie a chegar à Europa, constitui um excelente exemplo no tocante à evolução da “inteligência”. A sua chegada ao Sudoeste francês assinalou uma explosão de inovações tecnológicas e expressões artísticas que passou, desde então, a caracterizar de forma inequívoca os humanos “modernos”. No entanto, tal explosão de “inteligência” não teve expressão detectável em termos genéticos (Le Fanu, 2009: 50).
Conclusão
Devido às suas implicações sociais, a genética e a evolução humanas são assuntos altamente impregnados de emotividade e grande parte da literatura sobre esses temas é influenciada por afirmações que não são baseadas em evidências mas em suposições (Futuyma, 1942 in Paradela et al., s/ data). Nesse contexto, tanto as afirmações de James Watson, publicadas no Sunday Times, como as inúmeras reacções ao artigo em causa devem ser encaradas com as devidas reservas.
É possível estabelecer, com base em critérios biológicos, a existência de duas ou mais subespécies, para uma dada espécie, quando as suas características genéticas são suficientes para as diferenciar, o que não ocorre na espécie humana. Embora a cor de pele e a inteligência estejam no centro de discussões sobre a existência de “raças” humanas, a genética revela que essas polémicas são infundadas.
Pedro Cuiça (2011)
Bibliografia
Bacelar-Nicolau, P. & Azeiteiro, U.M. (2001): Introdução à Biologia; Universidade Aberta, Portugal, pp. 220.
Hublin, Jean-Jacques & Seytre, Bernard (2009): No Tempo em que Outros Homens Viviam na Terra - Novas perspectivas sobre as nossas origens; Publicações Europa-América, Mem Martins (Portugal), pp. 198.
Hunt-Grubbe, Charlotte (2007): The elementary DNA of Dr Watson; Disponível em: http://entertainment.timesonline.co.uk/tol/arts_and_entertainment/books/article2630748.ece; Acesso em: 8 de Dezembro de 2010.
Le Fanu, James (2009): Porquê nós? - O mistério da nossa existência; Civilização Editora, Porto (Portugal), pp. 360.
Paradela, Eduardo Ribeiro et al. (s/ data): Poderiam os fundamentos da evolução humana e da genética desfazer discussões entre "raça" e "inteligência"?; Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3119; Acesso em: 8 de Dezembro de 2010
A (r)evolução do Bipedismo
“Para poder andar é preciso estar de pé.”
Provérbio Berbere
Estamos longe da controvérsia originada por Charles Darwin quando este publicou a obra The Descent of Man and Selection in Relation to Sex (1871): que o Homem descendia do macaco! A genética e a paleontologia revelaram uma realidade bem mais radical do que aquela que tanto chocou os contemporâneos de Darwin. O homem não descende do macaco, na verdade trata-se de um macaco! Sabemos mesmo, exactamente, onde o localizar na sistemática dos seres vivos: ao lado dos chimpanzés1. Estes são o nosso parente vivo mais próximo. Do ponto de vista molecular, a diferença entre o Chimpanzé (Pan troglodytes) e o Homem (Homo sapiens) é das mais ténues. A maior parte das proteínas humanas são idênticas (em mais de 99%) às equivalentes dos chimpanzés. No campo da genética, onde as sequências do ADN das duas espécies podem ser colocadas lado a lado (95% do ADN), o Homem e o Chimpanzé partilham 98.8% do genoma. A nossa “humanidade” reside em 1.2% dos nossos genes2! As aparentemente triviais diferenças genéticas que separam os nossos “primos” Homíneos de nós próprios parecem insuficientes para justificar as diferenças físicas que nos distinguem3, no entanto estas são marcantes. À medida que a hominização se processou, ao longo do tempo, os corpos sofreram melhorias não só tendentes à marcha bípede como adquiriram características de animal corredor.
