Rocha da Pena - Um património natural que importa preservar
[Comunicação do 4º Encontro Nacional de Espeleologia AES (Sintra) - Protecção das Paisagens Cársicas (1995)]
O BIÓTIPO
A Rocha da Pena, localizada no limite setentrional do barrocal algarvio, a N da estrada Alte-Salir (concelho de Loulé), constitui um local de grande interesse do ponto de vista geológico, paisagístico, arqueológico, faunístico e florístico, entre outros.
O Serro da Pena, único relevo verdadeiramente vigoroso existente no Algarve (Mariano Feio, 1951), é uma pseudo-mesa resultante da acção erosiva sobre a estrutura monoclinal dos calcários dolomíticos liássicos da formação da Picavessa (Jurássico inf.). Carso alcandorado, orientado segundo E-W, ultrapassa os 50 m de altura na vertente S. No topo, aparatoso planalto ligeiramente ondulado, encontram-se formações lapiares, cerca de uma dezena de dolinas (Crispim, 1982; Costa Almeida, 1985) e diversas cavernas. Uma dolina de abatimento, no topo do planalto, dá acesso ao Poço dos Mouros (Caverna do Poço dos Mouros, Caverna dos Mouros, Buraco dos Mouros, Algar dos Mouros, Lapa da Pena ou Gruta da Rocha da Pena), rica em lendas e de grande interesse arqueológico (Silva Lopes, 1841; Charles Bonnet, 1850; Estácio da Veiga, 1886; Paul Choffat, 1887; Barros Machado & Barros Machado, 1948;…). Esta, é uma das mais conhecidas e maiores cavidades do carso algarvio encontrando-se na sua (grande) sala terminal uma das maiores colónias de quirópteros a nível europeu, segundo J. Palmeirim. Por outro lado, A. Barros Machado & B. de Barros Machado (1948) afirmam o interesse zoológico da cavidade em questão. O Buraco da Caldeirinha (Algarão ou Algueirão da Rocha da Pena) e Algarinho da Rocha Amarela (ou Gurita do Fumo) também possuem as suas lendas e tradições. As duas cavernas da vertente meridional (Cavernas da Rocha da Pena) apresentam grande interesse arqueológico (Costa Almeida, 1979) pois poderão ter funcionado como abrigo do Homo durante o Paleolítico sup./Epipaleolítico (Strauss, 1987). Na vertente N, com diversos troços escarpados, também surgem algumas cavidades.
Fig. 1: Vertentes S e E da Rocha da Pena (adapt. M. Feio, 1951).
A vegetação varia desde formações pioneiras sobre rocha nua e litossolos a diversos estágios de maquis e garrigue; flora característica do Barrocal, constituída por antigas associações florísticas mediterrânicas, é, na sua composição variada, um elemento de grande beleza paisagística. Surgindo a Azinheira (a Quercus hilex ballota geralmente designada por Q. rotundifolia), o Zambujeiro (Olea europea), o Medronheiro (Arbutus unedo), a Aroeira ou Lentisco (Pistacia lentiscus), o Carvalho Cerquinho ou Português (o Q. lusitanica actualmente designado por Q. faginea), o Alecrim (Rosmarinus officinalis), o Rosmaninho (Lavandula stoechas), a Esteva (Cistus sp.),… A inventariação da vegetação da Rocha da Pena, efectuada por Pereira Dias e Leal de Oliveira (1984), referencia nove espécies endémicas (Paeonia broteroi, Thymus mastichina, T. tormentosus, Genista hirsuta, Teucrium hanseleri, Phlomis lycnhitis e Cachrys trifida), sendo duas delas exclusivamente portuguesas (Allium pruinatum e Bellavakia hackelli).
Os verões quentes e secos imprimem o carácter estépico da vegetação herbácea e explicam a dominância de árvores e arbustos de folha perene. Esses longos estios determinam também inúmeras adaptações xerófitas: folhas reduzidas, cobertas de pêlos ou de verniz, coriáceas, aceradas ou tomentosas e resinas odoríferas responsáveis pelo aroma inconfundível dos carsos mediterrânicos.
