"Apesar de todo o encanto e valor documental da arte móvel, apesar de todas as vantagens que supõe para a tarefa do arqueólogo, não há dúvida de que a arte mural oferece maior grandiosidade e desafia a imaginação do especialista, obrigado a tentar resolver tantos problemas quantos os que se propuser.
Dá-se aqui o caso curioso de que algumas das grutas hoje mais famosas neste aspecto tinham sido repetidamente visitadas ao longo dos séculos - tal é o exemplo muito conhecido de Rouffignac - sem que, no entanto, alguém tivesse reparado nas pinturas ou nas incisões que hoje nos deleitam. Simplesmente, não se viam porque ninguém podia imaginar que uns seres humanos que se supunha extremamente atrasados pudessem rivalizar, num aspecto tão elevado da vida como é a arte, com as gerações modernas.
(...)
A arte rupestre compreende relevos, gravações e pinturas. O relevo não é frequente, mas apresenta algumas belas mostras: o friso solutrense de Le Roc (Sers), indubitavelmente lugar de culto, por exemplo, com a sua série de animais dispostos em semicírculo, os cavalos de Cap Blanc ou a série de representações rigorosamente femininas na parede da Gruta de Anglès-sur-Anglin.
Incisões há muitas e sempre difíceis de ver, pelo que o seu número cresce constantemente, inclusivamente nas jazidas já exploradas. As linhas gravadas são por vezes muito finas ou confundem-se com as fendas da parede rochosa. Há casos (Combarelles, Los Casares, por exemplo) em que todas as representações são gravadas, mas em geral surgem a par das pinturas ou combinadas com elas no todo ou em parte da silhueta animal, ou em certos pormenores da figura.
É na pintura que a arte rupestre alcança todo o seu esplendor. Se observarmos as suas características, notamos alguns traços gerais. As pinturas rupestres do Quaternário ocidental surgem nas paredes das grutas, inclusivamente a grande distância da entrada, em salas amplas ou corredores estreitos, sendo difícil chegar até eles ou mover-se neles com desenvoltura. Só uma parte das grutas susceptíveis de serem aproveitadas o foram na realidade. Em certas ocasiões os níveis arqueológicos cobrem uma parte das pinturas. Estas costumam representar animais, com certo naturalismo, embora ocorram evidentes convencionalismos ou estilizações e não faltem abundantes signos raros, simbólicos sem dúvida, o que permite acompanhar quase paralelamente a evolução do naturalismo na arte quaternária e a da arte simbólica, que chega em alguns temas a competir com o mais moderno que se possa imaginar. No conjunto, sentimo-nos satisfeitos com esta arte e sentimo-la próxima de nós, prova convincente da nossa analogia espiritual com as gentes do fim do Paleolítico.
Luis Percot Garcia & Juan Maluquer de Motes in A Humanidade Pré-Histórica (Editorial Verbo, 1971, pp 69-71)
Gruta de Rouffignac
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