Duas pernas para um cérebro
Entrámos no século XXI com muitíssima mais informação acerca dos nossos ancestrais do que aquela que esteve ao dispor dos nossos antecessores nos últimos 150 anos, desde que Darwin publicou a Origem das Espécies (1859). Nesse contexto, destacam-se as sensacionais descobertas dos mais antigos antepassados do Homem, em particular os dois esqueletos fossilizados de Lucy e do Rapaz de Turkana que marcam as duas primeiras etapas distintivas da hominização: o bipedismo e a expansão do cérebro. O fóssil denominado “Lucy” (com cerca de 3.5 Ma4) trata-se de um Australopithecus afarensis, o mais antigo antepassado conhecido que terá caminhado erecto5. As pistas vitais para determinar o bipedismo de Lucy residem no ângulo agudo ascendente da cabeça do fémur e na pélvis de forma distinta que, em conjunto, transferem o centro de gravidade para cima dos pés6. O novo método de locomoção de Lucy não tardou a ser confirmado com a descoberta de uma espantosa série de três conjuntos de icnofósseis: pegadas, com cerca de 3.7 Ma, impressas sobre cinzas vulcânicas7, caracterizadas por marcas vincadas do calcanhar, uma curvatura plantar bem desenvolvida e um dedo grande (hallux) forte e alinhado com os outros8. A locomoção bípede, entre os ancestrais dos humanos, remontará segundo alguns autores a 3.5 a 4 Ma9, enquanto outros apontam para pelo menos 4.4 Ma10, 4.5 a 7 Ma11 ou até mesmo 10 a 12 Ma12.
Alguns anos depois foi descoberto outro esqueleto quase completo, o do designado “Rapaz de Turkana”, um pré-adolescente da espécie Homo erectus (ou H. ergaster), com cerca de 1.6 Ma, reflectindo a segunda singular etapa da hominização: possuir um cérebro prodigiosamente alargado13. As nossas cabeças não se terão expandido apenas porque nos tornámos bípedes, segundo o antropólogo Daniel Lieberman melhorámos enquanto corredores porque as nossas cabeças se expandiram, fornecendo mais lastro14.
Estes primeiros Homo africanos eram excelentes bípedes. A capacidade do bipedismo seria aliás, antes de mais, uma adaptação para percorrer longas distâncias15. Estudos recentes realizados por Lieberman e os seus colegas, na Universidade de Harvard, sugerem que o Homo erectus estava perfeitamente adaptado à marcha mas também à corrida de endurance16.
O professor de biologia evolutiva Dennis Bramble, da Universidade do Utah, também estava na senda do Homo corredor. Bramble focou-se num tendão situado por trás da cabeça do Homem, pouco conhecido, que se chama “ligamento da nuca”, uma membrana fibrosa que se estende da protuberância occipital externa até à sétima vértebra cervical (C7), e que está ausente nos chimpanzés. A base posterior do crânio de um Australopithecus é lisa e a de Homo erectus apresenta uma ranhura rasa para o ligamento nucal17. Ora, esse facto é de certo modo desconcertante porque o ligamento da nuca só será útil para estabilizar a cabeça quando um animal se move rapidamente; um caminhante não precisa dele. Tal como possuir um avantajado gluteus maximus (músculo grande glúteo) será apenas necessário para correr! Da mesma forma, o tendão de Aquiles não serve para nada a caminhar, motivo pelo qual os chimpanzés não o possuem. Nem o teria o Astralopithecus; este tendão só terá surgido, há cerca de 3 Ma, no género Homo18. Estas e outras características, que surgiram no decurso da hominização, explicam a evidência de que o Homem é o único primata capaz de efectuar corrida de endurance; capacidade até invulgar nos quadrúpedes, exceptuando carnívoros sociais (como os lobos ou as hienas) ou os ungulados migratórios (como os bois-cavalo)19.
Mais extraordinário é constatar que um ser humano normal tem uma passada mais comprida do que a de um cavalo20 e que não só pode vencer esse animal em corridas de longo curso como praticamente qualquer quadrúpede! Todos os anos corredores e cavaleiros enfrentam-se numa corrida de 80 quilómetros de “Homem Contra Cavalo” em Prescott (Arizona). Paul Bonnet ganhou a corrida em 1999 e no ano seguinte Dennis Poolheco venceu a prova, tal como nas seis edições seguintes, até Bonnet reconquistar o título em 2006. Seriam precisos oito anos até que um cavalo voltasse a vencer!