A acção antrópica, desde tempos remotos, enriqueceu a vegetação e transformou a paisagem; facto bem testemunhado pelos dois amuralhamentos do Neolítico ou da Idade do Ferro (?), localizados no planalto. Estácio da Veiga (1886) destacou que “em toda a freguesia de Salir são frequentes os instrumentos de pedra polida” e Charles Bonnet (1850) referiu os estranhos “amontoadas de pedras” no interior do Buraco dos Mouros.
Os verões quentes e secos imprimem o carácter estépico da vegetação herbácea e explicam a dominância de árvores e arbustos de folha perene. Esses longos estios determinam também inúmeras adaptações xerófitas: folhas reduzidas, cobertas de pêlos ou de verniz, coriáceas, aceradas ou tomentosas e resinas odoríferas responsáveis pelo aroma inconfundível dos carsos mediterrânicos.
A acção antrópica, desde tempos remotos, enriqueceu a vegetação e transformou a paisagem; facto bem testemunhado pelos dois amuralhamentos do Neolítico ou da Idade do Ferro (?), localizados no planalto. Estácio da Veiga (1886) destacou que “em toda a freguesia de Salir são frequentes os instrumentos de pedra polida” e Charles Bonnet (1850) referiu os estranhos “amontoadas de pedras” no interior do Buraco dos Mouros.
Fig. 2: A topografia da Rocha da Pena (Carta Militar de Portugal na escalada de 1/25 000, folha nº 547 - Querença (Loulé).
O pastoreio originou, em grande parte, o mosaico de maquis e garrigue de idade e estrutura variáveis; por outro lado, a agricultura introduziu e/ou adaptou diversas espécies: Oliveira, Amendoeira, Alfarrobeira,… Com a paragem das intervenções tradicionais o maquis, tornando-se impenetrável e estruturalmente uniforme (como acontece na zona N do planalto), representa uma massa importante sujeita a alimentar fogos catastróficos.
Apesar de degradada a fauna da Rocha da Pena apresenta ainda uma diversidade que importa salvaguardar. De entre os mamíferos destacam-se o Geneto (Genetta genetta), o Saca-rabos (Herpestres ichneumon), a Raposa (Vulpes vulpes), o Toirão (Mustela putoris), a Lebre (Lepus capensis), o Coelho (Oryctulagos cuniculus) e diversas espécies de quirópteros. A avifauna é igualmente de grande valor ocorrendo, entre outras espécies noitibós (Caprimulgus sp.), poupas (Upupa epops) e grande diversidade de passeriformes, destacando-se a ocorrência de rapinas (Faconiformes); existem referências à presença da rara Águia de Bonelli (Hieraetus fasciatus), Bufo Real (Bubo bubo), Coruja-do-mato (Strix aluco), Francelho (Falco tinunculus), Milhafre (Milvus regalis), Gavião (Accipiter nisus) e Grifo (Gyps fulcus). A Águia de Bonelli e o Bufo Real ainda ocorrem na Rocha da Pena (?), ambas as espécies constam do Anexo I da Directiva Comunitária 79/409/CEE para a protecção das aves. Será também de destacar a ocorrência de grande variedade de insectos, nomeadamente lepidópteros e coleópteros.
Relevo altaneiro, a Rocha da Pena (480 m) constitui por natureza um miradouro de onde se poderão desfrutar largas vistas panorâmicas; sendo de destacar: a N, o vale da Quinta do Freixo e, mais ao longe, o relevo em montículos de toupeira da serra xistosa que se estende até à linha do horizonte; a W, o entalhe de erosão da ribeira de Alte e a Rocha dos Sóidos (467 m); e a S, a repousante paisagem que, do barrocal ao litoral, desemboca no azul-oceano.
Fig. 3: Vista panorâmica a partir da cota 481 m, a SE do Barranco do Velho (Serra do Caldeirão), para oeste: em primeiro plano e à direita o relevo em montículos de toupeira dos xistos paleozóicos da Serra Algarvia (Negros, 474 m; Juncal, 523 m); à esquerda o relevo da Orla Mesocenozóica Meridional ou Algarvia, mais precisamente do Barrocal ou Carso Algarvio (Rocha da Pena, 480 m; Sóidos, 467 m; Cabeço da Areia, 377;...). Salir situa-se na depressão periférica, que separa o Barrocal da Serra, correspondente aos terrenos do Triásico (adapt. de M. Feio, 1951).
