(...) Esta forma de inteligência, obviamente, atinge o seu máximo no rei dos primatas: o Homo sapiens. Quando falamos na inteligência superior dos primatas, na superioridade da inteligência símia em relação à inteligência lupina, não nos devemos esquecer dos termos desta comparação: os primatas são mais inteligentes do que os lobos porque, em última análise, são melhores a conspirar e a enganar do que os lobos. É a partir daí que decorre a diferença entre símios e lobos.
(...) Se calhar acham que isto é um retrato deliberadamente distorcido da singularidade humana. Que talvez seja verdade que tenhamos uma inclinação natural para a conspiração e para o fingimento; mas que certamente teremos outras características simpáticas. Então e o amor, a empatia e o altruísmo? Obviamente não contesto que os humanos sejam igualmente capazes dessas coisas. Também os grandes macacos o são. Mas o que estou a tentar fazer é identificar não apenas o que é verdadeiro sobre os humanos, mas o que os distingue. E a ideia de que só os humanos possuem esse tipo de características mais positivas não é fácil de sustentar.
(...) O que me interessa, no entanto, não é o que teremos em comum, mas o que nos distingue das outras criaturas. E a maior parte das pessoas aceita - e até insiste - que é a nossa aclamada inteligência que nos separa das "bestas". Se assim é, temos de ganhar consciência de que essa inteligência teve um preço. Essa inteligência surgiu porque, há muito tempo atrás, os nossos antepassados percorreram um caminho que outros animais sociais não percorreram, e esse caminho era feito de falsidades e conspirações.
(...) Resumindo, o aumento da inteligência que encontramos nos primatas e nos macacos, mas aparentemente não encontramos noutras criaturas sociais, é o resultado de dois imperativos: conspirar mais do que ser vítima de conspiração e mentir mais do que ser vítima de mentiras. A natureza da inteligência símia é irremediavelmente delineada por estes dois imperativos. Tornámo-nos mais inteligentes para que pudéssemos compreender melhor a mente dos nossos pares e desse modo enganá-los e usá-los para os nossos objectivos - precisamente a mesma coisa que eles tentavam fazer connosco, óbvio. Tudo o resto - a nossa impressionante compreensão do mundo natural, a nossa criatividade intelectual e artística - vieram depois como consequência."
PhD Mark Rowlands in "O Filósofo e o Lobo" (Lua de Papel, 2010; p. 68-77)