Bramble ficou igualmente surpreso por descobrir que todos os mamíferos corredores estão restritos ao mesmo ciclo de “dá-um-passo inspira-uma-vez”, excepto o Homem21. Os corredores humanos podem escolher entre uma série de rácios, optando geralmente pelo dois para um.
Os Homo também são os únicos animais que libertam a maior parte do calor corporal através da transpiração. Todas as criaturas cobertas por pêlos arrefecem sobretudo através da respiração, o que restringe o seu sistema de regulação de calor ao nível dos pulmões. “Mas os seres humanos, com os milhões de glândulas sudoríferas, são o melhor motor de ar condicionado que a evolução pôs no mercado”22. Platão tinha alguma razão ao classificar o Homem como um “bípede sem penas”. O Homem será, portanto, um macaco nú23… e que transpira24.
Depois de se tornar evidente que a hominização terá evoluído no sentido de privilegiar a corrida de fundo, a questão que se colocou foi: para que serve, então, a resistência num “campo de batalha” aparentemente concebido apenas para a velocidade? Essa foi a pergunta a que Bramble procurou dar resposta, na década de 90, juntamente com Lieberman. Afinal o Homo não podia escapar a nenhum predador com essa capacidade25, mas também não precisaria tendo em conta que se tratava de um animal gregário, que agia em equipa, e de mãos livres para empunhar armas (como, aliás, o fazem os chimpanzés).
A resposta surgiu na mudança de menu, que se terá verificado há cerca de 2 Ma de anos, quando o simiesco Australopithecus evoluiu para se tornar no Homo erectus, passando de uma dieta de plantas duras e fibrosas para doses regulares de carne. A redução da região abdominal deste último resultou na consequente diminuição do tamanho do intestino e no aumento da ingestão de carne em detrimento da ingestão de vegetais, fibrosos e pobres em energia. O Homo erectus já não tinha necessidade de se refugiar em árvores, na verdade já seria um verdadeiro caçador capaz de percorrer grandes distâncias nas quentes savanas e estepes onde habitava26.
Então outra questão se colocou: como é que os Homo erectus obtinham carne se o arco e a flecha foram inventados há 20 mil anos, a lança há 200 mil anos e estes já por cá andavam há 2 Ma de anos? Isso indicia que durante a maior parte da sua existência os Homininos terão caçado sem armas! Tudo indica que sim, porque apesar de um veado ser muito mais rápido a sprintar, o Homem é mais rápido na corrida de fundo. Quando o veado entra em défice de oxigénio, nós ainda mal estamos a ofegar.
A caça de persistência (como é conhecida pelos antropólogos) não deixa vestígios - não há pontas de flecha, nem lanças - e os caçadores desse estilo são uma raridade; estão em vias de extinção. Apesar da existência de informações, quase lendárias, acerca dos caçadores Tarahumara que caçavam perseguindo as suas presas até à exaustão27, foi muito difícil obter provas de tal proeza. O primeiro relato fidedigno de tais feitos teve origem no testemunho de Louis Liebenberg que viveu seis anos com os bosquímanos do deserto do Kalahari. Estes “fósseis vivos”, cuja sabedoria e vivências remontam ao nosso passado pré-histórico, eram peritos em seguir os rastos de animais e possuíam uma perspicácia mortífera na caça de persistência, muito mais eficaz do que o uso de arco e flecha28. Eureka!
Conclusão
O Homem é o único macaco que anda permanentemente apoiado nas patas traseiras e o único capaz de empreender corridas de endurance. O bipedismo parece ter, se não implicado, pelo menos permitido, outros aspectos importantes da evolução humana: a reorganização do crânio, com um aumento do volume do cérebro; a libertação da mão, que já não está ocupada com a locomoção; e, talvez, até o aparecimento da fala.
O Homem sobreviveu e prosperou porque, ao “seleccionar” as mutações genéticas que favoreceram o bipedismo e o aumento do cérebro, a Natureza o dotou de uma considerável vantagem biológica para lhe maximizar as hipóteses de sobrevivência29.