CONSERVAÇÃO E PROTECÇÃO
As falésias e relevos escarpados, até há alguns anos atrás, eram pouco frequentados pelo Homem constituindo dos últimos refúgios onde diversas espécies podiam permanecer sem serem perturbadas. O crescente desenvolvimento economicista e tecnicista inverteu, no entanto, esse cenário.
Não se questionando as transformações do meio, inerentes à própria evolução das populações, reconhece-se, no entanto, a necessidade de implementar um desenvolvimento sustentado que não descure as componentes social, ambiental e cultural, devendo-se optar pela preservação in situ de monumentos naturais, como será o caso da Rocha da Pena, integrados no viver das gentes e sujeitos a uma gestão conveniente do espaço, como defende A. M. Galopim de Carvalho do Museu Nacional de História Natural (MNHN). Nesse sentido, e desde há alguns anos a esta parte, foram propostas diversas modalidades de conservação/protecção da “Serra da Pena” (segundo a expressão de Estácio da Veiga, 1886).
Já em 1977, A. Gomes Guerreiro alertava para a necessidade de “protecção e reserva de zonas escolhidas do barrocal e serra, seleccionadas pelas evidentes características de beleza paisagística, de riqueza natural e de grande potencial genético” (sic.). Deodália Dias e Maria João Ramos, a partir de trabalhos de campo realizados em 1979, propuseram a criação da Reserva Integral da Gruta da Pena: considerando que as populações de quirópteros são particularmente sensíveis à presença humana, especialmente R. mehelyi e M. blythi. A Secretaria de Estado do Ambiente ao elaborar o Ordenamento Biofísico do Algarve (1982) propôs a criação de uma Reserva Zoológica na Rocha da Pena. Posteriormente, o eng. Leal de Oliveira defendeu no 3º Congresso do Algarve (1984) a criação de uma Reserva Natural na Rocha da Pena. M. J. Azevedo Soares (1985), no âmbito da geologia, propõe a classificação (ao abrigo do Dec.-Lei nº 613/76) do Alto Barrocal (Salir) e que o Poço dos Mouros seja considerado como Reserva Natural Integral. O Sítio Classificado da Rocha da Pena é finalmente criado, em 1991, juntamente com o da Fonte da Benémola (Dec.-Lei nº 392/91, de 10 de Outubro), reconhecendo-se a importância da conservação desse património natural, um dos biótopos do programa comunitário CORINE e área incluída no PROTAL como Zona de Protecção da Natureza.
Fig. 4: Carta geral de ocupação da Rocha da Pena: 1) maquis e garrigue; 2) alfarrobeiral e mato; 3) dolinas; 4) Poço dos Mouros; 5) Buraco da Caldeirinha; 6) muralha do período neolítico ou da Idade do Ferro (?).
Apesar de degradada a fauna da Rocha da Pena apresenta ainda uma diversidade que importa salvaguardar. De entre os mamíferos destacam-se o Geneto (Genetta genetta), o Saca-rabos (Herpestres ichneumon), a Raposa (Vulpes vulpes), o Toirão (Mustela putoris), a Lebre (Lepus capensis), o Coelho (Oryctulagos cuniculus) e diversas espécies de quirópteros. A avifauna é igualmente de grande valor ocorrendo, entre outras espécies noitibós (Caprimulgus sp.), poupas (Upupa epops) e grande diversidade de passeriformes, destacando-se a ocorrência de rapinas (Faconiformes); existem referências à presença da rara Águia de Bonelli (Hieraetus fasciatus), Bufo Real (Bubo bubo), Coruja-do-mato (Strix aluco), Francelho (Falco tinunculus), Milhafre (Milvus regalis), Gavião (Accipiter nisus) e Grifo (Gyps fulcus). A Águia de Bonelli e o Bufo Real ainda ocorrem na Rocha da Pena (?), ambas as espécies constam do Anexo I da Directiva Comunitária 79/409/CEE para a protecção das aves. Será também de destacar a ocorrência de grande variedade de insectos, nomeadamente lepidópteros e coleópteros.
