No tocante ao apelo “a
todos aqueles que tenham informações acerca de grutas no concelho de Lisboa”,
no âmbito de um trabalho universitário em que estive envolvido – Ameaças à Geodiversidade – Cavidades subterrâneas
do Concelho de Lisboa – aqui fica o agradecimento aos que de alguma forma responderam
ao dito. Devido à extensão do trabalho publico somente a introdução e as conclusões.
Nos próximos posts conto publicar também os conteúdos referentes ao
trogloditismo e ao “culto das grutas”, tal como as referências toponímicas.
Introdução
21.978
a.C.
Saíram
e dirigiram-se a outra caverna.
Tens
muitos sítios, disse o rapaz.
Há
muitos caminhos debaixo da terra, respondeu o velho, mais que tu possas pensar.
(…)
1936
Era um
dos temas em que [Aquilino Ribeiro] meditava quando passeava pelas
terras da infância, de Sernancelhe à Lapa: que a rudeza pré-histórica não
desaparecera, mesmo nas maiores cidades como Lisboa; apenas ganhara outra
espécie de densidade. O mundo tornara-se hostil à presença do maravilhoso.
Longe deveriam ir os tempos em que andavam faunos pelos bosques.
(…)
1742
(Julho)
Observaram
o local com atenção em busca dos sinais indicados pela Beata de Óbidos.
Contornaram com lentidão o sopé da montanha [Penha de França] retirando os pedregulhos maiores do
caminho para avançar com as carretas e encontraram a entrada da gruta. O
franciscano olhou em volta e não viu vestígios de ocupação; nem ossos, cinzas
ou pegadas: o local estava abandonado há muitos anos. Inclinou-se para
espreitar e cheirou a humidade do interior da terra – musgo e poeira.
(…) ‘Os
Mouros moraram aqui’, disse.
David Soares
(2008) – Lisboa Triunfante
A minha
Lisboa desenhava-se aos poucos como um articulado de pedras engendrado por
gente e cimentado por palavras, sobreposição à primeira vista anárquica de
expressões, gostos, vontades, sonhos e ambições, moldura irremediável da
vivência de quem vem depois e, claro, também, do olhar curioso de quem teima
perceber a trama complexa da evolução da cidade.
José Sarmento
de Matos (2008) – A Invenção de Lisboa – Livro I: As Chegadas
Um trabalho sobre
grutas no concelho de Lisboa pode parecer, à primeira vista, algo de absurdo
tendo em conta que num contexto citadino, onde grande parte do território se
encontra densamente urbanizado, seria difícil encontrar tais cavidades naturais
mesmo que estas já tenham existindo no passado. Esse intento não deixará igualmente de causar alguma estranheza tendo em conta que Lisboa se trata de uma
cidade várias vezes milenar, palco de diversas civilizações, alvo de
cataclismos tão dramáticos quanto o terramoto de 1755 e, não menos importante, na
qual não se ouve hoje falar de tais fenómenos!…
O meu interesse por
esta “desconhecida” temática surgiu, em 1985, com base na leitura de um artigo
da autoria de Octávio da Veiga-Ferreira – Lisboa
há milhões de anos: os homens pré-históricos estabeleceram-se com certeza
nas antigas grutas do Vale de Alcântara!… Desde essa altura, sempre que passo
nesse importante vale lisboeta lembro-me invariavelmente dos nossos ancestrais
pré-históricos e das grutas aí existentes. Memórias que despertam a magia de
outros tempos, nos quais esse vale seria certamente verdejante e no fundo do
qual até uma ribeira corria no seu natural percurso. Um marcado contraste com a
realidade actual em que o antigo curso de água corre encanado sob uma larga
avenida e o vale se encontra pejado de prédios, estradas, viadutos, um
caminho-de-ferro e até uma ETAR.
Enquanto o Vale de
Alcântara, ainda que profundamente descaracterizado, continuar a despertar
memórias de tempos ancestrais, enquanto persistir em ser um hino à lembrança de
outras épocas, não permitirá o esquecimento e, só por isso, funcionará, vezes
sem conta, como uma “máquina do tempo” proporcionando um eterno retorno às saudades
do futuro.
Vale de
Alcântara (PC ã2012)
Conclusões
Há grutas, melhor
seria dizer ainda há grutas, no concelho de Lisboa: os trabalhos de prospecção
permitiram localizar duas dezenas de cavidades. No entanto, a maior parte das
ocorrências confirmadas no terreno encontram-se bastante degradadas, total ou
parcialmente entulhadas e/ou funcionando como depósitos de resíduos de natureza
diversa. Por isso, o acesso às cavidades revela-se impossível, bastante difícil
ou até perigoso, não em termos da dificuldade técnica da progressão mas sim de
“saúde pública”, o que impede ou dificulta a sua caracterização, nomeadamente
no tocante ao seu desenvolvimento ou outros elementos de interesse. O trabalho levado
a cabo também revelou a confirmação de diversas grutas destruídas/desaparecidas
devido à urbanização das áreas onde se encontravam.
A reabilitação da
Gruta do Rio Seco I, no âmbito da sua classificação como geomonumento, revela a
importância dada à preservação da geodiversidade e augura o surgimento de uma
nova mentalidade no que concerne à tomada de consciência acerca dos valores
intrínsecos associados à geologia em geral e às cavidades subterrâneas em
particular. A adequada dinamização desse geomonumento constituirá certamente um
exemplo a seguir e funcionará como estímulo à recuperação de outras cavidades.
A preservação da Furna do Rasto deve ser tida em conta, dado que se trata da
única cavidade existente no concelho relativamente bem conservada, para além de
possuir um desenvolvimento considerável e comportar diversos elementos de valor
inegável.
O trogloditismo e o
“culto das grutas” surgem como valores acrescentados no âmbito das mais
recentes definições de geodiversidade, enfrentando como manifesta ameaça o
esquecimento.