Porque muitos dos desafios que a corrida de endurance coloca ao Homem são muito diferentes dos exigidos pela marcha, podemos concluir que as capacidades para a corrida de endurance não terão surgido como um resultado secundário30.
Pedro Cuiça (2011)
Notas
1Designa-se por “Antropóides” a superfamília que agrupa os homens e os grandes macacos actuais (Chimpanzé comum, Bonobo, Gorila, Orangotango e Gibão), assim como o ramo dos seus antepassados comuns; por “Hominídeos” a família que inclui o Homem, o Chimpanzé, o Gorila e o Orangotango; por “Homíneos” a subfamília que inclui o Homem e o Chimpanzé; e por “Homininos” a tribo que agrupa o Homem e o ramo dos seus antepassados e parentes desde a separação do Chimpanzé (Hublin & Seytre, 2010:17).
2Hublin & Seytre, 2010; p. 15
3Le Fanu, 2009:61
4Ma: milhão de anos
5Lucy foi descoberta, em 1974, por Donald Johanson e Tom Gray, em Hadar, no Deserto de Afar (Etiópia).
6Le Fanu, 2009:55
7Massada, 2001:106
8Bonito, 1996. Saliente-se que alguns autores defendem esta interpretação (Leakey, 1978; Leakey & Hay, 1979; Clarke, 1979; White, 1980; Day & Wickens, 1980; Hay & Leakey, 1982; Charteris et al., 1982; Tuttle, 1985, 1987; Leakey, 1987; Robbins, 1987; White & Suwa, 1987; Tuttle et al., 1991a, 1991b; Schmid, 2003; in McHenry, 2003), enquanto outros atribuem estes rastos a pré-homininos (Clarke & Tobias, 1995; Clarke, 1999; Berillon, Deloison & Meldurm, 2003; in McHenry, 2003). Os primeiros estudiosos dos australopitecos, tal como outros posteriormente, enfatizaram o seu bipedismo (Gebo, 1992; Johanson et al., 1982; Latimer, 1988; Latimer, 1991; Latimer & Lovejoy, 1989; Latimer & Lovejoy, 1990a, 1990b; Latimer et al., 1982, 1987; Leakey, 1981; Lovejoy et al., 1982; McHenry, 1982, 1984, 1991, 1994; Tuttle et al., 1991b; White, 1980; in McHenry, 2003; Bramble & Lieberman, 2004:351), mas existem autores que não estão de acordo (Bacon, 1994; Christie, 1997; Clarke & Tobias, 1995; Deloison, 1984, 1985, 1991, 1997; Lamy, 1983, 1986; Le Floch-Prigent & Deloison, 1985; Lewis, 1989; Sarmiento & Marcus, 2000; Senut, 1980; Senut & Tardieu, 1985; Stern & Susman, 1983, 1991; Susman & Stern, 1991; Susman et al., 1984; Tuttle, 1981; in McHenry, 2003).
9Zihlman, 1981:75; Lovejoy, 1981:341; McHenry, 1982:153; in Battles, 2004:2
10Bramble & Lieberman, 2004: 345
11Hublin & Seytre, 2009:24
12Mendes, 1985:443; Lovejoy, 1988:118
13O Rapaz de Turkana foi descoberto, em 1984, por Kamoya Kimeu, em Kariokotome, perto do Lago Turkana (Quénia).