Relevo altaneiro, a Rocha da Pena (480 m) constitui por natureza um miradouro de onde se poderão desfrutar largas vistas panorâmicas; sendo de destacar: a N, o vale da Quinta do Freixo e, mais ao longe, o relevo em montículos de toupeira da serra xistosa que se estende até à linha do horizonte; a W, o entalhe de erosão da ribeira de Alte e a Rocha dos Sóidos (467 m); e a S, a repousante paisagem que, do barrocal ao litoral, desemboca no azul-oceano.
Fig. 3: Vista panorâmica a partir da cota 481 m, a SE do Barranco do Velho (Serra do Caldeirão), para oeste: em primeiro plano e à direita o relevo em montículos de toupeira dos xistos paleozóicos da Serra Algarvia (Negros, 474 m; Juncal, 523 m); à esquerda o relevo da Orla Mesocenozóica Meridional ou Algarvia, mais precisamente do Barrocal ou Carso Algarvio (Rocha da Pena, 480 m; Sóidos, 467 m; Cabeço da Areia, 377;...). Salir situa-se na depressão periférica, que separa o Barrocal da Serra, correspondente aos terrenos do Triásico (adapt. de M. Feio, 1951).
CONSERVAÇÃO E PROTECÇÃO
As falésias e relevos escarpados, até há alguns anos atrás, eram pouco frequentados pelo Homem constituindo dos últimos refúgios onde diversas espécies podiam permanecer sem serem perturbadas. O crescente desenvolvimento economicista e tecnicista inverteu, no entanto, esse cenário.
Não se questionando as transformações do meio, inerentes à própria evolução das populações, reconhece-se, no entanto, a necessidade de implementar um desenvolvimento sustentado que não descure as componentes social, ambiental e cultural, devendo-se optar pela preservação in situ de monumentos naturais, como será o caso da Rocha da Pena, integrados no viver das gentes e sujeitos a uma gestão conveniente do espaço, como defende A. M. Galopim de Carvalho do Museu Nacional de História Natural (MNHN). Nesse sentido, e desde há alguns anos a esta parte, foram propostas diversas modalidades de conservação/protecção da “Serra da Pena” (segundo a expressão de Estácio da Veiga, 1886).
Já em 1977, A. Gomes Guerreiro alertava para a necessidade de “protecção e reserva de zonas escolhidas do barrocal e serra, seleccionadas pelas evidentes características de beleza paisagística, de riqueza natural e de grande potencial genético” (sic.). Deodália Dias e Maria João Ramos, a partir de trabalhos de campo realizados em 1979, propuseram a criação da Reserva Integral da Gruta da Pena: considerando que as populações de quirópteros são particularmente sensíveis à presença humana, especialmente R. mehelyi e M. blythi. A Secretaria de Estado do Ambiente ao elaborar o Ordenamento Biofísico do Algarve (1982) propôs a criação de uma Reserva Zoológica na Rocha da Pena. Posteriormente, o eng. Leal de Oliveira defendeu no 3º Congresso do Algarve (1984) a criação de uma Reserva Natural na Rocha da Pena. M. J. Azevedo Soares (1985), no âmbito da geologia, propõe a classificação (ao abrigo do Dec.-Lei nº 613/76) do Alto Barrocal (Salir) e que o Poço dos Mouros seja considerado como Reserva Natural Integral. O Sítio Classificado da Rocha da Pena é finalmente criado, em 1991, juntamente com o da Fonte da Benémola (Dec.-Lei nº 392/91, de 10 de Outubro), reconhecendo-se a importância da conservação desse património natural, um dos biótopos do programa comunitário CORINE e área incluída no PROTAL como Zona de Protecção da Natureza.
AS ACTIVIDADES DE AR LIVRE
A protecção natural devida à inacessibilidade do terreno já não funciona face ao grande incremento das actividades de ar livre juntamente com o progresso das vias de comunicação e consequente fácil acesso. A massificação dos “terrenos aventura”, a penetração de grande número de pessoas em áreas tradicionalmente pouco frequentadas, origina diversos problemas: pisoteio, incremento da erosão, ruído, destruição de vegetação, perturbação da fauna, detritos, risco de incêndio, restos de fogueiras, marcas de tendas, etc.. Visitantes de ocasião, amantes dos percursos pedestres, “espeleólogos”, escaladores, campistas, escuteiros e outros terão a sua quota parte na degradação da Rocha da Pena.
