13/04/2009

Mais do mesmo?

"Património está esquecido

[Ana Afonso Nunes ● jornal Público, Ano XX, nº 6949, 12/Abr. 09, p. 18]

A Gruta do Zambujal, em Sesimbra, classificada como Monumento Natural há 30 anos devido ao seu património único a nível nacional, encontra-se em estado de degradação após algumas derrocadas no seu interior que levaram à perda de formações muito importantes e que eram essenciais e únicas a nível nacional, denuncia Francisco Rasteiro, presidente do Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA).
O Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB), a quem compete a responsabilidade pela gestão da gruta, desvaloriza a situação, considerando que “esta queixa não faz sentido”.
A história desta gruta remonta ao período Jurássico Médio, mas foi descoberta apenas em 1978 durante trabalhos de uma exploração de inertes situada no local pertencente ao Parque Natural da Arrábida. Nessa altura, já tinha sido alvo de trabalhos de extracção de pedra.
Classificada no ano seguinte, nunca teve um regulamento, obrigatório a todo o património classificado. Francisco Rasteiro recorda que entre 1994 e 1997 terão ocorrido várias derrocadas no local: “Na segunda visita que fiz a esta gruta existiam máquinas da pedreira a trabalhar numa parede, situação que na altura foi alvo de uma queixa ao Fórum Ambiente.”
Em 1998 terão sido tentadas negociações com o ICNB que “não deram em nada”, acrescenta Francisco Rasteiro, para quem “a autarquia e o ICNB terão tido medo de expropriar os terrenos” que actualmente se encontram fechados ao público.
Augusto Pólvora, presidente da Câmara de Sesimbra, esclarece que “houve actos de vandalização na gruta quando foi descoberta”, mas que actualmente “a gruta está bem conservada”. E partilha a opinião do NECA, segundo a qual há potencial interesse turístico por explorar: “Havia um acordo para a exploração turística do local através de uma empresa com a participação da autarquia.” Porém, o projecto acabou por ser abandonado posteriormente, quando o Plano de Ordenamento da Arrábida não o permitiu.
O ICNB afirma que “devido às derrocadas que já existiram fez vedações para proteger os valores naturais da gruta”, encerramento que, para o espeleólogo “não está adequado para a protecção do microclima existente no interior da gruta, pois há luz, o que origina fungos”. O autarca sesimbrense tem outro relato ainda sobre os factos, afirmando que “há dez, 12 anos o então presidente da câmara mandou colocar pedras grandes para bloquear a entrada da gruta e preservá-la”.
O Instituto de Conservação da Natureza afirma que “as derrocadas se deram apenas no exterior, não tendo existido perturbação no interior”, acrescentando que “a entrada na gruta só é autorizada neste momento para fins de monitorização”, nomeadamente da comunidade de morcegos situada no interior.”


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Gruta do Zambujal (Arrábida) © Francisco Rasteiro (1995)

A Gruta do Zambujal, depois de um período de anonimato (quase diria, de estranho silêncio e esquecimento!), voltou à ribalta por motivos recorrentes. Mais uma vez as derrocadas, o encerramento em vigor, as vontades de parar com a exploração de pedra e passar a usos turísticos! Derrocadas internas não se verificaram, apenas se registaram derrocadas externas, motivo pelo qual foi encerrada a gruta! Primeiro era preciso encerrar a cavidade sob pena de a delapidação da mesma continuar de forma irremediável, depois tornou-se fundamental abrir a gruta ao turismo para garantir a sua preservação! E agora?… Agora, realmente de novo, regista-se a posição frontal do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade face às críticas: estas não têm sentido.
Para quem não tenha reparado, o jornal e/ou a revista Forum Ambiente não se tratavam de uma espécie de “provedor do património subterrâneo” que se pronunciava face a eventuais queixas apresentadas. Foram simplesmente órgãos informativos que veicularam conteúdos noticiosos considerados relevantes e foi nesse contexto que divulgaram, mais de uma vez, a situação caricata da Gruta do Zambujal. Aliás, graças a essas peças jornalísticas (e outras publicadas noutros órgãos noticiosos) é hoje possível “montar” (ou “desmontar”, como queiram) a evolução de acontecimentos em torno da Gruta do Zambujal. Será também muito interessante fazer uma leitura das entrelinhas ou das gritantes lacunas face ao discurso veiculado nas diversas ocasiões… Se é certo que para um bom entendedor meia palavra basta, também não será despropositado focarmo-nos precisamente nos significados encerrados na ausência das ditas (palavras, entenda-se). Tão ou mais importante quanto aquelas que foram expressas, os seus significados ou os contextos inerentes às mesmas. Enfim, exercícios que se recomendam àqueles que verdadeiramente se preocupam com a conservação/preservação do património espeleológico para além de inconfessos interesses individuais ou de grupos de pressão.
Não deixa igualmente de ser interessante o argumento da(s) derrocada(s) que, afinal de contas, se revela um pau de dois (ou mais) bicos, consoante o uso que se queira fazer desse(s) pretenso(s) acontecimento(s). Aliás, tal “argumentação” não é nova nem, muito menos, surpreendente. Já tínhamos assistido a algo parecido no tocante à Caverna do Poço dos Mouros, sita na Rocha da Pena (Algarve). Depois de ter sido divulgada a situação de eminente derrocada da referida caverna esta notícia propagou-se e ganhou direitos de “verdade” insofismável à medida que era, pura e simplesmente, repetida! A "coisa" até deu direito a cartaz de alerta e essa verdade lapalissada (que rima com palhaçada) ainda hoje é repetida por espeleólogos e/ou cientístas da nossa praça... Diz-se que uma mentira de tantas vezes ser repetida se torna numa verdade, não é? Moral da história: passadas quase duas décadas ainda se aguarda a derrocada da cavidade!?... Também se diz que pior que uma mentira será uma meia verdade... E, nesse pressuposto, é certinho que algum dia a cavidade irá ruir, não é? Pois bem, fiquemos por aqui; porque, mais uma vez, para bom entendedor…
Por último, gostaria apenas de chamar a atenção para o jornalismo que se pratica e, claro, desafiar os leitores a fazerem uma leitura critica da peça noticiosa em questão. E, já agora, se estiverem para ai virados, releiam o que foi publicado na Forum Ambiente sobre a Gruta do Zambujal e façam os respectivos juízos de valor (a maior parte das peças já se encontram publicadas no Spelaion). E, claro, façam também uso e "abuso" da dita leitura critica. Já existe suficiente matéria publicada para se poderem retirar algumas conclusões. Antes isso!!!
Caverna do Poço dos Mouros (Algarve) © João Varela (2004)

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