14MacDougall, 2010:293
15Washburn, 1960: 173; in Battles, 2004:5
16Hublin & Seytre, 2010:48-49
17Bramble in McDougall, 2010:287
18Bramble & Lieberman, 2004: 347
19Bramble & Lieberman, 2004: 345
20McDougall, 2010:289
21McDougall, 2010:290
22McDougall, 2010:290
23Segundo a feliz expressão que deu título ao livro homónimo de Desmond Morris (1967): The Naked Ape
24Hublin & Seytre, 2010:30
25Battles, 2004:3
26Hublin & Seytre, 2010:49
27Bennett and Zingg, 1935; in Battles, 2004:8
28Mcdougall, 2010:306
29Le Fanu, 2009:53
30Lieberman, 2007:434
Referências bibliográficas
Battles, Sheryl D. (2004): The Running Man; University of Alabama, pp. 24; Disponível em http://www.as.ua.edu/ant/bindon/ant475/Papers/Battles.pdf; Acesso em: 28 de Outubro de 2010
Bonito, Jorge (1996): Os nossos primeiros passos de adaptação social; Brotéria Genética, XVII (XCII), pp. 33-41. Disponível em http://evunix.uevora.pt/~jbonito/images/BG2.pdf; Acesso em: 11 de Novembro de 2010
Bramble, Dennis M. & Lieberman, Daniel E. (2004): Endurance running and the evolution of Homo; Nature, vol. 432, pp. 345-352; Disponível em http://www.fas.harvard.edu/~skeleton/pdfs/2007i.pdf; Acesso em: 28 de Outubro de 2010
Darwin, Charles (1871): The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex; Penguin Books, London (England), 2004, pp. 792.
Hublin, Jean-Jacques & Seytre, Bernard (2009): No Tempo em que Outros Homens Viviam na Terra - Novas perspectivas sobre as nossas origens; Publicações Europa-América, Mem Martins (Portugal), pp. 198.
Le Fanu, James (2009): Porquê nós? - O mistério da nossa existência; Civilização Editora, Porto (Portugal), pp. 360.
Lieberman et al. (2007): The evolution of endurance running and the tyranny of ethnography: A reply to Pickering and Bunn; Journal of Human Evolution 53, pp. 434-437; Disponível em http://www.fas.harvard.edu/~skeleton/pdfs/2007i.pdf; Acesso em: 28 de Outubro de 2010
Lovejoy, C. Owen (1988): Evolution of Human Walking; Scientific American 259, no. 5, Nov. 1988, pp. 118-125; Disponível em http://www.clas.ufl.edu/users/krigbaum/proseminar/Lovejoy_1988_SA.pdf; Acesso em: 28 de Outubro de 2010
McDougall, Christopher (2010): Nascidos para Correr; Caderno, Alfragide (Portugal), pp. 368.
McHenry, Henry M. (2003): Uplifted Head, Free Hands, and the Evolution of Human Walking; Disponível em http://www.anthro.ucdavis.edu/faculty/mchenry/BipedtoStider.pdf; Acesso em: 28 de Outubro de 2010
Mendes, J. Caria (1985): As Origens do Homem - Bases Anatómicas da Hominização; Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa (Portugal), pp. 608
Massada, J. Leandro (2001): O Bipedismo no Homo Sapiens - Postura Recente, Nova Patologia; Editorial Caminho, Lisboa (Portugal), pp. 280.
Magia da Arte
15/03/2012
Red Deer Cave People
Folk Lore
O desiderato de compreender a arte rupestre não se centrará sobretudo numa questão de proveniência da informação acerca da mesma mas sim numa questão qualitativa, i.e., na qualidade dessa informação e da sua adequada interpretação. Confundir folclore com folk lore não será, certamente, a melhor opção... Tal como confundir cátedra com catedral :)
“We recognize the special significance that rock art continues to have in the traditional culture of Plains Indians. Many Native people regard rock art sites as sacred places and consider pictographs and petroglyphs as links to the spirit world. Rock art is thus far more than an archaeological resource to be classified and managed, or an artwork to be admired – it is part of a living culture and a sacred heritage that must be honored.
(…)
In traditional Plains Indian beliefs, much rock art originates in the spirit world. Oral traditions often describe petroglyphs and pictographs as “writings” of spirit beings – images that, shifting and changing over time, communicate messages from the spirit realm to living people. In this traditional world view, everything in life reflects a celestial order, and objects and beings possess sacred powers. Events are seen as repetitions of mythic precedents taking place in cyclic time, and human actions repeat those of the spirit ancestors.
In contrast, the scientific or historic conception of the world views objects and people independent of the cosmos. Time is a linear progression, in which each event is uniquely related to the historical past, and current cultural conditions are explained as the result of a series of actions taken by human beings. Based on this view, archaeologists identify rock at as the creation of people at various times in the chronological past.