Já em 1985, Luís Rocha Cruz, do Núcleo de Espeleologia do Circulo Cultural do Algarve (NECCA), manifestou a sua preocupação pela situação de degradação e abandono em que se encontrava a Lapa da Pena. No ano seguinte, o Centro de Actividades Especiais da Liga para a Protecção da Natureza (LPN) toma conhecimento, através do Ofício nº 923/86 do Serviço Nacional de Parques e Conservação da Natureza (SNPCN), “da acção nefasta exercida por grupos de jovens praticantes de Espeleologia e Montanhismo na Rocha da Pena” (in jornal A Voz de Loulé, Ano XXXIII, nº 1103, 21/Ago. 86). Posteriormente, P. Cuiça chama a atenção para a degradação a que o Poço dos Mouros tem vindo a ser sujeito devido a acções antrópicas (1988b, c; 1993), nomeadamente a perturbação das colónias de morcegos, bem como para diversas pressões em torno da Rocha da Pena (1993).
Por seu turno, a Almargem - Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental veio a terreiro para alertar acerca da portaria de Agosto de 1988 que autorizou o funcionamento em parte das vertentes W e N da Rocha da Pena de uma Zona de Caça Turística (Quinta do Freixo), bem como da forma sigilosa como foi aberta uma estrada desde a Peninha até ao topo dessa elevação (1990).
Apesar de actualmente a Rocha da Pena ser um Sítio Classificado continuam a ocorrer acções antrópicas contra o património natural aí existente, por não se verificar, na prática, qualquer vigilância, divulgação, planeamento integrado ou construção de estruturas para a conservação da área. Onde estão os placards alertando para a acção nefasta de se descer ao Algar dos Mouros ou de se escalar em determinados sectores? Onde está o estudo de impacte ambiental (EIA) que avalie as acções das diversas actividades aí desenvolvidas (nomeadamente as actividades de ar livre) e permita tomar as correctas medidas de gestão das mesmas? Muitas perguntas ficam por responder!
Hoje em dia “não deixar mais pegadas e não tirar mais que fotografias” torna-se uma fórmula perfeitamente esvaziada de significado face aos problemas reais de massificação das actividades out-door e exigem-se medidas concretas, fundamentadas e eficientes que resolvam o paradoxo de como proteger e simultaneamente divulgar. Os processos de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) e os Estudos de Impacte Ambiental (EIA) terão, necessariamente, um papel de destacada relevância na correcta abordagem da problemática de gestão. Esses estudos, multidisciplinares e isentos, que relacionem nomeadamente as actividades de ar livre com a conservação do meio ambiente serão de importância fundamental; mas mais importante que os estudos será a aplicação que deles se faça! Quantificar o número de visitantes, tipo de actividades praticadas, locais de intervenção e impactes em jogo será, pois, de primordial importância para uma correcta gestão conservativa da Rocha da Pena. Pelas suas características ímpares, essa elevação apresenta um grande potencial para a prática de diversas actividades de ar livre: campismo (bivaque), percursos pedestres (passeios), escalada, “espeleologia”, rapel, corrida de orientação, percursos a cavalo, bicicleta de montanha, todo-o-terreno (4x4), asa-delta, parapente, caça,…; no entanto, algumas delas não serão compatíveis com a preservação do meio ambiente.
