06/11/2012

GRUTAS DE LISBOA (I)


No tocante ao apelo “a todos aqueles que tenham informações acerca de grutas no concelho de Lisboa”, no âmbito de um trabalho universitário em que estive envolvido – Ameaças à Geodiversidade – Cavidades subterrâneas do Concelho de Lisboa – aqui fica o agradecimento aos que de alguma forma responderam ao dito. Devido à extensão do trabalho publico somente a introdução e as conclusões. Nos próximos posts conto publicar também os conteúdos referentes ao trogloditismo e ao “culto das grutas”, tal como as referências toponímicas.


Introdução


21.978 a.C.
Saíram e dirigiram-se a outra caverna.
Tens muitos sítios, disse o rapaz.
Há muitos caminhos debaixo da terra, respondeu o velho, mais que tu possas pensar.
(…)
1936
Era um dos temas em que [Aquilino Ribeiro] meditava quando passeava pelas terras da infância, de Sernancelhe à Lapa: que a rudeza pré-histórica não desaparecera, mesmo nas maiores cidades como Lisboa; apenas ganhara outra espécie de densidade. O mundo tornara-se hostil à presença do maravilhoso. Longe deveriam ir os tempos em que andavam faunos pelos bosques.
(…)
1742 (Julho)
Observaram o local com atenção em busca dos sinais indicados pela Beata de Óbidos. Contornaram com lentidão o sopé da montanha [Penha de França] retirando os pedregulhos maiores do caminho para avançar com as carretas e encontraram a entrada da gruta. O franciscano olhou em volta e não viu vestígios de ocupação; nem ossos, cinzas ou pegadas: o local estava abandonado há muitos anos. Inclinou-se para espreitar e cheirou a humidade do interior da terra – musgo e poeira.
(…) ‘Os Mouros moraram aqui’, disse.

David Soares (2008) – Lisboa Triunfante

A minha Lisboa desenhava-se aos poucos como um articulado de pedras engendrado por gente e cimentado por palavras, sobreposição à primeira vista anárquica de expressões, gostos, vontades, sonhos e ambições, moldura irremediável da vivência de quem vem depois e, claro, também, do olhar curioso de quem teima perceber a trama complexa da evolução da cidade.

José Sarmento de Matos (2008) – A Invenção de Lisboa – Livro I: As Chegadas


Um trabalho sobre grutas no concelho de Lisboa pode parecer, à primeira vista, algo de absurdo tendo em conta que num contexto citadino, onde grande parte do território se encontra densamente urbanizado, seria difícil encontrar tais cavidades naturais mesmo que estas já tenham existindo no passado. Esse intento não deixará igualmente de causar alguma estranheza tendo em conta que Lisboa se trata de uma cidade várias vezes milenar, palco de diversas civilizações, alvo de cataclismos tão dramáticos quanto o terramoto de 1755 e, não menos importante, na qual não se ouve hoje falar de tais fenómenos!…
O meu interesse por esta “desconhecida” temática surgiu, em 1985, com base na leitura de um artigo da autoria de Octávio da Veiga-Ferreira – Lisboa há milhões de anos: os homens pré-históricos estabeleceram-se com certeza nas antigas grutas do Vale de Alcântara!… Desde essa altura, sempre que passo nesse importante vale lisboeta lembro-me invariavelmente dos nossos ancestrais pré-históricos e das grutas aí existentes. Memórias que despertam a magia de outros tempos, nos quais esse vale seria certamente verdejante e no fundo do qual até uma ribeira corria no seu natural percurso. Um marcado contraste com a realidade actual em que o antigo curso de água corre encanado sob uma larga avenida e o vale se encontra pejado de prédios, estradas, viadutos, um caminho-de-ferro e até uma ETAR.
Enquanto o Vale de Alcântara, ainda que profundamente descaracterizado, continuar a despertar memórias de tempos ancestrais, enquanto persistir em ser um hino à lembrança de outras épocas, não permitirá o esquecimento e, só por isso, funcionará, vezes sem conta, como uma “máquina do tempo” proporcionando um eterno retorno às saudades do futuro.

Vale de Alcântara (PC ã2012)


Conclusões
Há grutas, melhor seria dizer ainda há grutas, no concelho de Lisboa: os trabalhos de prospecção permitiram localizar duas dezenas de cavidades. No entanto, a maior parte das ocorrências confirmadas no terreno encontram-se bastante degradadas, total ou parcialmente entulhadas e/ou funcionando como depósitos de resíduos de natureza diversa. Por isso, o acesso às cavidades revela-se impossível, bastante difícil ou até perigoso, não em termos da dificuldade técnica da progressão mas sim de “saúde pública”, o que impede ou dificulta a sua caracterização, nomeadamente no tocante ao seu desenvolvimento ou outros elementos de interesse. O trabalho levado a cabo também revelou a confirmação de diversas grutas destruídas/desaparecidas devido à urbanização das áreas onde se encontravam.
A reabilitação da Gruta do Rio Seco I, no âmbito da sua classificação como geomonumento, revela a importância dada à preservação da geodiversidade e augura o surgimento de uma nova mentalidade no que concerne à tomada de consciência acerca dos valores intrínsecos associados à geologia em geral e às cavidades subterrâneas em particular. A adequada dinamização desse geomonumento constituirá certamente um exemplo a seguir e funcionará como estímulo à recuperação de outras cavidades. A preservação da Furna do Rasto deve ser tida em conta, dado que se trata da única cavidade existente no concelho relativamente bem conservada, para além de possuir um desenvolvimento considerável e comportar diversos elementos de valor inegável.
O trogloditismo e o “culto das grutas” surgem como valores acrescentados no âmbito das mais recentes definições de geodiversidade, enfrentando como manifesta ameaça o esquecimento.

2 comentários:

Bargao_Henriques disse...

Muito interessante!
Fiquei com curiosidade de conhecer esse trabalho.
Lamentavelmente o apelo passou-me ao lado, porque poderia ter referido alguns locais em Monsanto. Mas provavelmente já serão do teu conhecimento...

Pedro Cuiça disse...

Caro Bargão Henriques
Muito obrigado pelo teu interesse. Os dados de que dispões serão muito bem vindos e certamente trarão algo de novo àquilo que já conheço.
Conto publicar o trabalho na integra on-line, em pdf, logo que termine a revisão do mesmo.
Cumprimentos