(…)
Too often, rock art researchers have misunderstood or dismissed traditional explanations because they did not fit scientific models. From our viewpoint, traditional explanations offer valuable insights into the meaning and function of the images – in many ways they can be understood as metaphors of how non-Western cultures relate to their world (Whitley, 1994). These sacred interpretations, when understood in terms of their cultural context, often provide information available nowhere else.”
James D. Keyser & Michael A. Klassen in Plains Indian Rock Art (University of Washington Press, 2001, pp. x e 28)
14/03/2012
La Caverne
“Il est certain que parmi les monuments sacrés, la caverne offre un cas particulièrement impropre à la systématisation architecturale de la décoration. Univers déconcertant, elle n’est pourtant pas un univers déroutant et l’homme moderne y voit en termes d’architecture terrestre une entrée, des salles, des passages, des couloirs, des alcôves, des culs-de-sac. A ces images génératrices d’un ordre rassurant se superpose un autre monde d’images désordonnées, nées des volumes inconstants des parois; ces images sont empruntées pour une part à l’architecture (colonnes, draperies…) pour une autre part au monde familier ou étrange (arbre de Nöel, Vierge et enfant, betteraves vues par-dessous, concrétions en chou-fleur, animaux…). Enfin un troisième train d’images, moins conscientes, forme un fond assourdi qui se reflète dans l’assimilation de la caverne à un corps (boyau, entrailles, sein de la terre) et par ce qui transparaît dans de nombreuses traditions folkloriques et dans la psychanalyse, d’assimilation à un corps féminine. L’humanisation spatiale, le rapport à des objets connus, les résonnances physiologiques ne sont pas des faits propres à l’homme modern mais relevant d’un système de référence humain au sens le plus large. S’il y a lieu de ne manier qu’avec prudence la comparaison ethnographique, il n’y a pas des raisons pour refuser de vérifier l’application éventuelle d’un schéma aussi général à l’homme paléolithique. La préhistoire traditionnelle lui a accordé sans peine le second point: on ne pouvait pas nier que les paléolithiques aient vu des cuisses de chevaux, des corps de bison, des têtes dans le relief des parois. On a même cite, à Gargas et à Pech-Merle par exemple, des cas de détails naturels dont la décoration montrait l’assimilation à des organes féminins (vulve, seins). Ce n’est pas dépasser les limites de l’objectivité que de tester les trois aspects de l’intégration spatiale de la caverne et de rechercher: 1) si les paléolithiques ont transposé l’espace terrestre; 2) comment ils ont vu dans les accidents de paroi des objets précis et 3) dans quelle mesure la caverne était perçue comme l’intérieur d’un corps.”
André Leroi-Gourhan in L'art pariétal - Langage de la préhistoire (Édition Jérôme Millon, 2009, pp. 197-198)
Gruta de Altamira (Cantábria - Espanha)
13/03/2012
A Idade do Gelo
09/03/2012
Between...
Há muito que o Homem perdeu a clarividência atávica mas, quem sabe, talvez o regresso à natureza (ao ser natural) possa, por um processo de anamnese, desvelar parte do significado da arte rupestre. Como referiu o escritor Gilberto de Lascariz, “a essência da arte está no corpo” mas como o xamanismo implica a alteração radical da percepção do corpo, sem transcendência dificilmente se poderá empreender a compreensão dessa velha arte, dessa manifestação parietal em espaço(s) sagrado(s). Será preciso um naturalismo transcendente e saudosista, à moda de Pascoaes, ou um transcendentalismo panteísta, pessoano, ou algo ainda mais primevo ao estilo de uma boa batida (caçada)? Talvez tenhamos de nos preparar para viajar no tempo (e no espaço!), tornando-nos de certo modo tribais, religar-nos à natureza de uma forma primária, primitiva, animal… Ao estilo de David Abram, sentir a excitação de “novas sensibilidades”, de uma “recém-encontrada consciência de um mundo mais-do-que-humano, do grande poder da terra e, em particular, de penetrante inteligência de outros animais, grandes e pequenos, cujas vidas e culturas se interpenetram com a nossa”.