O POÇO DOS MOUROS
Na sala terminal da Caverna dos Mouros encontra-se uma das maiores colónias de morcegos da Europa, segundo J. Palmeirim: colónia de criação de Miniopteros schereibersii com mais de 2000 indivíduos e um largo número de Myotis blythii e Rhinolophus mehelyi. A acção antrópica, em cavernas-abrigo de morcegos, é um dos factores mais significativos de impacte sobre o número de indivíduos de uma colónia (Dias & Ramos, inéd.; Dias, 1987; Palmeirim, 1982, 1987, 1990, inéd.; Palmeirim & Viana-Rodrigues, inéd.). A espécie M. schereibersii parece estar dividida em populações bem definidas cujos indivíduos se reúnem sempre na mesma caverna durante a época de criação, caso da cavidade em questão. A perturbação das colónias do Poço dos Mouros, no período de tempo referido, revela-se, pois, de gravosas consequência. A afluência, ao longo dos anos, de grande número de pessoas a essa cavidade (a que não estará alheio o facto de virem assinaladas em diversos mapas e guias turísticos), o aumento dos praticantes de “espeleologia” e a, ainda mais grave, crescente acção de visitantes ocasionais impõe que sejam tomadas medidas de conservação/protecção das colónias de quirópteros aí existentes. Com esse fim, verifica-se a necessidade de regulamentar o acesso à gruta, nomeadamente durante a época de criação (Março a Maio), procedendo-se à colocação de gradeamento que não prejudique a entrada e saída de morcegos e não altere o (micro)clima subterrâneo. Essa medida poder-se-á estender eventualmente ao período de hibernação (Novembro a Março) ou mesmo, caso seja classificada como Reserva Integral, ao encerramento permanente.
O “Plano de Utilização Turística das Grutas” elaborado pela Almargem e apresentado à Câmara Municipal de Loulé com o fim, entre outros, de promover “visitas condicionadas” (?) ao Poço dos Mouros não se integra na perspectiva atrás delineada. Por outro lado, o elevado estado de colmatação em que essa cavidade se encontra, (endo)carso senil sujeito a abatimentos (nomeadamente na sala terminal de grandes dimensões), apresenta condições de segurança que não aconselharão a promoção de visitas!
A ESCALADA
(…)
CONCLUSÃO
Em nome do desenvolvimento ou (cada vez mais) do ambiente, certos agentes têm sabido organizar-se na gestão de espaços físicos e/ou na exploração dos seus recursos num exclusivo interesse imediato, acelerando processos de degradação ambiental, destruindo testemunhos patrimoniais do maior valor e produzindo danos e perdas irreparáveis (como o que aconteceu com a tentativa de abertura para fins turísticos da Gruta da Senhora, no Cerro da Cabeça).
O protagonismo que a Almargem tem demonstrado nos últimos tempos tentando que a gestão do Sítio Classificado seja entregue ao Centro Ambiental da Pena esquece, no entanto, que a sociedade (em plena vivência democrática) assume-se no direito de estabelecer as regras entre os seus pares no usufruto desse vasto condomínio, que será a Rocha da Pena, e ocorre-me a Câmara Municipal de Loulé, a Região de Turismo do Algarve, a Direcção Regional de Ordenamento do Território, o Instituto de Conservação da Natureza, a Universidade do Algarve, juntas de freguesia da área, as diversas associações ambientais, as populações residentes nas imediações dessa elevação, os espeleólogos, os escaladores,… como alguns dos directamente envolvidos na matéria. É evidente que as diversas entidades terão de passar por uma ponderação, na perspectiva do que se entende por desenvolvimento sustentado, em que o diálogo entre os diversos intervenientes contribua para uma gestão coerente e equilibrada desse Sítio Classificado. Aliás, o novo enquadramento legal das Áreas Protegidas (Dec.-Lei nº 19/93) ao prever a reclassificação das várias áreas de acordo com as suas potencialidades e interesses em jogo será um instrumento de grande valor para proceder ao (re)ordenamento da Rocha da Pena tendo em consideração os diversos organismos e pessoas individuais relacionados com a problemática em causa. A sociedade, ou seja, todos os indivíduos incluindo as gerações vindouras têm, nõ só, o direito de isufruirem desse vasto condomínio que é a natureza, bem como de promoverem a preservação ou a cessação de factores de degradação do ambiente (artos. 9º, 65º, 81º e 91º da Constituição Portuguesa).
Por último, a legislação estabelece de forma clara a instalação e orgânica dos Sítios Classificados da Rocha da Pena e Fonte da Benémola (Dec.-Lei nº 4/78, de 11 de Janeiro, e Dec.-Lei nº 392/91, de 10 de Outubro), as instituições e pessoas necessariamente envolvidas são o Director, a Comissão Directiva e o Conselho Geral.
A Rocha da Pena, um dos locais mais pitorescos do “barrocal agreste e pedregoso” (Gomes Guerreiro, 1977), é um património natural que importa conservar!