O culto das grutas
Santuários rupestres, incontornáveis
da geografia do sagrado, as grutas surgem desde tempos imemoriais como redutos
naturais associados a cultos pagãos. Fenómeno retomado pelo cristianismo que se
apropriou de alguns desses espaços para aí implementar outra forma de culto.
Talvez o caso mais conhecido corresponda à Gruta de Massabielle
(Pirenéus franceses) que, depois de alegadas aparições marianas atribuídas a
Conceição (de "concepção"), passou a ser conhecida como "Gruta
de Nossa Senhora de Lourdes". Mas os exemplos são inúmeros e Portugal
também é pródigo em santuários cavernícolas: Lapa de Santa Margarida
(Setúbal), Gruta
de Nossa Senhora da Luz (Rio Maior), Capela de
Nossa Senhora da Estrela (Redinha), Gruta de
Nossa Senhora do Tojo (Abrantes), Gruta da
Capela da Memória (Nazaré) e Gruta da Rocha
(Carnaxide), entre outras (CUIÇA, 2011).
A Gruta da Rocha ou Gruta da Senhora da Rocha, como também é conhecida, merece uma menção especial por se localizar num
concelho limítrofe do de Lisboa e muito próximo, portanto, de um caso
semelhante identificado na área em estudo. Situada na margem direita da ribeira
do Jamor, no lugar do Casal da Rocha, esta abre-se em calcários do Cenomaniano superior,
à semelhança das cavidades naturais que ocorrem no concelho de Lisboa e, nesse
contexto, não se destaca das suas congéneres não fosse possuir uma história
algo curiosa que culminou na edificação de uma igreja cujo altar-mor se situa
precisamente sobre a mesma e que foi construída para acolher a imagem de Nossa
Senhora que aí foi descoberta.
Hoje em dia continua a celebrar-se
missa nesse templo, realiza-se uma festividade anual e até existe uma Irmandade
da Nossa Senhora da Conceição da Rocha mas poucos conhecem a existência de uma
gruta nas suas fundações e da lenda que deu origem a tudo isso
A primeira referência a esta gruta
reporta-se à sua (re)descoberta, em 1822, e à estória que se seguiu ao suposto
achamento no seu interior de uma "imagem de cerâmica envolta em pobre manto a delir-se de velhice e
humidade": a Senhora da Conceição. Os eventos que se sucederam
levaram à construção do Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Rocha. Na
verdade, esta gruta já tinha sido descoberta há muito. Tal como tantas outras,
suas congéneres da Península de Lisboa, foi utilizada como necrópole e abrigo,
tendo sido encontrados ossos humanos e materiais pré-históricos (líticos e
cerâmicos) atribuídos aos períodos Neolítico, Calcolítico e Contemporâneo. Existem
também registos (que tivemos oportunidade de confirmar em parte) que dão conta
de sete abrigos/cavidades nas imediações da Gruta da Rocha onde também foram
recolhidos materiais pré-históricos e históricos (CUIÇA, 2011).
O destaque dado à Gruta da Rocha
deve-se ao facto de no sítio do Penedo ter ocorrido um fenómeno similar que
está na origem do nome da freguesia da Ajuda, inicialmente baptizada de Nossa
Senhora da Ajuda precisamente por esse motivo. Ao que consta, dois
pastores de cabras terão encontrado uma imagem de Nossa Senhora numa gruta, tendo sido depois construída
uma ermida para recolher essa imagem, a que se chamou inicialmente Nossa
Senhora Aparecida. As romagens à ermida começaram desde logo e, porque os
devotos diziam receber muitas graças, foi mudada a designação para Nossa
Senhora da Ajuda. A afluência atingiu tais proporções que surgiu a necessidade
de construir um local de culto de maiores dimensões que viria a ser a primitiva
igreja paroquial da Ajuda. O
primeiro documento, de que temos conhecimento, e que refere a Igreja de Nossa
Senhora da Ajuda, data de 20 de Março de 1520 e trata-se do testamento do
fidalgo João de Meyra, feito antes de partir para a Índia, deixando os seus
bens à igreja (CONSIGLIERI et al.,
1996). A cavidade onde se terão despoletado estes eventos e da qual
desconhecemos o paradeiro é designada neste trabalho como “Gruta da
Aparecida”. A sua localização é atribuída, segundo uns autores, ao Largo da
Ajuda (JANEIRA & MASCARENHAS, 2008), mas outros referem outros sítios!
Sobre o culto associado a grutas é também de destacar a referência que
o insigne arqueólogo Leite de Vasconcelos faz, na sua obra Religiões da Lusitânia (1897), sobre a Freguesia da Lapa,
inicialmente denominada de “Nossa Senhora da Lapa". Esse facto, para além da referência
a que já fizemos alusão quando abordámos a toponímia, indicia que aí também
deveria ter havido uma gruta e, quem sabe, associada também ao culto.
Gruta da Senhora da Rocha (Sítio do Casal da Rocha - Carnaxide) (PC © 2012)
Foto integrada no texto: Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Rocha (Sítio do Casal da Rocha - Carnaxide) (PC © 2012)
CUIÇA, Pedro - O Culto das Grutas in Ameaças à Geodiversidade - Cavidades Subterrâneas do Concelho de Lisboa. Lisboa: UA, 2012. pp. 37-38.
Foto integrada no texto: Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Rocha (Sítio do Casal da Rocha - Carnaxide) (PC © 2012)
CUIÇA, Pedro - O Culto das Grutas in Ameaças à Geodiversidade - Cavidades Subterrâneas do Concelho de Lisboa. Lisboa: UA, 2012. pp. 37-38.
2 comentários:
Adoro o artigo.
Um espelologo amigo meu casou-se numa igreja perto de Gernika que tambem estava construida por cima duma gruta (diapiro). Depois de ler o teu artigo pergunto-me se tera sido construida ali pelos mesmos motivos, ja que me parece estranho que tenha sido uma coincidencia que mesmo por baixo do altar principal estivesse uma gruta. Vou-lhe perguntar.
Nao me admirava nada, ali no Pais Basco e cada tiro cada melro. Ha uns meses encontramos uma cova com um esqueleto humano completo(craneo e maxilar con vestigios de dentes e tudo)e mais um animal. Andamos la com os arqueologos e noutra mesmo ao lado foram encontrar vestigios de ceramica e carvao. Agora creio que esta agora no laboratorio.
Una pasada. :)
Escreve artigos mais vezes!
Obrigado pelos teus comentários Simone, é sempre bom ter "novidades" da tua parte. De facto, nesta matéria não há grande margem para coincidências. Existe uma forte e ancestral ligação do Homo às cavidades subterrâneas no que respeita ao "culto"/"religiosidade" e essa ligação foi (re)aproveitada pela igreja. Fenómeno, aliás, que não se circunscreveu apenas às grutas.
Bj
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