Voltemos à interpretação científica da arte rupestre paleolítica como manifestação xamânica, na perspectiva de David S. Whitley (in Cave Paintings and The Human Spirit, 2009, pp. 167-171):
“The culmination of our Trois Frères visit was the Sanctuary, another chamber whose relatively small size belied the fact that it contained some of the most notable examples of Paleolithic art. The art here was almost entirely engraved like the open-air panels at Côa. Like them, too, the principle panels were a disorienting palimpsest of engraved lines, taken to another level of confusion: art seemingly gone entirely awry. Careful examination, aided by Breuil’s meticulous copies, revealed a complex array of overlapping yet beautifully executed images: stoic, almost imperious, or alternatively fast-charging bison; short-legged, thick-bellied, and wide-necked horses (fat ponies with broached manes, to my modern eyes); curious ibex and caprids, posed as if peering intently from some high rock or crag; running reindeer and deer, chins jutted forward (lowering and streamlining their antler racks, aiding a run through wooded areas); a large bear, covered by small circular dots with lines flowing out of its mouth and nose; all mixed with a seemingly random array of geometric signs. Intermingled among the “animals” were two human- animal conflations, suggesting that all of these images were more likely spirits in animal form than animals in any normal sense.
One of these conflations stood upright on two legs with its head turned as if looking back, expectantly, over its shoulder. It had a bison’s upper body but seemed human from the waist down, especially its large and erect penis, which emerged from the interior of its groin, like that of a human, rather than from a penis sheath on its belly, like that of a bovine. Another conflation, likewise an upright and noticeably phallic bison, walked forward on two distinctly human legs and feet. Two conjoined lines, creating a bowlike form, seemed to emerge from its nose. (…) Perhaps more importantly, as Breuil first noted, this bison-human seemed to be advancing, upper bison legs out-raised, on a bison-cow, apparently in estrus. Her head was turned back over her shoulder, seemingly looking at the advancing male, as she presented her exposed vagina (shown as concentric circles) for mounting.
The sexual symbolism at Chauvet Cave was to me (and Jim Keyser) obvious; the voluptuous nature of the Trois Frères imagery made the erotic intent of the artists all the clearer, pointing toward another kind of intimacy in this cave. This is the Paleolithic conceptual connection, expressed here in the most intense and biologically fundamental (sexual) form, between humans and bison. These key images signal that this art does not concern animals as food, hunted by man. Nor is it about animals as dangerous creatures, stalking the landscape. It is at least partly about the relationship of humans to animals who, in Native American terms at least, were called “nonhuman people”. This conceptual linkage to humans is materialized here by the bison shaman – this is the only way that these can be reasonably interpreted – exhibiting two common bodily hallucinations associated with altered states: bodily transformation and sexual arousal. Both were employed worldwide, (…), as graphic metaphors for the otherwise ineffable feelings of trance.
(…) Despite the significance of these motifs, the focal point of the Sanctuary was a large painted and engraved image (about two and half feet high), placed above the lower panels, which seemed to command the room. Dubbed the “Horned God” by Breuil, this has been more commonly called the Sorcerer, and is become one of the most famous Paleolithic images. It was a human, of course, or really more than a human for it conflates the features of three, maybe four, different species, poised in a half crouch falling somewhere between an upright two-legged man and a standing quadruped. The hind legs and feet were distinctly human, even to the details of the calf muscles and toes. A large pendant penis and testicles emerged from the creature’s rear, making clear its sex (male) but little else: this is the position of a feline’s sexual organs, not a man’s. A large flowing tail (horse? canid?) also emerged from its rump, which like the rest of the leaning body, appeared to be a cervid (most likely a stag). The ears and antlers confirmed this identification, but the face was different and distinctive, with the deep-set, night eyes and the small beak of an owl. The outward reaching front legs/arms and hands, elbows tucked against the chest, appeared half formed or, better, in a state of transformation. Rather than a sorcerer, this was a shaman transforming, standing at the balance between the natural and supernatural worlds, entering into or emerging from the spirit realm within the cave walls.”